Arte pública: arte-educação, pertencimento e sociedade

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Lara Brotas

De um modo geral, projetos urbanísticos no Brasil não preveem a arte como elemento de sua constituição.

Entretanto, a partir da década de 1970, em algumas cidades brasileiras, a arte contemporânea vem paulatinamente ganhando terreno nos projetos de renovação urbana, principalmente em centros históricos, regiões degradadas e grandes empreendimentos.

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Na cidade de Vitória, no Espirito Santo, um projeto inovador propõe a ampliação do diálogo entre a arte e o público, na relação que se estabelece entre arte, espaço urbano e arquitetura.

Um espaço de conexão

O Parque Cultural Reserva Vitória oferece uma atmosfera de experiência com o espaço, enquanto um organismo vivo e diverso, e o desejo de conectar as pessoas com a arte e a natureza, abrindo campo para o fortalecimento das relações de pertencimento.

O projeto com curadoria da Matias Brotas arte contemporânea é um espaço de troca e contemplação da arte abrigando, inicialmente, obras de 7 artistas que se destacam na cena da arte contemporânea brasileira.

São eles: José Bechara, José Spaniol, Adrianna eu, Thainan Castro, Antônio Bokel, Vilar e Sandro Novaes.

Educação e transformação social

Entendendo a arte-educação como um dos pilares da transformação social, o projeto busca estimular o debate sobre a arte contemporânea com propostas educativas de caráter lúdico, prático e criativo que aproximam crianças e adolescentes dos processos artísticos envolvidos na arte hoje, bem como reforçar a relação do parque com a arte e a cidade, que vai desde a compreensão de espaços públicos como espaços culturais, às noções de patrimônio (material e imaterial) e cidadania.

Vale refletir que a arte pública desempenha um papel vital na transformação de espaços urbanos e na construção de identidades coletivas.

Ela se manifesta em murais, esculturas, performances e instalações que não apenas embelezam o ambiente, mas também promovem reflexões e diálogos entre os membros da comunidade.

A interseção entre arte pública e arte-educação revela-se uma poderosa ferramenta para promover o pertencimento e fortalecer o tecido social.

Impacto da arte pública na sociedade

Projetos de arte-educação em ambientes não formais podem complementar a educação formal no ambiente escolar e ainda levantar alguns questionamentos:

De que modo se dão as interligações entre arte urbana e arte/educação? Qual a importância de projetos de arte educação em espaços públicos?

Como tais projetos podem contribuir nas transformações tanto individuais quanto sociais em relação ao senso de pertencimento e inclusão?

Segundo Maurice Tardif (2002, p. 21), “ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes”.

Se considerarmos que esse tipo de mobilização está presente também nas práticas educativas fora da sala de aula, vamos perceber que refletir em torno da arte pública permite uma interação de natureza social e espacial cuja produção de conhecimento não toma como referência apenas o deslocamento e o espaço público em si, mas valoriza a experiência da relação de pertencimento com a cidade e inclusão.

Interligações entre arte e educação

A arte nos proporciona tantas sensações de prazer quanto questionamentos; pode ser um instrumento de entretenimento tanto quanto uma ferramenta pedagógica, e por essas razoes, a arte tem se mostrado necessária ao longo de toda a história humana.

A educação não-formal compreende, por sua vez, atividades pedagógicas consonantes com o grupo a ser atendido, então pode ser caracterizada como uma maneira diferenciada de trabalhar com os saberes culturais e históricos das pessoas, paralelamente ao saber escolar.

Libâneo (2010, p.27) define que “educação é uma prática social que atua na configuração da existência humana individual e grupal, para realizar nos sujeitos humanos as características de “ser humano”. ”

As vivências surgidas nos espaços públicos não formais, funcionam como catalisadoras de processos de mudanças individuais e percorrem caminho no território subjetivo, onde as fronteiras alongam-se nas possibilidades de ser.

Tais movimentos deslocam-se do tempo presente e encontram também na memória um lugar possível.

Pensamos nos espaços públicos como promotores da condição humana e nos questionamos sobre quais as reais interações que estão sendo desenvolvidas nestes lugares.

Reflexões sobre educação e espaços públicos

Ainda que o pensar e (re)pensar sobre as práticas educativas na contemporaneidade ofereçam movimentos de mudança, muitas vezes acabamos restringidos a formas de ensino enraizadas em pedagogias não-dialógicas e a  incontáveis restrições que o padrão institucional, muitas vezes calcado em um projeto denso e hegemônico, impõe.

Isso, por sua vez se distancia do que propôs Paulo Freire (2014, p.45), visando um ensino crítico: “Por isso, desde já, saliente-se a necessidade de uma permanente atitude crítica, único modo pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação”.

Se faz necessário voltar os olhos para a potência educativa da arte, capaz de modificar nossa relação com o espaço urbano pela interação entre sujeitos e contexto habitado.

Por meio da arte, a cidade torna-se espaço de construção coletiva de conhecimento e experiências formadoras quando participamos ativamente do seu cotidiano, invertendo a lógica de habitação anestésica em que alguns indivíduos se encontram no contemporâneo: “Maior sensibilidade; vale dizer:  menor anestesia perante a profusão de maravilhas que este mundo nos permite usufruir e saborear.

Potência educativa da arte

Nesse contexto, algumas proposições com viés poético-educativo nos mostram caminhos possíveis para a ampliação do olhar e senso crítico, onde o sensível é de suma importância para formação da condição humana.

Colocamos a arte enquanto potência capaz de modificar nossas relações com a cidade e somos convidados a experienciar, modificando nosso entendimento e nossa relação com os espaços que habitamos.

Segundo Freire (2000, p.37), a educação é uma obra de arte. É nesse sentido que o educador é também artista: ele refaz o mundo, ele redesenha o mundo, repinta o mundo, recanta o mundo, redança o mundo.

Foto de Lara Brotas

Lara Brotas

Mestre pela UFRJ com estudo sobre Museu Picasso, Fundação Antoni Tapies e Fundação Joan Miró. Cofundadora da Matias Brotas, atua na área de arte contemporânea, curadoria, gestão cultural e de projetos. Membro do Núcleo de Arte, Cultura e Educação (Nace), com especialização em História e Teoria da Arte. Professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Multivix. Atualmente cursa Pós-graduação em Gestão Cultural na USP SP.