Veja como fomentar a curiosidade e aprendizagem na gestão escolar

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Cristiano Carvalho

Recentemente, participei da gravação do Fucast, o videocast da Fucape Business School, cujo tema era “gestão 360” com foco em gestão escolar. Logo no início, o anfitrião do programa, Valcemiro Nossa, Diretor-Presidente da Fucape, me perguntou: “O que é aprender?” Para um educador, essa pergunta deve guiar todas as suas ações. A resposta a ela influencia as inúmeras decisões que permeiam a vida de quem ensina.

Dentre as várias definições – sejam as de dicionários, sejam as da literatura pedagógica – escolhi aquela que me guia como aprendiz: aprender é estar em um estado permanente de curiosidade. Mas como nós, adultos, educadores em casa e nas escolas, podemos fomentar esse estado contínuo de curiosidade e, consequentemente, a aprendizagem?

No verão de 2021, decidi aprender um novo esporte. Já praticava stand-up paddle (SUP) há quase dez anos e resolvi me aventurar no windsurf. Durante o processo, precisei observar meu corpo de maneira diferente, ajustando os movimentos para coordená-los com a prancha, a vela e, claro, o vento.

Embora sempre tenha me considerado um aprendiz mais auditivo, descobri que, nesse novo esporte, precisava desenvolver habilidades cinestésicas – aquelas relacionadas à percepção dos movimentos.

Após três anos praticando quase todos os fins de semana, sinto que meu corpo aprendeu o esporte. A prática constante faz toda a diferença. A cada velejada, descubro novas nuances da paisagem – cores, sons, e ângulos únicos de nossa ilha. É como se, ao me aproximar da Praia de Camburi com o Mestre Álvaro ao fundo, eu estivesse entrando em um quadro.

A contemplação se tornou parte da minha aprendizagem. Tento transpor essas lições do windsurf para a sala de aula e minha vida pessoal, acreditando que essa abordagem pode impactar positivamente quem está ao meu redor. Alunos, filhos e colegas de trabalho podem aprender mais se estiverem em ambientes que os incentivem a explorar, experimentar, resolver problemas e assumir riscos.

Esse estado de curiosidade também nos conecta com os outros. O ser humano é colaborativo por natureza e a aprendizagem ocorre tanto individualmente quanto nas interações com outros. Estar aberto à diversidade permite que o outro nos presenteie com novas possibilidades de aprendizado.

Como disse o filósofo Edgard Morin: “O todo está na parte que está no todo.” Incentivar nossos filhos e alunos a explorar novas amizades, vivenciar intercâmbios culturais e se aventurar por novos territórios nos torna mais humanos e, portanto, mais curiosos – e, consequentemente, melhores aprendizes.

Lembro de um episódio durante minha estadia nos Estados Unidos, enquanto fazia um intercâmbio acadêmico. Um dia, ao chegar ao banheiro da universidade, vi um colega lavando os pés na pia. Voltei ao laboratório e comentei com um amigo jamaicano:

“Hoje não vou escovar os dentes. Você tem um chiclete para me dar?” Ele não entendeu e eu expliquei o ocorrido. Quando mencionei que o aluno era árabe, ele riu e disse: “Cris, é meio-dia. Ele está se preparando para orar.” Aquele momento foi uma lição sobre como outros seres humanos vivem. Foi uma oportunidade de aprender sobre diversidade cultural e de entender que, no todo da humanidade, nossas diferenças fazem parte de nós. O todo estava em mim e eu estava no todo.

As escolas, enquanto terreno fértil para a aprendizagem, precisam incorporar a curiosidade em seus programas de ensino. Muitas vezes, professores, sem preparo adequado, tentam engajar os alunos com aulas “divertidas”.

Embora aulas dinâmicas sejam importantes, a verdadeira diversão no processo de aprendizagem vem da descoberta de novos conceitos e do desenvolvimento de novas habilidades. Atividades que terminam nelas mesmas não sustentam uma aprendizagem duradoura. Elas apenas entretêm temporariamente. A descoberta, por outro lado, cria conexões profundas e duradouras.

Na educação básica e no ensino superior, infelizmente, há uma ênfase exagerada em provas e avaliações padronizadas. Por décadas, justificou-se que, para preparar os alunos para vestibulares, ENEM e outros exames, as escolas deveriam focar em simulados, listas e provas.

Enquanto isso, as universidades reclamam que recebem alunos mal preparados, e o mercado de trabalho queixa-se de profissionais incapazes de lidar com as exigências do mundo moderno.

O Fórum Econômico Mundial, de acordo com o relatório publicado em 2023, identificou que habilidades como pensamento analítico, criatividade, resiliência e flexibilidade estão entre as habilidades mais demandadas pelo mercado de trabalho.

Como podemos esperar que seres humanos atendam a essas demandas se direcionamos todo um sistema educacional para provas padronizadas? Como selecionar para as universidades alunos criativos , de pensamento analítico e capazes de se mostrarem flexíveis e adaptáveis se não avaliamos esses atributos nos exames de seleção para as principais universidades do país?

De acordo com Fórum Econômico Mundial, em seu relatório publicado em 2023, habilidades como pensamento analítico, criatividade, resiliência e flexibilidade estão entre as mais demandadas pelo mercado de trabalho.

Como esperamos que nossos jovens desenvolvam essas competências se direcionamos todo o sistema educacional para provas padronizadas? Como selecionar alunos criativos e com pensamento analítico para as universidades se esses atributos não são avaliados nos exames de seleção?

Apesar disso, há esperança. Em grandes centros urbanos e mercados regionais, como no Espírito Santo, já existem escolas comprometidas com uma educação de excelência, conectada com a aprendizagem significativa e as demandas contemporâneas.

Há também universidades, como a Link School of Business, a Inteli e o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, que adotam processos seletivos que avaliam tanto o conhecimento específico quanto as habilidades comportamentais (soft skills).

O futuro mais promissor da aprendizagem também começa a surgir dentro das famílias. Muitos pais estão mais atentos ao cotidiano de seus filhos, dialogando sobre o que eles estão aprendendo e incentivando a expansão de seus horizontes. Apesar dos desafios do excesso de estímulos, há uma corrente crescente que valoriza o ser humano e o aprendizado contínuo.

Vale lembrar que aprender é diferente de memorizar. O educador Rubem Alves disse uma vez: “Não existe nada mais fatal para o pensamento que as respostas certas. As escolas existem não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre terra firme.

Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.” Que possamos fomentar a curiosidade e ensinar essa navegação a nossos filhos e alunos.

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Cristiano Carvalho

CEO da Escola Americana de Vitória. Educador há mais de 30 anos, professor de Inglês com especialização em linguística aplicada. Coordenou projetos bilíngues e de educação internacional em escolas de educação básica, construindo e gerindo currículos e equipes docentes.