Parte II: o que é e o que faz um curador de arte?
Retornemos à discussão acerca do termo curadoria em arte – podemos pensá-lo então como ato de seleção de um conjunto de obras artísticas de determinado artista, grupo ou instituição, seleção que é destacada dentre um universo maior do acervo deste artista, grupo ou instituição. No entanto, a ação curatorial não se resume a isto.
Cabe à curadoria a complexa operação de articulação das obras com o espaço físico na elaboração de um desenho expográfico que sugira um percurso, tanto quanto a percepção de relações entre obras supostamente diferentes entre si. O curador ainda detém-se na elaboração de texto ou guia que apresenta e desenvolve uma proposta de olhar para o que será exposto.
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A ele ou ela cabe a construção de uma fala aberta, disponível ao debate e à elaboração de novas articulações práticas (ver e sentir as obras, percorrer uma exposição, ler o texto da mostra) e teóricas (compreender a exposição como um fenômeno, estabelecer outras conexões para além das expostas).
Ou seja, o curador é a figura de autoria que promove a sociabilidade dos encontros: encontros das obras com o espectador, encontros de espectadores entre si, encontros das obras com outras obras. São encontros pacíficos ou instigantes? Revelam consensos ou dissensos? Esses modos de promoção de encontros podem até mesmo determinar a ausência da exposição quanto sua expansão extramuros, ou seja, o espaço interno de uma galeria ou museu torna-se insuficiente para abrigar todo o silêncio ou todo o vozerio dos encontros.
E aqui chegamos a outro viés prático, que é conceber arranjos no espaço real, montar a exposição, instalar um trabalho artístico. Este dado é interessante, porque comumente concebemos projetos habitados em um espaço limpo e neutro, sem elementos que retirem dele essas características.
O tal “cubo branco” estudado por Brian O’Doherty, como lugar apartado do mundo e convertido à pura contemplação. No entanto, não é assim que se vai ao campo propriamente dito da ação: no contexto brasileiro, a grande maioria dos espaços expositivos são adaptações de espaços criados para outras finalidades. Desse modo, arranjar obras em um espaço expositivo em nossa cultura pressupõe outro diálogo, que é entre as obras já selecionadas para exposição com um lugar que traz, por si só, sua marca, suas idiossincrasias, sua história.
Tomo aqui o exemplo da Galeria Homero Massena, na parte alta da cidade de Vitória, que já foi uma garagem de automóveis. Hoje ela está convertida no “cubo branco” que promove ao máximo a sua neutralidade. Mas desde que soube de sua antiga função, a imagem de um carro é um fantasma que me acompanha nas visitas às exposições realizadas ali.
Outro exemplo é o espaço expositivo sediado em edifício tombado pelo Patrimônio Histórico. Arranjar as obras, montá-las, é o estabelecimento de um jogo de forças entre acepções distintas de cultura material. Cabe, portanto, ao curador, expor esse jogo à visitação pública, tornando-nos cientes de que as culturas são campos moventes entre si, bem como as sociedades em que vivemos.