Espaços para existir: um olhar sobre as exposições de Fernando Augusto

Foto de Hugo Fortes
Hugo Fortes

A floresta como casa selvagem. A casa como floresta íntima. Entrelaçando estes dois mundos, o artista Fernando Augusto vem investigando os espaços que vivenciamos, partindo dos ambientes externos que nos circundam para revelar com sutilezas os sentimentos internos que nos afetam. Dentro e fora se enredam em uma poética dialógica, feita de ocultações e desvelamentos.

Nas exposições realizadas pelo artista recentemente, no Museu de Arte do Espírito Santo, na Galeria Matias Brotas e em seu próprio ateliê, Fernando Augusto nos possibilita entrar neste mundo denso, feito de brumas e mistérios que se distendem desde o ambiente doméstico até a grandeza das florestas tropicais brasileiras. A luz cuidadosa de seus desenhos, pinturas e fotografias nos convida a adentrar esses espaços de forma silenciosa e solene.

Nos desenhos de grandes dimensões, exibidos no Museu de Arte do Espírito Santo, surgem florestas grandiosas, em particular a Selva Amazônica e a Mata Atlântica. A escala monumental das obras nos permite mergulhar nesses ambientes vegetais como se estivéssemos vivenciando-os desde dentro.

Seu desenho a carvão e pastel, de viés expressionista, revela presenças arbóreas majestosas, mas também nos sugere um esvanecimento da paisagem que se estende para além do visível, situando-se nas experiências difusas das vivências multissensoriais, das memórias e das fabulações.

O artista se define como um inventor de paisagens, mas para poder criá-las, precisa do contato direto com o mundo natural.

É por meio de expedições à floresta amazônica e às matas da região do Espírito Santo que Fernando Augusto coleta suas impressões que posteriormente são reelaboradas em pinturas, aquarelas e desenhos, muitas vezes conjugados a textos poéticos que lhes agregam uma dimensão reflexiva.

Mais do que um retrato da paisagem observada, o que vemos em seus trabalhos são reflexões sobre o lugar do sujeito ao se deparar com a grandiosidade da natureza, materializadas através de emanações luminosas, experimentações gestuais e a busca pelas sensações inapreensíveis.

Se diante da mata o artista reconhece sua pequenez e assombro diante do sublime, no espaço construído das casas ele também não deixa de se encantar por seus mistérios.

Na série de desenhos/pinturas “Casa, Catedral” o artista nos mostra silhuetas de casas sem janelas em tons saturados de preto, azul ou vermelho, em pigmentos que se espalham de forma difusa por todo o papel, criando um contraponto entre a presença maciça das construções intransponíveis com a atmosfera etérea e vaporosa que as circunda.

Há um certo silêncio solene nestas habitações noturnas, que parecem envolvidas pela densidade das revelações e ocultações do sagrado. Sagrado não vinculado a uma ou outra crença religiosa, mas encontrado no próprio confronto do indivíduo com o indecifrável.

Já na série de pinturas “Habitar”, a materialidade pictórica é diversa, constituída da massa pastosa da pintura à óleo, porém a sensação de uma reflexão existencial sobre o espaço permanece. Ao invés da escuridão das pinturas “Casa, Catedral”, ou dos esvanecimentos de suas florestas, o que vemos aqui é uma luz lenta e esverdeada que parece se demorar nos cantos e nas frestas, revelando vazios e ausências.

Suas escolhas compositivas e cromáticas ecoam qualidades metafísicas das longínquas pinturas de interiores holandeses ou quem sabe até de um Van Gogh, de um Hopper ou até mesmo de um Morandi, quase sem objetos.

Ainda que tais referências possam inconscientemente atravessar a formação erudita de Fernando Augusto, seus trabalhos são, em última instância, produzidos a partir de seu próprio encontro pessoal com estes espaços, vivenciados ou imaginados.

Se as casas são abrigos que nos protegem da selvageria do mundo natural, elas entretanto, não deixam de abrigar segredos, espantos e maravilhamentos, e neste sentido se aproximam das florestas.

Estar desamparado em meio a selva ou mergulhar nas angústias e pensamentos de nosso mundo doméstico são sensações que nos atravessam enquanto humanos, que buscam seu lugar para habitar este mundo.

Ao se voltar para os espaços externos a seu corpo, quer sejam eles paisagens ou habitações, Fernando Augusto busca sair de si para de novo se reencontrar nos ambientes que o cercam, ou como o próprio artista diz: “na seleção dessas coisas que olho e faço, não haverá uma fala de mim?”

Serviço

“A Persistência da Paisagem”, curadoria Almerinda Lopes no MAES – Museu de Arte do Espírito Santo – 11 de junho a 11 de agosto

“Outras Paisagens” Galeria Matias Brotas, – 13 de junho a 26 de julho

“Atelier aberto”, durante o mês de junho e julho, todas as quartas e sábados das 14 às 16hs. o ateliê do artista estará aberto para visitas e um dedo de prosa.

Foto de Hugo Fortes

Hugo Fortes

Artista visual, curador, designer e professor associado da Universidade de São Paulo, Brasil. Como artista, já apresentou seu trabalho em mais de 15 países, em locais como George-Kolbe Museum Berlin, Ludwig Museum Koblenz Alemanha, Galerie Artcore Paris, entre outros. Em 2016 tornou-se livre-docente com a tese "Sobrevoos entre Homens, Animais, Tempos e Espaços: Pensamentos sobre Arte e Natureza", na Universidade de São Paulo, onde atua como professor desde 2008. Sua pesquisa como artista e como docente é voltada pelas relações entre arte e natureza, com destaque para questões relativas à paisagem, aos animais e à água.