Afinal de contas, existe cama montessoriana?

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Katharina Ferrari

Maria Montessori nasceu na Itália, em 1870. Formou-se em medicina e, em 1897, começou seu trabalho com crianças internadas em clínicas psiquiátricas italianas. Tempos mais tarde, ergueu a Casa dei Bambini num modesto bairro de Roma e nela recebia os filhos de trabalhadores locais.

Observando essas crianças – tanto as atípicas, quanto as que viviam na pobreza – é que Montessori começou a desenvolver seu método de educação: uma “pedagogia científica” que enxergava a criança como ser integral, completo desde sempre e digno de máximo respeito.

Os excelentes resultados desse método logo despertaram o interesse do mundo inteiro! As crianças, apresentadas ao método montessoriano, tornavam-se consideravelmente mais calmas, concentradas e graciosas. A alfabetização fluía com facilidade e aquela forma de educar parecia inclinar os pequenos para a ordem e para a bondade.

Montessori foi convidada a viajar pelo mundo todo formando professores, escrevendo e atualizando seus muitos livros e alterando, para sempre, a compreensão que se tinha sobre o educar.

Ainda hoje, grandes personalidades – como a cantora Beyoncé, Bill Gates (fundador da Microsoft), Gabriel Garcia Marques (escritor e jornalista), Mark Zuckerberg (fundador do facebook) e os príncipes britânicos William e Harry – creditam parte de seu sucesso ao contato com o método montessoriano na infância.

Provavelmente por isso, temos assistimos à crescente “montessorianização” de produtos voltados para crianças! Talvez a “cama montessoriana” seja o mais emblemático deles.

É comum ver tentantes, gestantes, mães e pais se referirem à “cama montessoriana” como uma espécie de premissa para a educação de filhos nascidos no Século XXI. Muitos deles sem clareza suficiente do legado de Montessori (e, cá para nós, alguns nem sequer sabendo que o termo faz referência a uma mulher, médica e observadora da infância).

Para que você, leitor dessa coluna, beba da própria fonte e constate o quanto é importante conhecer textos originais (e não só as dezenas de milhares de interpretações que deles se extraem ao longo dos anos), eis o que diz Maria Montessori sobre a cama da criança:

“A criança deve ter o direito de dormir quando sente sono e de acordar quando terminou de dormir e de se levantar quando quer. Para isso nós recomendamos, e muitas famílias já o adotaram, a abolição do clássico berço infantil e sua substituição por um colchão bem baixo, quase rente ao chão, onde a criança possa deitar e levantar à vontade. A cama pequena e baixa, quase rente ao chão, é econômica, como todas as alterações que ajudam a vida psíquica da criança, porque ela precisa de coisas simples, e as coisas criadas para ela são, ao contrário, complicadas quase ao ponto de lhe dificultarem a vida. Em um grande número de famílias essa reforma foi efetuada pondo um colchão sobre o piso e forrando-o com uma coberta grande” (In: O segredo da infância. Campinas: Kírion. 2019. p. 90).

Pronto! É isso: um colchão baixo, rente ao chão, que permita autonomia e respeito ao tempo natural de sono da criança. 

Mas, o raio gourmetizador (aquele mesmo que transformou os picolés em “paletas”, os brigadeiros em “docinhos gourmet” e os fichários em “cadernos inteligentes”) fez surgir uma forma de casinha sobre a cama montessoriana, ora com telhado, ora com dossel, ora com cordinha de luz.

Um dos objetivos da cama pequena e baixa era ser econômica, mas gourmetizada ela é bem mais cara do que qualquer berço tradicional. A simplicidade, que é o que toda criança precisa nas palavras de Montessori, gourmetizada se enche de enfeites e nos distancia do que realmente importa.

No fim das contas, o equipamento essencial para educar é a sua observação! Observar a criança e, a partir daí, moldar as práticas educativas é o caminho para uma educação mais eficiente e mais respeitosa com os interesses naturais e com os talentos de cada indivíduo.

No fim das contas, era a isso que Montessori se referia: uma cama que nos fizesse observar e respeitar o tempo de sono e a autonomia da criança.

Sobre o raio gourmetizador, cuidado: ele também atingiu os brinquedos! Mas isso é assunto para outra coluna.

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Katharina Ferrari

Psicopedagoga e Especialista em Literatura Infantil e Juvenil. Atua como formadora de professores e assessora literária, desenvolvendo mecanismos que contribuam para a efetiva formação de leitores e superação de problemas de aprendizagem com auxílio da literatura. Autora de livro infantil e criadora do podcast "Vem Ká Brincar". @katharinaferrari