Por uma arte socialmente engajada – parte 2

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Carlos Queiroz

Eu, particularmente, vivo num bairro nobre da cidade de Vitória. Aqui é um lugar que, do ponto de vista da infraestrutura urbana, poderíamos dizer que quase tudo funciona. Temos saneamento, iluminação adequada, ruas largas, calçadas amigáveis para os pedestres, ciclovia, um índice de arborização elevado, etc.

Por outro lado, é um dos bairros que talvez mais concentre pessoas em situação de rua. Isso não é “motivo” para a arte? A realidade dessas pessoas só cabe como assunto na mídia informativa ou nos posts de redes sociais de perspectiva higienista e preconceituosa?

Faço novamente eco ao que nos chama atenção Maria de Fátima, quando novamente cita Waldemar Cordeiro, que enuncia o conceito de “arte concreta semântica”, que, segundo ele, é aquela capaz “de abordar, no terreno da materialidade mais imediata e comum a problemática contingente dos acontecimentos sociais”, explica Gabriela Wilder, citada por Maria de Fátima.

A autora então continua suas reflexões e nos explica que Otília Arantes, em um artigo que tratou do período de 1965-1969, observa que muitos artistas brasileiros viam a prática da arte como uma forma de se envolver politicamente, assumindo um papel de resistência ao processo progressivo pelo qual o país estava passando.

Maria ressalta, no entanto, que falar de arte engajada não significava, como ainda não significa, assumir algum tipo de associação com causas partidárias específicas, nem mesmo, militância política.

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Veja também: Por uma arte socialmente engajada – Parte 1

Segundo Arantes, a arte era concebida como um gesto que tinha o poder tanto de destruir quanto de criar, operando em múltiplos níveis.

Em outras palavras, os artistas buscavam utilizar sua arte como uma ferramenta de intervenção social e cultural, capaz de questionar as estruturas existentes e imaginar novas possibilidades de transformação.

Nesse sentido, em se tratando de uma realidade brasileira, nossas questões para a arte são outras.

Nosso contexto exige – e esse é o termo – outra atitude diante da da realidade das coisas que estão cotidianamente gritando na nossa cara. (Como o caso das pessoas em situação de rua que mencionei há pouco).

Nisso, preciso novamente ressoar o que Maria nos traz como reflexão ao explicar que nos anos 60, aquilo que despontava como a nova arte brasileira, a despeito da falta de uma certa unicidade de pensamento, já era vista como uma corrente artística com significado internacional, possuindo características distintas que a diferenciavam dos movimentos internacionais, como a pop art, o nouveau réalisme e o minimalismo, ela explica.

A pop art americana, por exemplo, é mera constatação: constatam um hamburger, e daí?”, pergunta-se por exemplo Antônio Dias em entrevista concedida a Ferreira Gullar em 1966 (Gullar, 1967).

De modo semelhante, Frederico Morais, um dos críticos mais atuantes nesse período, considera que, se na arte norte-americana na prevalece uma “atitude cool (distante, fria, não participante)”, no Brasil, ou na América Latina “a pop adquiriu um caráter hot” (Morais, 1975, p. 97).

Conforme argumenta Grant Kester (2005), ao tratar de uma arte socialmente engajada, o autor reafirma que essa forma de arte valoriza o diálogo e a participação, muitas vezes envolvendo comunidades e públicos mais amplos em suas práticas.

Esse tipo de artista, explica, são “fornecedores de contexto” e não “fornecedores de conteúdo”, citando o o artista britânico Peter Dunn, cujo trabalho envolve a organização criativa de encontros e conversas colaborativas que se estabelecem para além dos limites institucionais da galeria ou do museu.

Reforço aqui, portanto, não apenas meu entendimento, mas também, a escolha que faço enquanto artista, intelectual e professor, por uma arte socialmente engajada, que para mim, é aquela que tem como sua matéria-prima, o desejo de promover mudanças sociais e políticas, que desafia o estabelecido e busca reconhecer a voz dos marginalizados, ainda que seja “apenas”, chamando atenção para um dado problema, muitas vezes silenciado no campo da disputa estético-discursiva.

E talvez o não bastar da vida, de que fala Ferreira Gullar sobre arte, esteja muito mais relacionado ao que resta de possibilidade para a maior parte das pessoas que vivem nesse planeta e, nem tanto, sobre aqueles que têm uma vida recheada de privilégios e demais tipos de aforos.

E você aí, qual teu gesto?

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Carlos Queiroz

Professor do Departamento de Geografia-Ufes e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades-PÓSCOM/Ufes.