Aborto em caso de microcefalia só se justifica quando não há condição de vida, dizem especialistas
O argumento seria o de que o Estado é responsável pela propagação da doença e as mulheres não podem ser penalizadas. No Brasil, o aborto é ilegal, salvo exceções
O aumento de casos de microcefalia, possivelmente, decorrentes do vírus zika no Brasil reacendeu o debate a respeito da legalização do aborto no País. A ONG Anis, com sede em Brasília, por exemplo, prepara um pedido junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que as mulheres tenham o direito ao aborto em gestações com má-formação dos fetos.
O argumento seria o de que o Estado é responsável pela propagação da doença e as mulheres não podem ser penalizadas. No Brasil, o aborto é ilegal, salvo exceções. E o jurista Carlos Eduardo Nicoletti Camillo, professor de biodireito da Universidade Mackenzie, que se diz contrário ao aborto, afirma ao R7 que é necessário uma definição precisa da questão de viabilidade da vida para a interrupção da gravidez no caso da microcefalia.
— Quem está com essa enfermidade tem viabilidade de vida? Se a resposta for afirmativa, o certo seria evitar esse aborto na forma da lei.
Hoje, o aborto no Brasil só é permitido em casos de estupro, risco de vida da mulher e quando o feto tem anencefalia — esse foi autorizado em 2012 pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Anencefalia x microcefalia
O professor de obstetrícia a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Universidade Federal Fluminense e diretor da SGORJ (Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro), Antônio Braga, explica que, nos casos de anencefalia (quando o embrião não desenvolve o cérebro e o cerebelo), em geral, já é possível descobrir que há má-formação entre 10 e 13 semanas, por meio de um ultrassom que avalia a morfologia do bebê. Porém, segundo ele, nos casos de microcefalia, a mãe descobre bem mais tarde.
— Os primeiros indícios [da má-formação] podem aparecer no ultrassom morfológico, entre 20 e 24 semanas de gestação. O perímetro de 32 cm [parâmetro utilizado pelo Ministério da Saúde para determinar a microcefalia] só se alcança no fim da gravidez. Há casos em que se descobre após o parto, quando o bebê passa por todas as medições.
A discussão será longa e a decisão precisa ser feita com muita cautela, de acordo com Camillo. Contatada pelo R7, a Anis informou que não poderia responder às perguntas por não ter mais nenhum horário de atendimento à imprensa.
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Camillo ressalta que casos de microcefalia são bem distintos dos de anencefalia também do ponto de vista jurídico. Ele se baseia no conceito francês de viabilidade da vida para a sua explicação, já que, em casos de anencefalia, o feto, em geral, não é capaz de sobreviver por mais de algumas horas.
— É difícil arriscar um prognóstico, mas acho que a tendência é de se negar o aborto em casos de microcefalia. Vai ser um debate bem aguçado. Enquanto a situação não chegar ao STF, vai haver decisões contraditórias, alguns tribunais permitindo outros não permitindo.
Para o professor de biodireito, é importante que a comunidade médica esclareça o quanto antes todas as dúvidas a respeito das sequelas da microcefalia e de sua relação com o zika vírus. Camillo diz que o direito penal é uma consequência de questões sociais ou técnicas, definidas por especialistas dos setores.
— Não é a Lei de Tóxicos, por exemplo, que define que substâncias como a maconha e a cocaína são vedadas. Não está no Código Penal. O que está são as condutas das pessoas envolvidas nos processos de comercialização, de venda, de preparo, de consumo, mas quem determina a proibição da substância em si é o Ministério da Saúde.
Segundo explica Braga, conceitualmente, só se fala em aborto antes de 20 semanas. Após esse período, o conceitualmente chama-se “indução ao parto”.
— O risco desse procedimento deve ser muito considerado, pois, há risco de hemorragia, lesões no colo do útero e no útero, que podem comprometer uma chance futura de gravidez. E pode levar à morte também.
Cuidado redobrado
O exame que detecta a má-formação de bebês é o ultrassom, “que é mais facilmente disponível”, afirma o professor da UFRJ. Mas com ressonância nuclear magnética também se descobre.
As grávidas de bebês com microcefalia necessitam de um cuidado redobrado durante a gestação.
— Os exames de pré-natal devem ser mais frequentes, praticamente toda semana. Já a mulher com bebê saudável faz consultas mensalmente. Além disso, nós também recomendamos aos médicos que preparem um suporte multidisciplinar, com psicólogos, enfermeiros e toda a equipe necessária para acolher a gestante. Também pedimos sempre a ajuda da família.
O obstetra diz ainda é precoce discutir a possibilidade de aborto em caso de mulheres grávidas que têm zika vírus.
— Não sabemos se há relação direta entre zika vírus e microcefalia. Necessitamos de mais estudos. A grande questão é a dificuldade em se ter certeza de que tem a microcefalia. Mas acredito que em casos de microcefalia associada a lesões em múltiplos órgãos, que sejam incompatíveis com a vida, a lei deveria ser mais acolhedora.
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Camillo ressalta que o que será determinante é o parecer médico. No caso da permissão para aborto em diagnósticos de anencefalia, o Judiciário só conseguiu chegar a essa conclusão no STF depois de uma definição da comunidade científica.
— Em relação à microcefalia é a mesma coisa. É preciso que haja discurso e compreensão para dizer como isso vai o que acontecer. O grande problema é que, apesar de o vírus ter sido descoberto há algumas décadas, quase ninguém sabe sobre ele. A comunidade médica não tem as respostas ainda. Tudo é muito novo.
Prevenção da doença
O médico ainda destaca, por sua vez, que, “para além do debate sobre a legalidade do aborto nesses casos”, é necessário focar atenção na prevenção da doença.
— Como a erradicação do Aedes aegypti, além de reforçar os cuidados com as gestantes, que devem usar repelentes e roupas de manga comprida.