No mundo distópico de “Fahrenheit 451” imaginado por Ray Bradbury, a frase “Os que não constroem precisam queimar” ressoa como um eco sombrio das ações humanas ao longo da história. Esse pensamento, embutido na narrativa do livro, é tanto uma crítica à destruição do conhecimento, como da liberdade.

A frase escrita por Bradbury faz referência a um comportamento destrutivo: aqueles que não são capazes de criar ou contribuir positivamente para a sociedade muitas vezes recorrem à destruição como uma forma de exercer controle e poder. A queima de livros pela Alemanha nazista é um exemplo claro dessa dinâmica. Em 10 de maio de 1933, estudantes universitários e membros das SA (Sturmabteilung) realizaram uma série de eventos em que a queima de livros era promovida em toda a Alemanha. Livros considerados “não alemães” ou “subversivos” foram jogados às chamas em uma tentativa de purgar a cultura germânica de ideias consideradas contrárias aos ideais nazistas.

Esse ato de destruição cultural não foi apenas um ataque aos textos em si, mas uma tentativa de apagar a diversidade de pensamento e opiniões. O objetivo era criar uma conformidade ideológica, em que apenas as ideias aprovadas pelo regime tinham permissão para existir. A censura não se limitou aos livros, mas se estendeu a todos os aspectos da vida cultural e intelectual, incluindo a música, o teatro e o cinema. A frase de Heinrich Heine, “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”, pronunciada cerca de um século antes, tornou-se uma profecia materializada sob o regime nazista, no qual a desumanização começou com a queima de livros e culminou no Holocausto.

A capacidade de pensar, falar e escrever livremente é a pedra angular de uma sociedade livre. A censura, especialmente quando institucionalizada pelo governo, é uma ferramenta de opressão que ameaça diretamente essa liberdade. A censura é um ataque direto à capacidade de autodeterminação e à autonomia do indivíduo.

A censura governamental não é um fenômeno restrito ao passado. Regimes autoritários, ainda que se intitulem “democráticos”, continuam a controlar e suprimir a liberdade de expressão. Desde a China, com sua rigorosa censura da internet e perseguição a dissidentes, até países como a Rússia, onde jornalistas críticos são frequentemente silenciados, o espírito da frase de Bradbury se mantém relevante. Esses governos não constroem um ambiente de livre pensamento, ao contrário, eles queimam, literal e figurativamente, qualquer forma de dissidência.

No contexto atual, a luta pela liberdade de expressão enfrenta desafios complexos. A tecnologia, por exemplo, tem potencial tanto para libertar quanto para oprimir. As redes sociais e outras plataformas digitais possibilitam a disseminação rápida de informações e ideias, mas também podem ser utilizadas por governos e corporações para monitorar, censurar e manipular o discurso público. A tendência crescente de “cancelamento” nas mídias sociais também levanta questões sobre a linha tênue entre responsabilização e censura.

A resposta para discursos inadequados não é a censura, mas mais discurso, ou seja, mais trocas livres e abertas de ideias, nas quais a verdade possa emergir por meio do debate e da argumentação racional. A solução para o discurso de ódio ou desinformação não é silenciar, mas educar e promover o pensamento crítico. A censura, ao invés de resolver os problemas, muitas vezes os agrava, ao empurrar as vozes dissidentes para a clandestinidade, onde podem se tornar ainda mais radicais e desconectadas do escrutínio público.

No âmago da discussão sobre a liberdade de expressão está a crença fundamental na capacidade dos indivíduos de discernir a verdade e tomar decisões informadas. O governo, ou qualquer entidade centralizada, não deveria ter o poder de decidir quais ideias são válidas ou quais informações são aceitáveis. A liberdade de expressão é o pilar que sustenta todos os outros direitos, e sua proteção é essencial para a manutenção de uma sociedade livre.

A mensagem de “Fahrenheit 451” permanece viva: os que não constroem, queimam. A construção de uma sociedade livre requer a defesa intransigente da liberdade de expressão contra todas as formas de censura. Aprender com a história, desde as fogueiras de livros na Alemanha nazista até as modernas tentativas de controle da informação, é crucial para evitar que as chamas da censura consumam novamente nossas liberdades mais preciosas. Quais chamas iremos alimentar? As da Liberdade ou as da censura?

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