Publicada originalmente em 1850, “A Lei” é uma obra do francês Frédéric Bastiat que analisa, de fato, o que é a implementação do Estado de Direito. A tese do ensaio gira em torno dos conceitos de direito e de lei. Para Bastiat, o direito precede o governo. A vida, a liberdade e a propriedade existiam antes das leis criadas pelo ser humano, e sua proteção foi o que levou a humanidade a documentá-las. A lei, então, é descrita como a organização dos direitos individuais – vida, liberdade e propriedade privada – para que não haja sua espoliação.

Católico devoto, o autor acreditava que as faculdades dadas por Deus possibilitam aos seres humanos a manipulação do ambiente por meio da razão. Os três direitos fundamentais elencados pelo autor devem, necessariamente, ser preservados em conjunto, uma vez que a lesão a qualquer um deles inviabiliza o exercício dos demais.

Inclinadas em direção à busca da prosperidade, muitas pessoas o fazem às custas de outras, em um comportamento parasitário que distorce a lei em prol de interesses pessoais ou especiais. Essa distorção, chamada de “saque” por Bastiat, tem duas causas principais: a ganância desmedida e uma falsa noção de filantropia. O autor ainda categoriza os saques de duas formas: legais e ilegais. Os ilegais são exemplificados pelo roubo, vandalismo e homicídio. No entanto, são os saques legais que preocupam verdadeiramente o autor. Nessa modalidade, a lei é usada para beneficiar um grupo em detrimento de outro, de maneira que seria considerada criminosa se realizada por um indivíduo. Tarifas, subsídios, proteções comerciais e salário mínimo são exemplos de como o Estado utiliza a lei para promover interesses específicos, violando direitos individuais.

A obra aduz que a lei deve ter natureza negativa, no sentido de se restringir ao mínimo necessário à proteção dos direitos naturais do indivíduo. A justiça, nesse entendimento, é alcançada na medida em que injustiças não são impostas a um grupo em benefício de outro. Em linha com muitos teóricos dos direitos naturais, Bastiat sustenta que cada indivíduo possui o direito inato de defender seu corpo, sua propriedade e sua liberdade contra agressões externas. 

No entanto, a obra defende ser raro que os Estados atribuam corretamente à lei o seu papel de proteger os indivíduos contra infrações, fraudes e ataques perpetrados por terceiros. Cada vez mais, a lei acaba por perpetuar os mesmos delitos que deveria prevenir, fazendo-o em uma escala sem precedentes. 

Precisamente em razão da natureza das pessoas em evitar a dor e, em muitos casos, essa ser a explicação para que vivam às custas dos outros, o autor lança mão da racionalidade humana para argumentar que o trabalho deve ser preferível à pilhagem. Em outras palavras, quando trabalhar é menos oneroso que saquear, o primeiro prevalece. O papel da lei, sob tal ótica é controlar a tendência fatal da humanidade por meio da punição àqueles que tentam viver dos frutos do trabalho alheio. Nesse cenário, o cometimento de delitos é mais dispendioso do que o suor advindo do trabalho.

Ao considerar-se que as leis são concebidas por pessoas, e que pessoas, como dito, desejam evitar o sofrimento, invariavelmente, seus criadores as utilizam como instrumento para saquear a população em geral. Na visão de Bastiat, tanto leis que tiram de um indivíduo para dar a outro, quanto leis que atuam de forma que seria criminosa se praticada pelo cidadão comum, podem ser consideradas formas de saques legais.

Bastiat lamenta a ilusão de enriquecer todos às custas de todos, e observa que simples realocações de recursos não geram novas riquezas, mas apenas movimentam a riqueza já existente. Em sua argumentação, destaca que o Estado pode, de fato, esgotar riqueza quando recursos são legalmente distribuídos entre grupos privilegiados.

Nesse sentido, o autor é contrário à utilização de leis para tratar especificamente de saúde, educação e habitação; tais questões devem ser decididas pelas interações voluntárias dos indivíduos que, em um sistema de livre comércio, serviriam e atenderiam às necessidades uns dos outros.

Os efeitos da pilhagem legal são devastadores, consoante disposto na obra. A princípio, a massiva intervenção estatal destrói a moralidade das pessoas, eis que elas têm uma forte tendência a considerar legítimo aquilo que é lícito, de modo que o contraste entre lei e moralidade leva o cidadão comum a se enxergar perdendo sua moral, ou perdendo o respeito à lei. Em um segundo momento, a intervenção por meio do corpo de leis atinge todos os aspectos da vida das pessoas – quais alimentos podem comer, quais medicamentos podem usar etc. –, o que desvia seu propósito fundamental e acaba por tornar demasiadamente importante (e prejudicial) o elemento político que o concebe. 

Na ótica do autor, a ideia de que o Estado deve governar todos os aspectos da vida do indivíduo é um equívoco oriundo do socialismo, que distorce a lei e molda a sociedade para impor sua visão de mundo. Aliás, a narrativa descrita por Bastiat denota a iniquidade dos defensores de tal ideologia, pois ao explicar sua tese aos socialistas franceses, ouviu como resposta que se ele era contrário à educação estatal, à religião unificada e à imposição de igualdade, era, portanto, totalmente avesso à própria educação, religião e igualdade.

O ensaio também destaca a influência dos intelectuais na promoção do afastamento dos direitos individuais, especialmente evidenciada pela sua autopercepção como agentes modeladores da sociedade ideal, empregando a lei como meio para realização de seus desejos, pressupondo, então, uma passividade dos indivíduos, o que requer tal moldagem. 

Bastiat não se opôs à educação, à religião ou à igualdade. Sua insurgência se deu aos esforços incansáveis do Estado em regular e legislar as particularidades da vida humana, que são mais bem compreendidas por indivíduos livres para decidirem o que é melhor para si próprios. Nesse sentido, a obra é um alerta sobre os perigos da utilização de leis para alcançar as utopias de quem tem a caneta na mão e impõe aos indivíduos sua visão de mundo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *