Cada vez mais presente em nosso vocabulário, fake news é um termo utilizado para fazer referência às notícias falsas. Geralmente produzidas e espalhadas com a intenção de causar prejuízo a uma ideia ou alguém, essas notícias têm o poder de viralizar e se espalhar rapidamente.

É incontroverso que os responsáveis pela criação e divulgação desse tipo de conteúdo devam ser responsabilizados. É igualmente verdade, por outro lado, que não se pode admitir a criação de instrumentos de controle e censura da opinião pública tendo como justificativa o combate às fake news.

Um exemplo claro da tentativa de instituir o controle e a censura sob esse discurso é o Projeto de Lei nº. 2.630/2020, também denominado PL das Fake News ou, como é amplamente conhecido, o PL da Censura. Os defensores do Projeto afirmam que o objetivo é o aperfeiçoamento da legislação brasileira quanto ao tema, mas a realidade é que, se aprovado e convertido em lei, trará disposições que afetarão diretamente a liberdade de expressão dos indivíduos.

Isso porque, embora se ampare no argumento de que mitigará a disseminação de conteúdos falsos através das plataformas, a nova legislação pretende imputar responsabilidade às empresas privadas pelas declarações individuais dos usuários. Ademais, propõe a criação de um incentivo às plataformas digitais para adotarem uma postura de moderação em face dos usuários, podendo ocasionar numerosas remoções de conteúdo e perfis nas redes sociais, comprometendo a liberdade de expressão de milhares de pessoas que desejam manifestar suas opiniões de forma legítima.

Para além do Poder Legislativo, também na esfera do Judiciário é notória a escalada autoritária sobre os conteúdos em plataformas digitais. Dentre os casos apreciados pelo TSE, rememora-se o voto da Ministra Carmen Lúcia que decidiu pela desmonetização do canal no Youtube da produtora Brasil Paralelo e a suspensão da veiculação do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”. Na sessão de julgamento, afirmou a Ministra que “não se pode permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil”, mas, contraditoriamente, determinou a suspensão da monetização e da exibição do documentário até o término das eleições (em 31 de outubro de 2022), sob a pecha de salvaguardar a lisura do processo eleitoral. A prática da censura prévia adotada pelo TSE, apontada como “medida excepcional”, em verdade, inaugurou um precedente perigoso no país.

O cenário é crítico e impõe profunda reflexão, além de um sério questionamento: o Brasil realmente precisa de uma legislação que institua a moderação das opiniões expostas pelos usuários da internet? Não há risco de elevar a mais um degrau a censura no país? As pessoas precisam da tutela estatal lhes indicando o que é ou não é verdade?

Se considerarmos que a “moderação” do conteúdo nas redes será feita à luz de critérios subjetivos e sob o jugo daqueles que controlam as plataformas digitais, a norma proposta poderá claramente se tornar um forte instrumento de censura. Não há garantia de que será oportunizado aos usuários a efetiva defesa previamente à exclusão do conteúdo produzido, por exemplo.

É necessário estabelecer, ainda, que o Código Penal atualmente em vigor traz em seus artigos 138, 139 e 140 as penalidades cabíveis contra aqueles que praticam atos contrários à honra e à moral de alguém. Portanto, hoje, no Brasil, todos os cidadãos estão sujeitos às consequências jurídicas já previstas na legislação em caso de ofensa a honra ou moral alguém, seja através de declarações, opiniões ou divulgação de falsas notícias.

É plenamente justificável o temor dos brasileiros que, há tempos, acompanham as declarações do atual Presidente da República de que “essa gente tem que ser extirpada” ou, ainda, que o conceito de democracia “é relativo”. Tais declarações deixam clara a intenção de silenciar o outro lado: todos aqueles que são do espectro político contrário não merecem ter o direito de se manifestar, aliás, de existir.

Maultasch em sua obra ‘Contra Toda Censura’ afirma, irretocavelmente, que a liberdade de expressão “existe para permitir aquilo que o pensamento hegemônico considera ofensivo, errado, ruim, feio, injusto ou hediondo; ele protege o discurso que nós consideramos vil e odioso, em especial se proferido por pessoas que julgamos desprezíveis. Se ele protege até isso, ele protegerá todo o resto – e assim nós teremos, sob a força inabalável desse princípio, a liberdade para pensar, falar e criticar o que quisermos. É preciso, assim, defender a livre-expressão de todos, inclusive a dos nossos maiores e mais odiosos inimigos”.

Dessa forma, a instituição da censura sob a justificativa de combater as notícias falsas espalhadas por toda a internet não pode ser tolerada. A liberdade de expressão é um direito basilar e como tal deve ser protegido. Se assim não for: num dia, as redes sociais são moderadas; no outro, já não se pode mais falar no assunto. Em breve, o indivíduo já não pensa mais por si mesmo.

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