Exposição ‘Micélio’ de Kyria Oliveira transforma lã em esculturas inovadoras

Foto de Fernando Augusto
Fernando Augusto

A artista capixaba Kyria Oliveira, apresenta na Galeria Homero Massena, Centro de Vitória, a exposição denominada “Micélio – entre o fim e o começo de tudo”.

O título designa a parte vegetativa do fungo ou colônia bacteriana, ou seja, é a estrutura visível do fungo, como o cogumelo, o bolor e o mofo. Por traz desta parte visível, um organismo que não é animal, nem vegetal, se desenvolve, formando um reino diferente, uma forma de vida que está na origem e fim de todos os seres viventes da terra.

Só por chamar atenção para este reino a exposição já é informativa e atraente.  Mas ela faz mais, ela  fala do fazer sensível e pessoal de uma artista que explora diferentes materiais, perpassando esculturas pesadas como ferro, couro, bronze e nesta exposição nos mostra a lã.

Vi pela primeira vez a série Micélio no atelier da artista, quando eles ainda estavam sendo feitos. A minha primeira impressão foi de encantamento por aquelas formas delicadas e firmes, suspensas ou encostadas nas paredes. Já naquele instante pensei que esses trabalhos, pela ousadia de suas formas e de sua materialidade, estavam trazendo um sopro original e uma nova e rica contribuição para a campo da nossa escultura.

A primeira sensação ao me deparar com elas foi a de conforto, de delicadeza e de leveza. Chamá-las de esculturas naquele momento, pensando em termos históricos, me soou estranho. Eram objetos que suscitavam o toque, um convívio corporal que ultrapassava o olhar.

Sem buscar justificativas além da sensação, creio que compartilhava o não saber de Ferreira Gullar, que ao se deparar com certas obras do movimento Neo Concreto e percebê-las como coisa diferente do que convencionalmente se chamava escultura, batizou-as de “não objeto”. Um batismo estranho, pois visava afirmar algo com uma negação. Tipo: não é aquilo, mas nos falta palavra para o que é.

Kyria não nos traz um “não objeto”, mas algo palpável, que tem massa, peso, cheiro e história. Um história que se confunde com a história da humanidade, com a criação de artefatos para o convívio diário, para se proteger das intempéries e, em particular para a necessidade de se aquecer, de cobrir o corpo com um tecido extraído da pele de outros animais: a lã.

A lã então se fez tecido, se fez cobertor, escudo, linha e muitos outros objetos. Inúmeros artistas trabalharam a lã com objetivos diversos, desde medicinais, utilitários a estéticos, entre eles Joseph Beuys.

Nesta via é que percebo a série ‘Micélio’ de Kyria Oliveira. Dona de uma técnica apurada, ela esculpe como quem faz uma vestimenta, daí sua relação com o corpo. Primeiro se carda a lã, um trabalho que nada mais é do que pentear o velo, para que a fibra não fique embaraçada, assim porções de lã bruta vão se unindo, dando origem às mantas de lã.

Só após esse processo é que se passa para a fiação e, de posse do fio, (da linha) é que se faz o tecido. Neste momento da tessitura é que a artista promove um desvio, deixa de fazer o tecido e, caminhando para certas formas que se distanciam da vestimenta, constrói os objetos desta exposição.

Há uma natureza selvagem ou primitiva nessas peças. Sua feitura não passa por uma aprendizado escolar através de disciplinas  conhecidas  como modelagem, costura, tecelagem ou tapeçaria, mas de um desdobramento experimental interno, que foi permitido por que era internamente necessário.

É a natureza desses objetos moles, delicados que nos lembram bichos, vísceras, organismos vegetais, figuras desconhecidas, que em sua maciez suscitam um olhar táctil, amoroso ou um abraço. Ouso dizer que poucas esculturas convidam a esse tipo de relação.

SERVIÇO

Exposição Micélio Entre o fim e começo de tudo

Artista Kyria Oliveira

Galeria Homero Massena, rua Pedro Palácios, 99 Centro Vitória-ES

21 de agosto a 19 de outubro, 2024. (Segunda, terça, quinta e sexta, de 9h-18h. Quartas 10h-20h. Sábados e feriados: 10h-16h.

Foto de Fernando Augusto

Fernando Augusto

Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).