Besta-Fera: espetáculo da Cena Coletiva estreia no Palácio da Cultura Sônia Cabral

No último sábado, dia 24 de Fevereiro, estreou o trabalho da Cena Coletiva, Besta-Fera, com as intérpretes Carmem Marques, Gabriela Camargo e Patrícia Galleto, com direção e concepção coreográfica de Carla van den Bergen, dramaturgia e direção de Fernando Marques e direção de arte de Francina Flores.

Logo na entrada os espectadores são convidados a subir no palco. O espetáculo se dá de maneira próxima e horizontal. Enquanto a plateia se acomoda, as intérpretes já estão em cena. Sento-me bem ao fundo, de modo que a minha visão alcance o palco e a plateia, que está vazia. A fumaça vem em minha direção e anuncia o que está por vir.

O trabalho se desdobra em seis momentos ou encruzilhadas, como o texto nomeia: o mar, o mangue, a floresta, o sertão, a cidade e o fim do mundo. Nessas encruzilhadas estão os “corpos de mulheres que não adequam ou mesmo rejeitam o que se convencionou como feminino – docilidade e delicadeza, instinto maternal e pureza, subserviência e fragilidade, passividade e sujeição”.

Os textos narrados ao longo do espetáculo, ora por Carla van den Bergen, ora por Alê Bertolli, se misturam – sem se sobrepor – à proposta de movimentação cocriada entre a coreógrafa e as intérpretes. A figura mítica de Hécate, deusa da magia, é convocada no começo, meio e fim, como um fio que conduz à saída do labirinto.

Interessante pensar a noção de encruzilhada como essa “disponibilidade para novos rumos, poética, campo de possibilidades, prática de invenção e afirmação da vida, perspectiva transgressiva à escassez, ao desencantamento e à monologização do mundo”, diz Luiz Rufino em “Pedagogia das Encruzilhadas”. Para ele, “a encruza emerge como a potência que nos possibilita estripulias.”*

É nessa bifurcação que Besta-Fera me arremesa: apesar de espectadora, estou em cena. Faço parte do trabalho e ao desconhecer os corpos que vejo, desconheço a mim mesma. Sinto certos desconfortos, que numa leitura rasa se acomodariam como uma simples falta de entendimento. Para além dos saberes, que podem se tornar tanto objeto de conforto, quanto de dominação, inquieto-me na dúvida. É preciso aprender a descansar aí também. E quem sabe, encontrar ao longo desta semana com Hécate, a dona dos caminhos e das encruzilhadas.

“Arreda, homem, que aí vem mulher.”

* Pedagogia das Encruzilhadas, de Luiz Rufino. Lançado pela Mórula Editorial em 2019. As citações deste texto estão na página 13.

Serviço:

Besta Fera (temporada de estreia)

01 a 03 de Março às 19h na Cena Escola de Dança, em Domingos Martins

09 de Março às 19h no Centro Cultural Elizário Rangel, na Serra

Instagram: @cenacoletiva