Materialidade e imaterialidade: o que determina o valor de uma obra de arte?

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Isaac Antônio Camargo

No Mercado de Arte Visual é comum lidar com aspectos distintos: materiais, e imateriais.

As Obras de Arte, neste contexto, implicam na produção material para dar-lhes existência como nas modalidades técnicas tradicionais, ou nas proposições atuais, neste caso, saber quanto custam ou quanto valem é uma questão complexa, pois há muitas variáveis que determinam, atuam e interferem neste processo.

Nesta coluna já abordei este tema em duas ocasiões: Como é definido o preço de uma Obra de Arte e Banana pregada na parede, este artigo explana um pouco mais este assunto.

As Obras de Arte representam Valores históricos e socioculturais, mas por serem criações da mente humana dependem de processos cognitivos de difícil mensuração. Neste caso, é provável que o aspecto físico apresente melhores condições de avaliação já que a materialidade, as técnicas, ferramentas, aparelhos e demais processos para a elaboração ou confecção das obras ou de sua instauração físico/material no ambiente são passíveis de mensuração.

Ao contrário, todo o engendramento mental, psicomotor, afetivo e subjetivo não conta com meios tão acessíveis para abordagens ou aferição precisa, portanto, dependem de conhecimento mais acurado, de imersão conceitual e reflexões mais profundas.

Mas para uma abordagem planar sobre este assunto, pode-se começar pelos aspectos materiais, aqueles que dizem respeito a tudo o que foi usado para executar, instaurar e apresentar uma Obra de Arte, ou seja, tudo o que a define. No mundo materialista isto representa seu custo, quer se refira a insumos materiais, ferramentas, máquinas, aparelhos, recursos tecnológicos, energia e tempo na manutenção de oficinas, estúdios e laboratórios.

Investimento em logística, especialistas, profissionais, técnicos e assistentes para sua realização. Neste sentido é possível realizar análises de custos operacionais fixos, variáveis, diretos ou indiretos. Esta é a parte mais verificável deste processo, mesmo sendo pouco comum entre artistas, faz parte da precificação de qualquer produto seja ou não Obra de Arte.

Com base nestes dados é possível saber, por exemplo, quanto se gastou para realizar uma pintura: desde o material empregado para suporte como dimensões e tipo; instrumentos como pincéis ou espátulas, a quantidade e qualidade de tintas, aglutinantes ou o uso de solventes e material de limpeza, ou seja, tudo que for utilizado em termos materiais é mensurável; bem como é possível calcular o tempo dedicado à produção, habilidades no uso de instrumentos, ferramentas, aparelhos e outros recursos necessários à sua realização sejam quais forem, tudo isto pode determinar o custo e definir seu Preço.

Não se pode ignorar que as Obras de Arte não são avaliadas apenas pelos aspectos materiais, mas também e principalmente pelos aspectos Imateriais, ou seja, pelo Valor que lhes é atribuído ou decorrente do contexto histórico e das relações culturais da sociedade nas quais surgem.

Estes aspectos, não materiais, não se referem aos custos operacionais, mas a aspectos imponderáveis presentes e capazes de determinar quanto vale uma Obra de Arte. Tal imponderabilidade não impede alterar ou determinar o que se paga por ela, portanto, a materialidade e a imaterialidade são dois aspectos que determinam preços e valores das Obras de Arte.

Se, por um lado, é possível definir quanto uma obra vale em relação à sua materialidade, por outro, é mais difícil aferir quanto ela vale quando entram em conta os aspectos imateriais. Há alguns deles de fácil detecção: a historicidade, por exemplo, é um dado passível de influenciar o valor de uma obra. A época na qual foi realizada é um fator significativo e pode-se dizer, genericamente, que quanto mais antiga, mais valorada.

A raridade acompanha este fator, pois se além de antiga for rara pode valer mais. Originalidade é também um aspecto relevante. Se uma obra tem características próprias, típicas de uma civilização, etnia ou mesmo autoria, tende a ser mais valorada do que outras que não apresentam estas distinções.

Conhecimento sobre ela e reconhecimento de sua presença e importância também influenciam, pois uma obra muito difundida se torna conhecida e isto a distingue de outras não conhecidas. O reconhecimento de um autor ou de suas obras num dado contexto social também é um elemento de valoração.

É notório que uma obra de Picasso vale mais do que uma obra de Portinari, independente dos aspectos plásticos ou estéticos de cada uma. Isto, em geral, diz respeito à distinção social que provocam ou promovem para quem a possui. Ter obras de autores reconhecidos é um recurso usual para demonstração de conhecimento poder, riqueza e influência. O Colecionismo, por exemplo, é um elemento incontestável de valor e distinção social.

Isto leva a um outro aspecto, obras que apresentam registros de pertencimento a grandes coleções ou colecionadores se tornam também mais valoradas. Obras pertinentes a Coleções de museus, instituições públicas ou privadas é um fator que contribui para valorizar certas obras em detrimento de outras. O fato da “Pietá” de Michelangelo pertencer ao Vaticano adiciona valor a ela, talvez mais do que se fizesse parte do acervo da Capela dos Médici, em Florença, onde há o maior número de obras dele.

Os preços pagos por obras em leilões é também um elemento agregador de valor. O investimento de altas somas em algumas obras faz com que passem a figurar no mercado como “âncoras financeiras” integralizando investimentos de capital econômico, neste aspecto passam a funcionar como uma espécie de “ativo financeiro”, neste caso, o que está em jogo não é sua materialidade física, mas sim a especulação que, em última instância, é imaterial.

Como exemplo, basta lembrar o caso da obra “Salvator Mundi”. A pintura foi “descoberta” em 2005, desde então foi revendida e leiloada. Antes disso em 1900, foi adquirida pelo colecionador britânico, Francis Cook, a pintura estava danificada por tentativas de restauração e sua autoria não era conhecida. Em 1958, foi vendida pelos seus descendentes num leilão por apenas 45 libras esterlinas, o preço corrigido corresponde a, mais ou menos, 400 reais. Em 2005, foi adquirida por um grupo organizado por Robert Simon, especialista em antigos mestres da arte.

Em 2013, depois de restaurada, foi vendida ao colecionador russo Dimitry Rybolovlev por 127 milhões de dólares, o que valeria em torno de 400 milhões de reais hoje em dia. Em 2017, depois de um longo debate entre especialistas, foi atribuída Leonardo da Vinci e, num leilão da Christie´s em New York, atingiu a soma de 450,3 milhões de dólares, quase oitocentos milhões de reais.

Este foi o maior preço já pago por uma Obra de Arte o que acaba por confirmar que a valoração depende menos da materialidade e mais da imaterialidade… ou simplesmente da famigerada especulação…

Pense nisto!

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Isaac Antônio Camargo

Professor, artista e pesquisador, graduado na Licenciatura em Desenho e Plástica, Mestrado em Educação, Doutorado em Comunicação e Semiótica. Atua no ensino no campo da Arte desde 1973, atualmente como professor associado nos cursos de Artes Visuais da UFMS. Desenvolve várias atividades de produção artística participando de mostras e como curador na produção de eventos. Realiza pesquisas sobre e em Arte Visual. Mantém o site www.artevisualensino.com.br destinado ao apoio de atividades didático/pedagógicas e difusão em Arte Visual.