O artista e seu ateliê: veja a relação com a obra de Saramago – parte 2

Foto de Cláudia França
Cláudia França

Pois bem, “Todos os nomes”, de Saramago, nos faz pensar em nossas atuações profissionais. Nas artes visuais, é muito difícil abraçar somente a carreira artística.

O mercado de arte é flutuante e nem sempre aberto a propostas arrojadas; o experimentalismo cede, aos poucos, às exigências da “objetividade” de uma proposta poética passível de venda. Não são raros os casos de artistas que possuem uma segunda carreira que lhes assegure certa estabilidade financeira.

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No caso de artistas-professores, trata-se de uma relação interessante, porque há uma alimentação mútua de conteúdos, práticas, modos de socialização e transmissão de saberes.

Sala de aula e ateliê são lugares do fazer, onde se respeitam normas próprias como horários de funcionamento, conteúdos específicos, disponibilidade multiuso se os espaços são compartilhados, entre outros aspectos.

Lembrando a jornada dupla da personagem Sr. José, artistas também encampam uma dialética explícita entre seus modos “solar” e “lunar” de trabalho. Há relativamente poucos eclipses solares para pensarmos que sejam síntese desse jogo de contrários.

Nesse jogo de luzes e sombras, é esperado que as atividades docentes componham o seu mundo “solar”, em que a objetividade e a racionalidade reinam, por meio de horários pré-definidos, preparo de aulas, relatórios e outras atividades acadêmicas.

Por outro lado, é bastante comum que o ateliê habite uma zona de penumbra metafórica, que já não é a famosa “torre de marfim” que enclausurava o artista, no antes.

Essa penumbra pode ser percebida pela noite e sua carga simbólica: o período do sonho, da intuição, do silêncio e do feminino. Entendendo a lua como astro celeste de várias faces – sua variedade formal pelo quanto que recebe da luz solar – tais valores se adaptam mais facilmente ao trabalho do ateliê e às próprias transformações do processo de criação.

(esta história continua na próxima semana)

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Cláudia França

Cláudia França é artista visual, natural de Belo Horizonte, formada pela Escola de Belas Artes da UFMG, habilitada em Desenho e em Escultura. É mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutora em Artes pela UNICAMP e pós-doutora em Psicologia pela UFMG. Atualmente está no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, em que se dedica, no mestrado e no doutorado, ao entendimento das dinâmicas do processo de criação.