O artista e seu ateliê: veja a relação com a obra de Saramago – parte final

Foto de Cláudia França
Cláudia França

Nessa imagem de um ateliê ou mesmo modos de trabalho solar e lunar, percebo o processo de Lincoln Guimarães como lunar, no sentido de privilegiar o trabalho noturno.

Tal como a personagem Sr. José, o trabalho acolhe, no escuro da noite, o silêncio e a solidão na condução de um segredo.

O trabalho noturno obedeceria a uma economia do residual: sobras de desenhos e contraformas de pinturas são recortados e colocados à disposição para um reaproveitamento em outro trabalho.

No entanto, o fazer é também solar por conta da objetividade e rigor de seu modus operandi, na lida com colagens e decolagens (que se desdobrarão em formas e texturas insuspeitáveis, algo do lunar!).

Lincoln desenvolve uma série por vez, resguardando as outras séries da visão e do contato, dentro de mapotecas e outros lugares opacos de guarda.

Isso dá ao seu ateliê o clamor do vazio, espécie de assepsia necessária a uma elaboração racional de suas composições e de-composições sobre o suporte base.

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O trabalho de Fernando Augusto é solar: seu ateliê funciona sob a luz do sol, que explicita ao máximo, o que está ali.

É pelo dia que organiza afazeres, materiais de trabalho; as mapotecas abertas ou, sobre elas, trabalhos (supostamente) terminados que podem ser acessados e continuados, a depender da vontade.

Imagem do subsolo ateliê Fernando Augusto e Lincoln Dias.

Fernando é lunar nesse acompanhamento do astro “errante” que admite para si diversas formas: invisível, crescente, cheio e minguante.

São quatro faces de um mesmo objeto ou quatro objetos? Há um horror ao vazio sobre as superfícies horizontais.

Isso é perceptível na capacidade do artista de se deter em séries distintas, que se expõem ao seu olhar e critério.

Arquiteturas convivem com formas humanas, árvores e folhas convivem com traços sismográficos e manchas.

Não sabemos ao certo qual série é sua lua nova, qual cresce ou diminui, qual delas está mais pronta ou, como surpreende a velha lua, reaparecida e rejuvenescida em sua reincidente dança celeste.

Sol e lua, fazer e desfazer, compareceram naquelas tardes de visita aos artistas. Tal como uma cama no meio da rua diurna, as pulsações do processo de criação e trabalho também são chaves apalpadas no mais escuro da noite.

 

Foto de Cláudia França

Cláudia França

Cláudia França é artista visual, natural de Belo Horizonte, formada pela Escola de Belas Artes da UFMG, habilitada em Desenho e em Escultura. É mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutora em Artes pela UNICAMP e pós-doutora em Psicologia pela UFMG. Atualmente está no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFES, em que se dedica, no mestrado e no doutorado, ao entendimento das dinâmicas do processo de criação.