O retrato de Dorian Gray ou o artista como místico

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Jociele Lampert

Eu tenho estudado o processo artístico do artista português Ivo Alexandre, onde fazemos parte do projeto de cooperação internacional “A Convergência de Práticas Artísticas: Estudo entre Portugal e Brasil”, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. É neste processo de imersão que mergulhei em preciosidades e outros tantos diálogos e possibilidades de leitura das pinturas geradas a partir deste encontro. Oscar Wilde tem um saber singular, quando escreve que o artista é criador de coisas belas (que nem sempre o são), e é capaz de transbordar a vida, ao revelar a arte e não o artista como mera representação de si. Nesta pintura vemos o olho, a estrela, a face com ossos e músculos e um vestígio de corpo em contraste complementar. É uma pintura sobre o tema da criação e do cosmos, quando uma vida perdura, deixando os ossos à mostra, evocando um arquétipo da alma e da experiência, do que fomos, ou o que seremos, do passado e futuro.

O olho é como uma aura mágica, emite e recebe luz, projeta e percebe exercícios de compreensão (ilumina, observa, expressa, protege, faz crítica e fixa atenção). Já a estrela, ilumina o céu (inverso da terra), e presentifica o oculto. Tanto a estrela, quanto o olho, são focos de atenção na pintura. Ivo Alexandre consegue evidenciar a passagem e o espaço entre arte e vida, entre criar e poder, entre viver e morrer. É como ponderar sobre nosso amadurecimento perante a vida. É um trabalho que promete guardar a lembrança do que fomos e fizemos, que pergunta ao espectador como terá sido a vida até agora. Se pensarmos, que é por meio da arte e seu contexto, que nos inclinamos à vivacidade da paixão e do amor, é também pela arte que nos chega um alerta: ainda há tempo, para amar e viver o que não vivemos (o caminho da vida será sempre o amor).

É o mesmo caso do escrito de Oscar Wilde, com uma crítica a sociedade da aparência e suas convenções. Esconder-se por meio de juízos de valores e tendências ou modismos, de uma ou outra época, também é uma condição de escolha. Em O Retrato de Dorian Gray, há fúria por traz da beleza, uma simulação ordinária, que é motivo para esconder o que realmente se é. Assim, ressoa a pergunta: como seria o mundo se levássemos em conta mais o interior do que o exterior? 

Referência:

Site do artista:

https://ivoalexandre.com/português

Rede social: 

https://www.facebook.com/ia.ivoAlexandre/

@ivo_alexandre_artist

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Jociele Lampert

Professora titular na Universidade do Estado de Santa Catarina. Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia University na cidade de New York como Bolsista Fulbright em 2013. Em 2023 foi investigadora visitante na Faculdade de Belas Artes de Lisboa em Portugal, com bolsa CNPq. Coordena o projeto de cooperação internacional “O estúdio de pintura como um laboratório de ensino e aprendizagem em artes visuais” UDESC/CNPq. Tem Doutorado em Artes Visuais pela ECA/USP (2009); Mestre em Educação pela UFSM (2005). É líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq e CEO na Revista Apotheke e no Programa Permanente de Extensão Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). É professora de pintura no Departamento de Artes Visuais da UDESC.