Numa cidade que não é cidade
Quarta-feira,
Por volta de cinco e alguma coisa, da tarde
Quase seis
Saio de casa
De bicicleta
E observo aquilo que se repete, mas nunca fica diferente
A super fila dos carrões entulhados, como naquela cena do desenho do Pateta.
E a patetada, que não pode caminhar, faz urra
Tudo para buscar os filhos
Que também não podem andar
Numa escola que de nobre não tem nada
Tenho dificuldades de seguir caminho
Mas sigo
Na esquina do semáforo
Para atravessar uma grande avenida
Um sorriso
Vejo um pai levando sua filhinha na garupa da bicicleta. Ele está esperando o sinal fechar
E eu também
Eis que
O sinal fecha
E como todo sinal que fecha aqui em Vitória
Parece que causam uma hipnose nos motoristas
Uma espécie de atraso no entendimento
Um atraso de normalmente dois, três segundos de sinal vermelho sendo atravessados
Mas o que não contava o motorista do ônibus hipnotizado
Era que logo à frente
Não tinha mais espaço pra gente
Só carro
E eis a cena épica
Tudo parado.
Lembra do pai na bicicleta com a filhinha pequena?
Pois é. A gente sabe o quanto criança é espelho dos pais
As vezes o reflexo só vai aparecer muitos anos depois
Qual o reflexo que essa criança vai espelhar por ouvir o pai dizer em palavrões, algo equivalente a quantidade de carros ali parados
Tento seguir viagem no meio daquele tiroteio de adjetivos desqualificados
De um lado o pai que não é pai
Do outro o motorista que não é motorista
E eu sigo
Sem perceber
Pedalando numa cidade que não é cidade.
Carlos Queiroz