Nas últimas décadas, o conceito de terrorismo expandiu-se globalmente, juntamente com legislações que pretendiam lidar com essa ameaça crescente. Entretanto, a implementação de leis antiterrorismo em diferentes países origina preocupações quanto a possíveis impactos colaterais sobre as liberdades individuais e a democracia.

A lei antiterrorismo no Brasil, formalizada em 2016 (Lei nº 13.260/2016), surgiu sob o pretexto de prevenir atividades terroristas no contexto da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. O Brasil, até então, não possuía uma legislação específica sobre o tema, e a criação dessa lei foi recebida com certo alívio por setores que temiam que o país não estivesse preparado para lidar com esse tipo de ameaça. No entanto, desde sua promulgação, a lei tem sido criticada por sua definição vaga do que constitui terrorismo e pelos riscos que ela apresenta para a criminalização de movimentos sociais e manifestações públicas legítimas.

A definição de terrorismo na legislação brasileira é ampla, sendo descrito como “a prática de atos que tenham o propósito de causar terror social ou generalizado”. Embora, em teoria, a lei exclua “manifestações políticas e sociais legítimas” de sua aplicação, o texto ainda deixa margem para interpretações subjetivas, abrindo espaço para que o Estado possa utilizar a lei para reprimir protestos pacíficos ou movimentos que se opõem ao governo no poder.

Esse temor é intensificado pelo fato de que, no Brasil, protestos populares frequentemente encontram respostas violentas por parte das forças policiais. Um dos episódios mais discutidos sobre o uso abusivo dessa legislação ocorreu em 2019, quando, durante manifestações de trabalhadores sem-terra e indígenas, alguns participantes foram acusados de atos terroristas.

Embora as acusações não tenham prosperado, o episódio levantou um alerta sobre o uso da lei como uma ferramenta de intimidação e repressão contra manifestações políticas. O risco é que, ao expandir o conceito de terrorismo para abarcar ações políticas, o Estado sufoca opiniões dissidentes e o direito à manifestação — dois pilares centrais em uma sociedade democrática.

Se, no Brasil, há um temor de que a legislação antiterrorismo possa ser usada para minar liberdades, na Venezuela, esse cenário já é uma realidade concreta. Sob o governo de Nicolás Maduro, a lei antiterrorismo foi convertida em um instrumento de perseguição política, consolidando um ambiente de autoritarismo e controle social.

Em 2012, foi promulgada a Lei Contra o Crime Organizado e o Financiamento ao Terrorismo, sob o pretexto de combater organizações criminosas e grupos terroristas. No entanto, o governo venezuelano, em inúmeras ocasiões, tem utilizado essa legislação para deslegitimar e reprimir qualquer oposição política.

No contexto venezuelano, a luta contra o terrorismo se tornou um argumento conveniente para sufocar movimentos dissidentes. Líderes da oposição, jornalistas, ativistas de direitos humanos e até cidadãos comuns que se expressam de forma crítica ao governo foram, e continuam sendo rotulados como terroristas. Manifestações públicas que, em um contexto democrático, seriam vistas como exercício legítimo de liberdade de expressão, são tratadas como ameaças à segurança nacional, o que leva à criminalização de qualquer resistência ao regime.

Os exemplos na Venezuela são numerosos. Em 2014, durante uma série de protestos massivos contra o governo de Maduro, centenas de manifestantes foram presos sob acusações de terrorismo e conspiração, em uma clara tentativa de reprimir a oposição. Organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch, denunciaram repetidamente o uso desproporcional da força contra manifestantes pacíficos, a prisão arbitrária de líderes opositores e a manipulação do sistema judiciário para silenciar críticas ao governo.

O uso dessas leis de forma indiscriminada criou um ambiente em que qualquer expressão de dissidência é imediatamente associada ao terrorismo, restringindo drasticamente as liberdades fundamentais.

Tanto no Brasil quanto na Venezuela, as leis antiterrorismo, apesar de supostamente voltadas à segurança nacional, têm o potencial de se converter em ferramentas de repressão e censura quando interpretadas de maneira ampla.

Essas leis trazem à tona um dilema que rotineiramente temos de enfrentar: até que ponto o Estado deve sacrificar as liberdades individuais em nome da segurança? O que deveria ser uma medida de exceção pode se transformar em um padrão de controle, no qual o governo se vê no direito de monitorar, restringir e punir cidadãos com base em critérios subjetivos e indefinidos.

Além disso, a aplicação indiscriminada dessas leis origina um temor generalizado e autocensura, a partir de um contexto em que o simples fato de criticar o governo ou participar de um protesto pode resultar em acusação de terrorismo. Para que uma democracia funcione adequadamente, é essencial que os cidadãos possam expressar livremente suas opiniões, se organizar e protestar sem medo de represálias. Quando essas liberdades são colocadas em risco, a própria essência democrática está ameaçada.

Na Venezuela, já é difícil enxergar um horizonte no qual esse cenário será revertido por vias democráticas, uma vez que o Estado já capturou as instituições democráticas, comprometendo a possibilidade de dissidência legítima.

Embora a ameaça do terrorismo seja real, a utilização inadequada dessas legislações tem efeitos devastadores para as liberdades fundamentais. Em um contexto em que essas leis são aplicadas de forma seletiva ou como ferramentas de perseguição política, a própria essência da democracia se fragiliza. 

O desafio, portanto, não é apenas combater o terrorismo, mas também assegurar que a proteção à sociedade não se transforme em uma forma de opressão.

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