IDEB 2024: o que os números realmente dizem sobre o ensino médio integral
Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2024, divulgados recentemente pelo Ministério da Educação (MEC), parecem evidenciar o excelente desempenho das escolas de Ensino Médio Integral (EMI) no Espírito Santo.
Segundo a apuração realizada pelo Instituto Sonho Grande em parceria com o Instituto Natura, os estudantes das escolas integrais no Espírito Santo não apenas aprenderam o equivalente a 1,5 anos letivos a mais do que os de escolas regulares, mas também registraram taxas de abandono e reprovação até 2 vezes menores.
No Espírito Santo, 5 em cada 10 escolas de Ensino Médio são integrais. No total, foram avaliadas 63 escolas integrais e 177 escolas regulares.
Sobre o Ensino Médio Integral
O Ensino Médio Integral é uma proposta pedagógica multidimensional, nacional, pública e gratuita. Busca oferecer um modelo de ensino que se conecta à realidade dos jovens e ao desenvolvimento de suas competências cognitivas e socioemocionais.
Trabalha pilares como projeto de vida, aprendizado na prática, tutoria, protagonismo juvenil, acolhimento, orientação de estudos e eletivas, que promovem a formação completa do estudante, junto aos componentes curriculares já previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O que é o IDEB?
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) é um indicador criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas.
De acordo com o site do Ministério da Educação, o IDEB é calculado a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo INEP.
As taxas de aprovação são obtidas por meio do Censo Escolar, realizado anualmente, enquanto as médias de desempenho são baseadas na Prova Brasil (para escolas e municípios) e no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que são realizados a cada dois anos.
Por que os dados não correspondem à realidade?
O IDEB, como índice de avaliação da qualidade educacional, é calculado a partir de dados provenientes de avaliações externas e internas. Nesse contexto, um fator crucial para entender os resultados desse índice são as avaliações realizadas dentro das escolas, ou seja, as notas atribuídas pelos professores. É aí que o caldo entorna.
Nas escolas públicas estaduais do Espírito Santo, são implementadas diversas estratégias para assegurar que os estudantes obtenham boas médias ou, no limite, que não sejam reprovados.
Diversos mecanismos internos incentivam os professores a aprovar os alunos a qualquer custo, oferecendo múltiplas oportunidades de recuperação e, especialmente nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, outros mecanismos em avaliações dentro da rede, como a Avaliação de Monitoramento da Aprendizagem (AMA), compelem o professor a arredondar notas por alto.
Avaliação e política
Avaliar é, antes de tudo, um ato político. Esse processo revela percepções sobre a educação, a sociedade e a cultura. Atualmente, compreende-se que o objetivo da avaliação deve estar centrado na promoção da aprendizagem do educando. Como afirma Libâneo em sua obra “Didática” (1994), “A avaliação é uma tarefa complexa que não se resume à realização de provas e atribuição de notas”.
Cada professor, com sua autonomia pedagógica, tem a responsabilidade de planejar e conduzir avaliações que reflitam a realidade de seus alunos. Essa autonomia permite que os docentes escolham métodos e instrumentos de avaliação que melhor se adequem às necessidades de seus estudantes. No entanto, essa liberdade também traz desafios, exigindo que o professor equilibre suas próprias concepções com as diretrizes educacionais e as expectativas da comunidade escolar.
Pedagogia da repetência
Pessoalmente, sou contrária à “pedagogia da repetência”, um termo cunhado pelo físico e educador Sergio Costa Ribeiro (1936-1995). Diversas pesquisas indicam os efeitos negativos da reprovação sobre a aprendizagem. Reprovar um aluno não o fará se dedicar mais aos estudos; pelo contrário, pode levar à evasão escolar e prejudicar sua autoestima.
Sempre que possível, procuro valorizar essas crianças, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social, que enfrentam inúmeros desafios tanto dentro quanto fora de casa. Penso que a escola deva ser um ambiente de apoio, um espaço seguro e acolhedor. Não defendo permissividade, mas acredito na importância de considerar as diferenças individuais dos alunos.
Vivemos em uma sociedade que já está pronta para rotular esses jovens como “burros”, “feios” e “desimportantes”. Não compartilho dessa visão. Para mim, é fundamental levar em conta o conhecimento que eles possuem e o contexto em que vivem ao avaliá-los. Isso significa que eles estão compreendendo perfeitamente os textos? Não. Que são proficientes na escrita? Também não. Mas, como já mencionei, avaliar é um ato político.
Ao mesmo tempo, defendo o direito do professor que resiste em aprovar alunos que não demonstram o domínio dos conteúdos exigidos pelo currículo e pelo ano escolar.
Esse professor sabe que o aluno não domina o básico ou, pior, não demonstra interesse, e sofre ao ser forçado a aprová-lo, pois isso acaba perpetuando uma ilusão.
Esse professor se sente um farsante. Pressioná-lo a inflar notas para mascarar a realidade da educação pública é um grave erro. Costumeiramente, é esse professor que enfrenta repreensões dos pais e da gestão escolar.
Aparecer bem na fita
A verdade é que, para os professores da rede pública, equilibrar todas essas demandas é extremamente desafiador. Trabalho em uma escola de tempo integral que se destacou entre as dez melhores do estado no IDEB e sei que esse resultado não corresponde à realidade.
Tenho consciência de que muitos alunos apresentam um nível insuficiente de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática. A maioria deles não consegue localizar informações explícitas em textos e tem dificuldade em resolver problemas que envolvem operações fundamentais.
Não posso negar que o Governo Estadual tem feito esforços para melhorar a educação pública, e reconheço que houve avanços com a implementação do ensino integral. No entanto, afirmar que estamos em uma posição confortável seria enganar a nós mesmos. Dizer que somos uma referência na educação brasileira soa igualmente falso. Essa obsessão em “aparecer bem na fita” acaba desviando o foco do que realmente importa.
Por isso, acredito que essa pressão por aprovação na rede pública estadual distorce os dados. A educação pública brasileira não vai bem; vai mal. De quem é a culpa? De todos. Não é exatamente de Fulano ou de Beltrano. Não dá para apontar um único culpado, o que não significa que nada possa ser feito a respeito. Trata-se de uma situação complexa — com raízes históricas, sociológicas e políticas — que precisa ser debatida com seriedade.