Estratégias para formar leitores no Brasil: desafios e soluções

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Katharina Ferrari

Poderia dedicar toda esta coluna a exibir os números que mostram o péssimo desempenho do Brasil nas mais variadas pesquisas relacionadas à leitura: dentre os 57 países participantes do último estudo PIRLS, em 2021, o Brasil é 5º pior colocado nas avaliações relacionadas às habilidades dos leitores.

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Os dados do PISA de 2022 indicam que a média de proficiência em leitura no Brasil é significativamente inferior à dos países da OCDE. Ainda, segundo pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro, 84% dos brasileiros não compraram nenhum livro ao longo do ano de 2023.

Mas, dado que esse panorama se repete há anos, não pretendo gastar o tempo precioso do leitor com a reiteração desse retrato já conhecido.

Minha intenção, aqui, é convidá-lo a uma reflexão bem prática: o que, de concreto, podemos fazer para formar leitores no Brasil?

Independentemente de políticas públicas e de questões macroestruturais, o que está ao nosso alcance hoje para mudar a realidade de um país de não leitores?

Acredito piamente que o cotidiano é o terreno mais fértil para plantar as sementes do comportamento leitor. Justamente por isso, listei nesta coluna pequenas atitudes que trazem grandes resultados no desenvolvimento do hábito de ler.

Comece por você

Em primeiro lugar, é preciso ter clareza de que a carreira de um leitor nunca se encerra: podemos sempre nos tornar leitores melhores, aprofundando nossa compreensão sobre as palavras, ampliando as conexões que fazemos entre os textos que conhecemos e refletindo sobre os impactos internos de tudo o que lemos ao longo da vida.

Se a carreira de um leitor nunca se encerra, podemos concluir que nunca é tarde para começá-la (ou para retomá-la). Ainda que você não tenha desenvolvido o hábito da leitura na infância, comece por você! Busque livros que abordem temas do seu interesse.

Permita-se viver a experiência imersiva da leitura de livros de papel (uma das únicas atividades que ainda nos exige dedicação exclusiva, já que o passar das páginas é incompatível com o uso de qualquer tela).

Valorize a leitura por puro prazer

A sugestão de buscar temas de interesse do leitor é altamente relevante, sobretudo para aqueles que estão em início de carreira. As pesquisas mostram que as leituras obrigatórias são as mais rejeitadas, em especial por jovens leitores.

Enquanto os livros estiverem associados às imposições do gosto alheio ou à obrigatoriedade de conhecê-los para responder questões de prova, dificilmente desenvolveremos o hábito de ler no Brasil.

É preciso garantir um espaço de autonomia para a escolha do leitor, permitindo que leia gêneros e/ou assuntos que naturalmente lhe interessam.

Um leitor cativado, que compreende o valor da tecnologia que há no livro por encontrar nele uma atividade prazerosa, dificilmente se recusa a outras experiências e, assim, acaba por se tornar mais permeável às dicas e sugestões dos leitores mais experientes.

Espalhe “armadilhas literárias” por aí

O objeto livro é, por si só, decorativo e intrigante. Suas dobras, exaltadas por Michel Melot, escondem segredos, personagens, contextos, cenários que sequer teremos a chance de avistar ao longo da vida.

Mantenha-os por perto! Tenha livros espalhados em lugares estratégicos da casa, perto da caixa de brinquedos das crianças, sobre a mesa da cozinha, dentro do carro, dentro da bolsa para ler no transporte público.

Espalhando essas “armadilhas literárias” pelo caminho, é quase impossível resistir ao convite que os livros nos fazem para folhear, passar as mãos pela capa, ler as orelhas e… ler tudo, quem sabe!

Abra-se para conversas literárias

Nas palavras de Cecília Bajour, “Falar dos textos é voltar a lê-los” (In: Ouvir nas entrelinhas). Quando conversamos sobre o que lemos, vamos compreendendo, digerindo e nos deleitando com a experiência da leitura.

Embora estejamos acostumados às leituras silenciosas, um livro ganha nova dimensão quando falamos sobre o que lemos e, principalmente, quando ouvimos o que outras pessoas leram naquelas mesmas linhas.

Cada leitor constrói sua própria compreensão sobre as palavras usando quem é, suas experiências, seu repertório cultural, sua bagagem interna.

Por conta disso, um mesmo livro permite múltiplas conclusões. As mesmas linhas geram emoções absolutamente diferentes em leitores diferentes e conversar sobre isso é enriquecer!

Os livros não precisam ser sempre decompostos em questões objetivas ou discursivas. Preencher uma ficha de leitura não garante que o leitor tenha absorvido o que leu, pelo contrário.

Muitas vezes o olhar dirigido por uma ficha de leitura impede que o leitor amplie sua perspectiva sobre o que está lendo e acesse uma camada só sua, muito particular, de compreensão daquelas palavras.

Inclusive no ambiente escolar, as conversas literárias são sim suficientes (aliás, muito eficientes!) para formar leitores.

Em resumo, mudar o quadro de não leitores do Brasil é meta que, para ser alcançada, depende da contribuição (ainda que singela) de cada um de nós.

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Katharina Ferrari

Psicopedagoga e Especialista em Literatura Infantil e Juvenil. Atua como formadora de professores e assessora literária, desenvolvendo mecanismos que contribuam para a efetiva formação de leitores e superação de problemas de aprendizagem com auxílio da literatura. Autora de livro infantil e criadora do podcast "Vem Ká Brincar". @katharinaferrari