“Dias perfeitos”, filme de Wim Wenders: previsibilidade e caos da condição humana
“Dias perfeitos”, indicado para concorrer ao Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional deste ano, se revela como uma pérola de sutileza impressionante, pelo exercício meticuloso do silêncio que toca a espessura das coisas, entre o tangível e o intangível, a vigília e o sonho, a vida e a morte, a presença e o esquecimento. Dirigido pelo alemão Wim Wenders, o filme faz lembrar o belíssimo “Elogio da sombra”, escrito por Junichiro Tanizaki, um dos mais fascinantes ensaios sobre as diferenças entre o Ocidente e o Oriente.
Não se trata de um filme dilacerante e nem se vale de apelos catárticos. “Dias perfeitos” é enxuto, cheio de interditos e entrecortado por pequenas belezas cotidianas, que traz o fino diálogo entre cinema e psicanálise, e mostra uma maneira outra de se movimentar no mundo, uma espécie de contenção que deposita em cada gesto um sentido próximo ao sublime, uma forma de capturar o silêncio das coisas a partir de filigranas. Essa pura alteridade, um jeito de fazer-se sujeito de sua história, o abismo geracional, dentre outras sutilezas, parecem render homenagem ao cinema de Yasujiro Ozu.
Vejo “Dias perfeitos” como uma continuação do percurso e da paixão de Wim Wenders, que já havia revelado seu fascínio pelo Japão em “Identidade de nós mesmos” – filme em que acompanha o processo criativo do estilista Yohji Yamamoto – e em “Tokyo Ga”, em que destaca com suas próprias palavras algo insondável, também presente em “Dias perfeitos”:
“Se no nosso século ainda houvesse santuários, se houvesse assim qualquer coisa como o santuário do cinema, isso seria, para mim, a obra do realizador japonês Yasujiro Ozu. […] Apesar de absolutamente nipônicos estes filmes são, ao mesmo tempo, universais. […] O cinema, para mim, nunca esteve antes, e jamais desde então, tão próximo do seu propósito: dar uma imagem do homem do século XX, uma imagem útil, verdadeira e válida, em que ele não só se reconheça, mas com a qual possa sobretudo aprender sobre si próprio”.