Atentados: o ataque às obras de arte
Não é incomum ocorrerem ataques às obras de arte. Ao entendê-las como um componente simbólico e representativo, prenhe de sentidos culturais, sociais e políticos, ataca-las é como atacar metafórica ou fisicamente o poder de quem a promoveu, quem a possui ou mantém sua existência e até mesmo, quem a realizou.
No passado, destruir as figuras de deuses, monarcas e heróis, demonstrava um comportamento coercitivo decorrente da ocupação do poder ou do território impondo ao dominado uma nova ordem religiosa, social e política. Historicamente a constituição das civilizações e nações passaram por isto e geraram toda a culpa que a humanidade tenta expiar…
Se, no passado, o ato destrutivo revelava uma condição de poder e domínio, o que revelam hoje os atentados desferidos contra as obras de arte? No entanto, não é bem de hoje que tais atos ocorrem, olhando para trás dá para ter uma ideia da escalada deste tipo de conduta e suas nuances.
Ao selecionar os que assumem características de atentados, pode-se dizer que um dos primeiros ocorreu em 1916 quando a obra “Vênus no Espelho” de Diego Velásquez, da National Gallery, de Londres, foi atacada a facadas por uma sufragista em represália à prisão da líder do movimento pelo voto feminino na Inglaterra.
Em 1956, um homem atira ácido sobre a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, no Louvre, em Paris, danificando parte da pintura. Em 1985, a obra “Danae”, de Rembrandt, do Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia também é atacada com ácido. Em 1972, a Pietá de Michelangelo, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, em Roma, foi atacada a marteladas e, na ocasião, perdeu o braço e parte do nariz.
Em 1974, foi a vez de Guernica, exposta no MoMA em NY, que sofreu um ataque com spray de tinta vermelha. Em 1975, a obra “Ronda Noturna” de Rembrandt, foi atacada a faca no Rijksmuseum, na Holanda. Em 1991, “A Banhista enxugando a perna direita” de Pierre-Auguste Renoir, em exposição no MASP, em São Paulo, foi atacada com tinta.
Em 1996, a obra de Marcel Duchamp “A Fonte”, sofreu um primeiro ataque e depois em 2006, um segundo, sendo que ambos foram perpetrados pelo mesmo sujeito. No primeiro o homem urinou sobre ela, no segundo desferiu marteladas.
Um ataque deste tipo também ocorreu em 2007, quando quatro homens e uma mulher invadem o Museu D´Orsay, em Paris e espancam “A Ponte de Argenteuil” de Claude Monet, além do rompimento da tela, também urinaram sobre ela.
Em 2023, os prédios dos três poderes, na Capital Federal, Brasília, foram invadidos por manifestantes nos atos antidemocráticos praticados em 8 de janeiro, causando danos ao patrimônio e também às Obras de Arte: “Galhos e Sombras” de Franz Krajberg, quebrada, “O flautista” de Bruno Giorgi, destruído, parte do muro escultórico de Atos Bulcão e também a pintura de Di Cavalcanti, “As Mulatas” sofreram perfurações.
O último atentado registrado pela mídia, ocorreu no dia 20 de setembro de 2024, na abertura de uma exposição no Palazzo Fava, em Bolonha, Itália, quando um homem destruiu completamente a escultura “Porcelain Cube” do artista chinês Ai Weiwei.
Contudo, ainda é possível analisar estas ocorrências por outro ângulo. O das “Performances”. O Próprio Ai WeiWei, em 1995, destrói um valioso vaso funerário da Dinastia Han, parafraseando Mao Tsé Tung, o general que liderou o partido comunista chinês: “A única maneira de construir um mundo novo é destruindo o antigo”.
Em 1996, no primeiro ataque à obra “A Fonte”, de Duchamp o autor também justificou seu ato dizendo tratar-se de uma Performance. Em 2017, a obra “O comediante”, de Maurizio Cattelan, constituída por uma banana afixada na parede com fita adesiva, Art Basel de Miami, foi comida por David Datuna, cuja Performance chamou de “Artista com fome”.
O mesmo aconteceu em abril de 2023, quando um estudante da Universidade Nacional de Seul comeu mais uma vez a banana que compunha a obra de “Comedian” de Cattelan, exposta no Leeum Museum of Art, em Seul, Coreia do Sul. A justificativa foi a mesma: “Fiquei com Fome”.
Fato semelhante é promovido por Banksy, em 2018, quando do leilão na Sotheby’s de sua obra “Girl With Balloon”-“Menina com Balão”, é semidestruída ao vivo. Segundo informes do autor, ele havia incorporado à moldura um fragmentador de papel que foi acionado no momento em que o leiloeiro bateu o martelo, mas por um defeito a obra não foi totalmente destruída, mas ficou parcialmente dependurada sob a moldura.
Pode-se dizer que foi uma performance frustrada. Bem, parece que aqui as coisas foram atenuadas…
Outro aspecto que pode ser analisado em relação a este tipo de ocorrência, são as intervenções sobre Obras de Arte como estratégia de chamar a atenção para outras áreas de interesse. Nos últimos anos várias delas acontecendo em Museus do mundo todo.
Boa parte delas têm sido promovidas pelo grupo britânico de ativismo ambiental inglês “Just Stop Oil” e pelo grupo alemão Die Letzte Generation – A Última Geração, são contra a exploração do petróleo e pela redução de emissões de gases de efeito estufa. Deram um banho de sopa de tomate no quadro Girassóis, na Galeria Nacional, em Londres. A “Morte e Vida” de Gustav Klint, exposta no Museu Leopold em Viena, recebeu um banho de petróleo.
“O Semeador” de Vincent Van Gogh, exposto no Palácio Bonaparte, em Roma, tomou sopa de legumes. Uma obra de Claude Monet no museu de Potsdam, nos arredores de Berlim, na Alemanha, ganhou purê de batatas.
Ativistas colaram as mãos na obra “Primavera” de Sandro Botticelli, na Galeria Uffizi, em Florença, na “A Carroça de Feno”, de John Contable, na National Gallery, em Londres e numa Cópia, em tamanho real, da obra “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, na Royal Academy of Arts de Londres.
Outro ativista cola sua cabeça no quadro “Moça com brinco de pérolas” de Vermeer enquanto um colega verte sobre ele uma lata de sopa de tomate, no Museu Mauritishuis em Haia. A obra Claude Monet “Le jardin de l’artiste à Giverny”, no National Museum em Estocolmo é atacada com tinta vermelha e também a obra “Femme dans un fauteuil”, de Picasso, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Esta é uma breve amostra do que vem acontecendo. Apesar dos ataques, as obras não têm sofrido danos, pois a maioria delas é protegida por vidros, no entanto, o constrangimento das instituições por não conseguirem evitar tais ataques coloca em discussão a questão de segurança patrimonial, por outro lado, os ativistas vem tendo sucesso já que suas ações alcançam os objetivos propostos.
Além disso, acidentes acontecem… Em 2023, uma obra de Jeff Koons, um de seus “Dog Baloons” em louça, foi destruída por um visitante que esbarrou no suporte da peça derrubando-a e transformando-a em cacos. Uma obra de Gabriel Rico, foi destruída acidentalmente pela crítica de Arte Avelina Lesper, em uma mostra no México.
Vinganças ocorrem: em 2020, a proprietária de uma das obras de Romero Britto, vai até sua galeria e a quebra diante dele. Justifica tal comportamento dizendo que o autor, havia comparecido ao seu restaurante e destratado seus funcionários, ele negou tal acusação, mas o ato viralizou…
Enfim, pode ser que a mídia, de modo geral, não se dedique tanto a difundir assuntos e questões que ampliem o conhecimento sobre Arte, no entanto, quando se trata de fatos polêmicos, não custa “sensacionalizar”, aí sim, a coisa rola.
As obras de arte agregam características socioculturais e garantia de visibilidade midiática. Por um lado, é bom que sejam vistas, que sejam importantes, conhecidas e reconhecidas, por outro, é justamente esta condição que as coloca em risco, por isto, acabam se tornando vítimas preferenciais de agressores e de manifestantes, são as duas faces da mesma moeda.