Quem é Júpiter Maçã e o que aconteceu com ele na entrevista com o Rogério Skylab

Foto de Juliano Gauche
Juliano Gauche

A entrevista que o Júpiter Maçã concedeu ao também cantor e compositor, Rogério Skylab, meses antes de sua morte, no programa Matador de Passarinho, produzido pelo Canal Brasil em 2014, vem se tornando objeto de culto entre a garotada na internet.

Frequentemente surge um novo vídeo onde alguém é desafiado a reagir a essa mítica gravação, e a sequência de absurdos que se seguem, tira de cada espectador as mais inesperadas expressões de angústia, constrangimento, espanto, terror, euforia… e no final todos gritam a mesma pergunta: “quem é esse cara?!”

O próprio Skaylab disponibilizou em seu canal no Youtube a versão sem cortes dessa mesma entrevista, que na TV só teve onze minutos exibidos, sendo que a versão completa conta com quase uma hora de acontecimentos.

Nessa gravação estendida, podemos testemunhar o apresentador perfeitamente preparado para responder a essa pergunta, pronto para traduzir quem era o Júpiter Maçã para o seu público, com todas as perguntas biográficas enumeradas numa ficha, quando o imponderável resolve tomar conta da situação.

O músico Júpiter Maçã (Flavio Basso) durante show

O músico Júpiter Maçã (Flavio Basso) durante show | Foto: de Rodrigo Silveira

O imponderável, no caso, era o próprio entrevistado, Júpiter Maçã, completamente bêbado, num estado quase delirante, aceitando da produção mais uma dose de uísque, insistindo com o entrevistador para que começassem a conversa com uma história sobre uma orgia num avião.

O entrevistador, de olhos arregalados, como é normal num desastre, vê o entrevistado virando seu uísque de uma só vez, olhando para o infinito, afirmando que está sentido em si mesmo um forte cheiro de ricota, rindo de tudo e dizendo sério na sequência, “pronto, podemos começar”.

É claro que não foi nessa entrevista que o Rogério Skylab conseguiu responder quem é Júpiter Maçã, ou Júpiter Apple, que é como ele assina seus discos em inglês, ou Flávio Basso que é seu nome mesmo e como ele assinava nos tempos de suas bandas TNT e Cascaveletes.

Ele bem que tentou, fazendo perguntas sobre todos os grandes acontecimentos na carreira do Júpiter, desde sua participação no antigo programa da Angélica (que gerou um meme que circula até hoje), passando pelo sucesso de seu primeiro disco solo, “A Sétima Efervescência”, eleito um dos melhores discos de Rock do Brasil pela revista Rollingstone, mas nada disso tirava o entrevistado de seu delírio particular.

Naquele momento era sabido que o Júpiter estava entrando e saindo de centros de reabilitação, cuidando de seu, também sabido, problema com alcoolismo. Num desses momentos de sobriedade ele gravou um registro impecável de sua performance no palco, o DVD Six Colours Frenesi.

Embora gravado em 2011, esse vídeo feito em sua cidade natal, Porto Alegre, no Bar Opinião, só foi lançado mesmo em 2014. Quando o Skylab comenta sobre o lançamento desse DVD, o Júpiter ironiza a si mesmo, dizendo que ficou devendo ao banco para que tudo fosse realizado, acrescentado que poderia ter mais “coisas assim”, mas que parte do material foi perdido quando seu apartamento pegou fogo, porque o negócio é rock and roll.

Mas é quando o entrevistador resolve ir mais fundo que essa entrevista atinge seu momento máximo. Já quase no final da conversa, quando tudo parecia que não poderia ficar mais absurdo, o Skylab simplesmente manda: “e aquela queda da janela do seu apartamento, foi tentativa de suicídio?”, ao que, para espanto de todos, diante dos nossos olhos descrentes, o Júpiter simplesmente dorme, deixando todos no estúdio pasmos e boquiabertos. E assim termina esse ato.

O próprio Skylab disse recentemente num famoso podcast que ele considera essa dormida do Júpiter no programa dele, um dos grandes momentos na televisão brasileira. Ele também defende o Júpiter como um dos grandes gênios do rock no brasil. Destacando seu álbum Hisscivilization como uma verdadeira obra de arte. Mas o que os garotos só conseguem ver, é um cara muito louco indo além de qualquer medo de se expor.

O impacto dessa gravação, dessa entrevista, dessa performance, como o próprio Júpiter definiu em vídeo gravado semanas depois, é imediato.

É inconcebível nos tempos modernos um artista que não aproveite qualquer espaço oferecido para promover a si mesmo, sua história e seus produtos. Ainda mais num programa de televisão aberta. É inconcebível não usar de todos os recursos, de todos os filtros, para esconder cada falha, cada defeito, cada fraqueza.

Mas não para o nosso protagonista. Ele, pelo contrário, usou esse programa, definido pelo seu apresentador, Skylab, como um quadro sobre a decadência, para expor o que ele tinha de pior, sua doença.

E quebrando todos os protocolos, impossibilitando qualquer tipo de filtro, ele se abriu de tal maneira nesse profundo espaço de tempo, que podemos ver de uma forma explícita, pornográfica, escatológica, todas as emoções desse efervescente artista brasileiro, desfilando diante de nós, nos deixando tão confusos e enfeitiçados quanto ele.

Depois disso, quando a vontade de saber mais sobre tal criatura louca, nos leva às nossas infindáveis pesquisas internet afora, e a obra do Júpiter Maçã se ergue em nossa frente, impecável, coerente, cheia de beleza e personalidade, é que a surpresa começa de verdade.

Tudo que era esperado dele, todas as respostas preparadas para esta e outras entrevistas que ele concedeu em seus últimos dias, antes de ser encontrado morto em seu banheiro aos quarenta e sete anos, está em sua obra, e de qualquer outra forma, parece impossível de se explicar mesmo.

A beleza complexa de seus álbuns, a estranheza dos seus filmes, a teatralidade em suas performances, suas habilidades enquanto melodista, guitarrista, baixista, arranjador… tudo isso torna seu mito ainda mais intrigante.

A pergunta que o próprio Júpiter se faz em sua canção, Beatle George, lançada em 2007 em seu último álbum de estúdio, Uma Tarde na Fruteira, é inevitavelmente o melhor desfecho para convidar a saber mais sobre ele, afinal “aonde foi parar aquele menino que queria cantar como o beatle George”?

Foto de Juliano Gauche

Juliano Gauche

J.Gauche é autor e compositor. Publicou em 2002 seu primeiro livro de poemas. Entre 2003 e 2013, colaborou como letrista da banda índie Solana. Em 2013 começou seu trabalho solo, lançando até o momento quatro álbuns autorais. Desde 2002, segue publicando poemas, crônicas, contos e novelas em seus blogs, além de participar de coletâneas e colaborar no trabalho de outros autores e compositores.