Mostras imersivas: a espetacularização da arte visual
A ideia de imergir remete à possibilidade de envolvimento completo, ou seja, de integração total a algo. Esta parece ser a última tendência em entretenimento.
O desenvolvimento das tecnologias digitais e multimidiáticas proporcionaram a transformação de ambientes convencionais em lugares capazes de receber espetáculos fabulosos de luz, cor, som, movimento e percursos cujos resultados fazem inveja às “pobres” exposições, instalações, intervenções e performances. Parece que a Arte Visual sucumbiu à tecnologia…
Esta tem sido a tônica das chamadas mostras imersivas oferecidas como espetáculo ao público. Nos últimos anos tais mostras vêm ocupando espaços comerciais e institucionais, principalmente os shopping centers. Nada contra, mas em sua maioria são apenas espetáculos de encantamento e deslumbramento.
Sem dúvida o mercado descobriu um novo filão e retirou de museus e galerias parte da prerrogativa das exposições de Arte Visual, mas ao contrário da presença de obras e/ou manifestações artísticas presenciais, apropriam-se apenas de suas imagens mesclando-as com vários efeitos audiovisuais e pronto: entretenimento instantâneo.
Segundo uma das reportagens sobre a chegada ao país a mostra imersiva “Beyond Van Gogh projetará sobre o público cerca de 300 obras-primas do pintor”, reforça que mais de 10 milhões de pessoas já a visitaram no mundo todo.
Saudades de Gui Debord…
Em seu livro A Sociedade do Espetáculo de 1967, ele revela a essência do espetáculo e seu poder de encantamento:
“O espetáculo consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia”.
Continua:
“O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’, a felicidade identifica-se pelo consumo”.
Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas “a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores”.
Nesta linha de raciocínio e neste meio de consumo massivo, a Arte Visual também se contaminaria pelo “vírus da espetacularização”, basta observar que o surgimento e desdobramento da Pop Art ocorreu no mesmo período em que Debord editava seu livro. Ao que parece, já era um sintoma perceptível na sociedade.
Nada escapa à sanha do sistema de consumo, em síntese: a mercadoria se torna obra e a obra se torna mercadoria ou espetáculo…
O surgimento da Fotografia, desde o século XIX, já havia aberto a porta da automação das imagens. Walter Benjamin também já havia constatado, 30 anos antes, em seu texto:
“A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica, a perda de sua originalidade em troca da ampla circulação que apagaria ou minimizaria sua existência original.”
A chamada Indústria Cultural, identificada pela escola de Frankfurt, apontava a estratégia de massificação da cultura oferecendo-a ao consumo sem qualquer referência à sua origem, existência ou conhecimento. Os bens culturais se tornam apenas bens de consumo reoperados para deleite mercantil: mera ornamentação superficial no universo do banal e do comum, transformados em kitsch ou como se diz aqui: em algo brega…
O aporte máximo da espetacularização da imagem se deu a partir do cinema e a incorporação do som às imagens em movimento, a ilusão de realidade ou efeito de veridicção consegue simular o mundo como se parece. Efeitos estes ampliados incorporados e assustadoramente pelo audiovisual com recursos chamados de realidade expandida e/ou aumentada onde o usuário ou seu avatar se torna parte do espetáculo simulado.
Nesta linha de raciocínio, a criação de instalações multimidiáticas nas quais entram elementos imagéticos espaciais, projeções audiovisuais em suportes ou por meio de painéis de “leds” com o fim de criar uma “experiência” sensorial intensa cujo intuito é envolver e iludir espectadores se constitui como um espetáculo de entretenimento sem aporte intelectual.
O que se constata, portanto, é que as tecnologias digitais conseguiram converter a Arte Visual, uma das manifestações que menos servia ao espetáculo público, em show massivo. O que se pretende é atrair o público para um evento que não depende nem propõe estabelecer relações com o conhecimento artístico.
O deslumbramento manipula os espectadores que tendem a sair com a ilusão de que passaram a conhecer um artista ou sua obra sem se dar conta que viram apenas um show preparado para encantar e não informar, é só adquirir um ingresso e se entreter.