A vitória de Donald Trump nas eleições de 2016 foi frequentemente celebrada como uma ruptura com políticas progressistas e intervencionistas. Muitos de seus apoiadores viram em sua presidência uma defesa da liberdade individual, do empreendedorismo e de um Estado menos intrusivo.

Embora Trump tenha adotado algumas políticas alinhadas ao liberalismo econômico — como a redução de regulamentações e a flexibilização de políticas fiscais para empresas — essas ações representam apenas uma fração das ações que desenvolveu e das ideais que defendeu desde 2016. Com sua nova eleição confirmada na disputa de 2024, uma vez mais, esta foi comemorado por alguns como uma vitória para o liberalismo. Contudo, realmente há o que celebrar? Se sim, em que medida?

O liberalismo, por definição, é uma filosofia que defende a liberdade e a responsabilidade individual, o livre mercado e o mínimo possível de intervenção estatal. No presente texto, iremos analisar, com base em políticas e posicionamentos adotados pelo mais novo presidente eleito dos EUA, se Trump se aproxima mais dos princípios do liberalismo ou de ideias intervencionistas, protecionistas e nacionalistas.

Durante seu primeiro mandato, Trump promoveu uma série de medidas de desregulamentação que realmente se alinham com as ideias liberais de promoção da liberdade econômica e de redução do tamanho do Estado. Em uma de suas principais ações, Trump implementou a política de “dois-por-um[1]”, que determinava que, para cada nova regulamentação criada, duas regulamentações existentes deveriam ser eliminadas. Trump também facilitou a atuação de empresas em setores como energia e construção, eliminando restrições ambientais que, segundo ele, limitavam o desenvolvimento econômico, compromisso reafirmado pelo presidente eleito para sua nova administração[2].

Outro exemplo de desregulamentação foi sua postura em relação ao setor financeiro, especialmente na flexibilização de regulamentações introduzidas após a crise de 2008. Trump, por exemplo, afrouxou algumas das restrições impostas pelo Dodd-Frank Act[3].

Além disso, ele demonstrou uma postura favorável a novas tecnologias e à inovação, incluindo a criptomoeda Bitcoin. Recentemente o presidente eleito tem dado sinais de apoio a uma política que pudesse aceitar criptomoedas como parte da economia digital emergente, permitindo que o mercado evoluísse sem interferência excessiva. Essa postura foi uma das instâncias em que Trump pareceu estar disposto a aceitar inovações financeiras e tecnológicas como caminhos legítimos para a liberdade econômica e a inclusão financeira, que são centrais ao ideal liberal.

Um dos principais marcos da política econômica de Trump foi a reforma tributária, aprovada em 2017, que reduziu a alíquota do imposto corporativo para 15%[4]. Trump justificou a reforma como uma forma de tornar as empresas americanas mais competitivas internacionalmente e atrair capital estrangeiro. Além dos cortes de impostos para empresas, a reforma tributária incluiu reduções de impostos para pessoas físicas, embora com benefícios mais concentrados em faixas de renda mais altas.

Embora essa reforma tenha representado um avanço em direção ao liberalismo econômico, vale observar que Trump muitas vezes justificou a redução de impostos com uma retórica nacionalista, afirmando que essa medida tornaria os EUA mais fortes e autossuficientes. Essa nuance revela a complexidade de seu posicionamento, que combina elementos de liberdade econômica com protecionismo e nacionalismo.

Apesar das citadas medidas de desregulamentação e corte de impostos, Trump também adotou medidas econômicas marcadas pelo protecionismo, o que contraria a visão liberal de livre comércio. Em vez de incentivar um mercado global aberto, ele introduziu tarifas sobre produtos estrangeiros, especialmente da China, alegando que protegeria os empregos americanos e revitalizaria setores industriais. A política tarifária de Trump impôs custos adicionais para os consumidores e reduziu a eficiência do mercado, minando a essência do livre comércio.

Essa postura foi evidente na guerra comercial com a China, algo que ele parece pretender amplificar no novo mandato[5]. Trump aplicou tarifas bilionárias sobre produtos chineses, tentando pressionar o país a mudar práticas comerciais que ele considerava desleais. Embora ele alegasse que essas medidas beneficiariam a economia dos EUA, a guerra comercial também teve efeitos negativos, como aumento de preços e dificuldade de exportação para agricultores americanos. Essa política protecionista se afasta das ideias liberais, que defendem o livre comércio como um meio de promover a prosperidade global e beneficiar os consumidores com mais opções e melhores preços.

Outro aspecto que distancia Trump dos ideais liberais é sua retórica nacionalista e coletivista, expressa no slogan “America First”. Em vez de promover uma sociedade de indivíduos livres e autônomos, sua narrativa divide a sociedade entre patriotas e “inimigos internos”, e alimenta uma retórica de “nós contra eles”.

Os liberais acreditam na abertura e na liberdade de movimento, sustentando que os indivíduos devem ser livres para buscar oportunidades em qualquer lugar, respeitando as leis locais. Essa visão aberta se contrapõe à defesa de Trump por políticas de restrição à imigração com base em critérios religiosos e nacionalistas[6]. As políticas anti-imigração de seu primeiro governo resultaram, inclusive, na separação de crianças de suas famílias[7].

Ainda, para os liberais, a liberdade de expressão é um pilar fundamental, que permite aos indivíduos expressarem suas opiniões e à imprensa investigar e tecer críticas ao governo. No entanto, Trump manifestou uma visão restritiva da liberdade de expressão, especialmente em relação à imprensa. Ele frequentemente atacava veículos de comunicação críticos, classificando-os como “fake news” e “inimigos do povo[8]”.

Um exemplo emblemático foi sua resposta ao jornal The New York Times e à CNN, veículos que ele publicamente desacreditou. Trump chegou a sugerir a revisão de leis de difamação para facilitar processos contra jornalistas e meios de comunicação críticos, o que contraria a visão liberal de uma imprensa livre. Essa postura, de tentar silenciar vozes discordantes, é mais alinhada ao autoritarismo do que ao liberalismo, que valoriza o debate público e a liberdade de imprensa.

Além disso, Trump expandiu o poder do Estado em várias áreas, contrariando o princípio liberal de um Estado mínimo. No campo da imigração, ele fortaleceu agências de controle de fronteira e intensificou as deportações. Essa postura intervencionista criou um ambiente de constante vigilância e insegurança para comunidades de imigrantes, que passaram a ser alvo de políticas cada vez mais restritivas.

Trump também promoveu o aumento do orçamento militar, justificado pela necessidade de proteger os EUA de ameaças externas. Trump, ao expandir o poder estatal e aumentar a militarização, adotou uma postura intervencionista que se alinha mais ao conservadorismo militarista do que ao liberalismo clássico.

Apesar dessas contradições, não se pode ignorar que Trump adotou algumas políticas que refletem uma visão liberal. A redução de regulamentações sobre empresas e a diminuição de impostos, como discutido, são medidas que visam diminuir a intervenção estatal e promover o crescimento econômico. Ainda que esses passos possam ter sido motivados mais por interesses econômicos nacionalistas e uma política de “America First”, mais do que por um compromisso ideológico com a liberdade.

Sua postura em relação às criptomoedas, como o Bitcoin, também demonstra uma abertura ao liberalismo econômico. Trump apoiou a liberdade do mercado financeiro para inovar sem regulamentações excessivas, permitindo o desenvolvimento das moedas digitais.

Contudo, embora Trump tenha promovido algumas políticas liberais, como desregulamentação e cortes de impostos, sua presidência foi marcada por um protecionismo econômico, um nacionalismo coletivista e uma expansão do poder do Estado em áreas que permitem um maior controle dos cidadãos (monitoramento de fronteira e orçamento militar). Trump certamente não pode ser classificado como um liberal, seus ideais se distanciam daqueles defendidos pelo presidente eleito na argentina, Javier Milei[9]. Desse modo, Trump se mostra mais alinhado a ideias conservadoras do que liberais.

Portanto, dificilmente sua eleição pode ser celebrada como uma vitória da liberdade individual e do liberalismo, mas, quando muito, como um afastamento de políticas progressistas de esquerda. Teremos que observar como seu novo governo se desenvolverá, entretanto, em seu primeiro mandato Donald Trump preteriu ideias liberais em prol de uma agenda voltada ao fortalecimento do Estado, controle das fronteiras e manutenção de uma identidade coletiva rígida, o que o coloca em oposição a muitos dos ideais compartilhados pelo liberalismo.

[1] https://www.theatlantic.com/business/archive/2017/01/trumps-regulation-eo/515007/

[2] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/11/11/trump-sinaliza-desregulamentacao-ambiental-brasil-quer-alianca-global.htm

[3] https://edition.cnn.com/2023/03/14/politics/facts-on-trump-2018-banking-deregulation/index.html

[4] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/quer-saber-o-que-trump-fara-como-presidente-olhe-para-o-mercado/

[5] https://jovempan.com.br/noticias/mundo/trump-ameaca-guerra-comercial-com-a-china-e-fala-em-tarifas-superiores-a-60.html

[6] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/analise-trump-revela-o-argumento-final-mais-extremo-da-historia-moderna/

[7] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/10/21/pais-de-545-criancas-separadas-na-fronteira-dos-eua-nao-foram-localizados.ghtml

[8] https://www.nytimes.com/2017/02/17/business/trump-calls-the-news-media-the-enemy-of-the-people.html

[9] https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/libertario-anarcocapitalista-como-as-ideias-de-javier-milei-se-refletem-nas-suas-propostas/

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