A polêmica do Touro de Ouro: símbolos urbanos entre réplicas e mercado

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Isaac Antônio Camargo

Da “Charging Bull”: The Folk and The Fake…

Bem, o trocadilho utilizado acima, toma duas palavras de origem inglesa e como diriam os puristas: um anglicismo.

O uso delas tem como finalidade comentar um tipo de ocorrência que vem se tornando popular ou Folk: a ocorrência de eventos urbanos que usam imagens de animais, baseadas em replicações, cópias, imitações ou apropriações simplistas realizadas em resinas e fibra de vidro, instauradas em logradouros públicos.

O assunto que chamou a atenção para a elaboração deste texto foi a polêmica decorrente da imagem de um touro, feito em resina de poliéster e fibra de vidro instalada, originalmente, na frente da Bolsa de Valores de S. Paulo, a B3, em 2021.

A peça foi logo retirada por conta de protestos dirigidos contra ela por ser insidiosa e inoportuna em termos artísticos, culturais e conceituais. Agora, em 2024, o touro “voltou à baila” e à mídia, por se tornar mascote de uma empresa piauiense.

Para situar a questão, é importante recorrer ao Touro original. Em 1989, o “Charging Bull”, uma peça em bronze fundido de 3,5 toneladas e 3,4 metros de altura, produzida pelo escultor Arturo di Modica, foi instalada em frente a Bolsa de Valores de Nova York.

Na ocasião, a peça foi apreendida, retirada do local e, mais tarde, instalada nas proximidades, em Bowling Green, onde permanece até hoje.

E aqui, na cidade de São Paulo, foi instalada uma peça semelhante que tangencia o Fake tanto no que diz respeito à imagem em si, quanto ao apelo econômico que fez com relação ao tipo de local no qual foi colocada.

A peça foi feita por um ex arquiteto que, conforme disse, abandonou uma carreira consolidada na área e passou a se identificar como artista.

Sua primeira obra o Touro de Ouro, da B3, segundo informes veiculados pela mídia, procurou evitar repetições ou cópias de outros touros: “Não só em Nova York, mas em outras capitais existem touros representando o mercado financeiro”. Embora evite a cópia, como diz, não há notícia de outra peça semelhante àquela à qual a daqui se aproxima e que, por coincidência, também foi retirada do local e hoje é mantida no acervo da instituição que a subsidiou.

Charging Bul: a obra original | Foto: https://guianovayork.com/nova-york/touro-charging-bull-wall-street-nova-york/

Embora as duas imagens tenham certas semelhanças, há diferenças proxêmicas, na comunicação não verbal: pode-se dizer que a original, expressa a força no corpo e na cabeça em ascensão, demonstrando a determinação de um ataque taurino.

Em oposição, sua assemelhada, apresenta a posição do corpo e cabeça rebaixada, próximos ao chão, o que leva a apreender um estado de cansaço e submissão, demonstrando aspectos endomórficos frágeis. Mais apropriado à ideia do Beer, o urso, usado como contraponto ao Touro, cuja reticência leva à depressão.

A relação simbólica, promovida pela bolsa de valores americana, estabelece uma relação dicotômica entre o Touro/ações em alta e o Urso/ações em baixa, numa análise dialógica literal subentende-se um confronto entre contrários: força versus fraqueza ou o eufórico/positivo contra o disfórico/negativo.

Contudo, há compensações, diz a lenda que o toque nos testículos, focinho ou chifre do touro original, traz sorte nos negócios, isto se tornou um ritual para turistas em New York.

Aqui, tudo indica que o suposto artista tocou o referido troféu e parece ter encontrado o “mapa da mina”, pois algumas empresas e particulares já adquiram ou encomendaram seus touros para ornamentar suas residências ou lojas.

Esta conduta é mais comum do que se imagina, a consciência kitsch do pastiche, impregnada no senso comum e nos comportamentos populares, gera efeitos que levam grupos a acatar com facilidade propostas deste tipo.

Um dos representantes deste “perfil artístico” é um brasileiro, personagem bastante conhecido do público “Miamiano”. Habituado a cometer várias imagens “inspiradas” em retratos de celebridades e em obras de artistas famosos busca a identificação como o gosto popular e o lugar comum levando-o a recorrer sempre a mais do mesmo.

Nada contra tampouco a favor, na guerra e no comércio parece valer tudo, se alguém encontrou seu nicho, porque não aproveitar disso? Parafraseando o velho ditado popular: em terra de cego quem nem tem olho acaba virando rei.

A tendência de espalhar imagens à granel, replicadas por meio de matrizes formatadas, vem ocorrendo com bastante frequência e inconsequência.

A “infestação” de animais em fibra distribuídos no ambiente urbano foi iniciada em 1998 em Zurique, na Suíça pelo diretor artístico Walter Knapp, inspirado nos Leões, utilizados em 1986 como símbolo da cidade, pintados e expostos nas ruas, isto o levou a criar um evento com réplicas de Vacas idênticas pintadas por vários artistas de acordo com seus interesses e estilos.

Na ocasião, Knapp chama o evento de “Land in Sicht” e o seu similar “Cows on Parade” – vacas em desfile, foi criado em Chicago, nos Estados Unidos, pelo empresário Peter Hanig em 1999, sob o apelido de arte urbana.

Independentemente de ser considerado arte ou não, o motivo e interesse é essencialmente comercial e, em geral, patrocinado por empresas ou pessoas que “adotam” os animais financiando artistas para pintá-los, distribuindo-os posteriormente pelas ruas das cidades nas quais os eventos são realizados.

A maior parte destes eventos vem ocorrendo nos Estados Unidos, pois a CowHolding Parade, empresa americana dedicada a explorar este nicho de mercado, foi fundada em 1999 e de lá para cá estes eventos vem crescendo justamente pelo interesse de cidades e empresas em subvenciona-los.

A partir dos anos 2.000, as paradas extrapolaram: foram realizados mais de 180 eventos “animalescos” ao redor do mundo, principalmente nos Estados Unidos.

Os temas contam com mais de trinta animais “homenageados” como: cavalos, pôneis, elefantes, ursos e ursinhos fofos, tigres, leões, felinos, golfinhos, cauda de baleia, carpa, sapos, cães de neve, coruja, galos, pássaros, cisnes, pinguins, porcos, camelos, girafas, ovelhas, lobos, rinocerontes, gorilas, lagostas, dinossauros, dragões e sereias… Por enquanto.

Na pior da hipóteses, o evento é divertido, entretêm, alegra, gera selfies e likes, contudo, neste contexto, a originalidade se foi há muito e a arte se tornou “artesanificada”…

Foto de Isaac Antônio Camargo

Isaac Antônio Camargo

Professor, artista e pesquisador, graduado na Licenciatura em Desenho e Plástica, Mestrado em Educação, Doutorado em Comunicação e Semiótica. Atua no ensino no campo da Arte desde 1973, atualmente como professor associado nos cursos de Artes Visuais da UFMS. Desenvolve várias atividades de produção artística participando de mostras e como curador na produção de eventos. Realiza pesquisas sobre e em Arte Visual. Mantém o site www.artevisualensino.com.br destinado ao apoio de atividades didático/pedagógicas e difusão em Arte Visual.