Neste ano foi emitido o Ofício Nº 119/2024 da Secretaria de Comunicação Social (SECOM) ao Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, abordando o impacto da desinformação sobre as instituições estatais. Em uma análise detalhada, é possível notar que a abordagem comunicativa delineada no documento em questão se assemelha a alguma das características do fictício “Ministério da Verdade” descrito por George Orwell em seu emblemático romance “1984”.

O ofício da SECOM destaca a preocupação com narrativas desinformativas relacionadas a desastres ambientais e à atuação das instituições federais. A premissa central do documento é a proteção da credibilidade das instituições estatais diante da disseminação de informações falsas, ao contrário de preocupações destinadas com os impactos mais urgentes do desastre. Esse objetivo, em um primeiro momento, pode se revestir uma aparentemente legitimidade para alguns, contudo, ele levanta questões sobre os limites da intervenção estatal na comunicação, na liberdade de expressão e a preservação das liberdades individuais.

Talvez a semelhança mais inquietante do ofício da SECOM com a obra de Orwell reside na forma como o governo busca controlar a narrativa pública. Em “1984”, o “Ministério da Verdade” é responsável por alterar registros históricos e controlar a informação para manter o poder do regime. De maneira similar, o ofício da SECOM se preocupa em identificar e combater narrativas que possam minar a confiança nas instituições governamentais.

Essa iniciativa é uma tentativa de moldar a percepção pública, garantindo que a versão oficial dos eventos prevaleça sobre qualquer outra, por meio da intimidação e da criminalização de uma das liberdades mais caras à democracia: a liberdade de expressão.

O ofício menciona ainda a necessidade de apurar e penalizar condutas ilícitas relacionadas à disseminação de desinformação. Embora preocupações relacionadas à desinformação e às notícias falsas sejam relevantes, a definição do que constitui desinformação pode ser altamente subjetiva e manipulável. Isso abre precedentes para a censura de opiniões divergentes, suprimindo o debate público e a pluralidade de ideias – elementos fundamentais para uma sociedade livre e democrática.

A forma mais efetiva de combate à desinformação é por meio da conscientização e da promoção de autonomia dos indivíduos para que estes saibam como identificar e verificar informações falsas que eventualmente receberem. A centralização da comunicação e a regulamentação da informação, como propõe o ofício, contraria essa estratégia ao conceder ao governo um poder desproporcional sobre a narrativa pública, como possuía o Ministério da Verdade na obra de Orwell.

A resposta adequada à desinformação, não está na censura, mas no fortalecimento da sociedade civil e das instituições de mídia independentes. Em vez de centralizar o controle da informação, a promoção de um ambiente onde diferentes perspectivas possam ser debatidas livremente, permite que a verdade emerja por meio do confronto de ideias. A pluralidade de fontes e a transparência são os verdadeiros antídotos contra a desinformação.

O ofício também reflete uma crise de confiança nas instituições públicas. A reação do governo às críticas revela uma insegurança fundamental sobre sua própria capacidade de governar efetivamente. Em um regime verdadeiramente democrático, a confiança nas instituições não é imposta de cima para baixo, mas construída por meio de ações transparentes e responsáveis que conquistam o respeito e a lealdade da população.

O Ofício Nº 119/2024 da SECOM é um reflexo das tensões inerentes entre o combate a desinformação e a preservação das liberdades individuais. A melhor defesa contra a desinformação é uma sociedade aberta e plural, onde a verdade não é ditada pelo Estado (como imaginada por Orwell em sua distopia por meio do Ministério da Verdade), mas alcançada através do livre debate. A tentativa de controlar a narrativa pública por meio de uma ferramenta de intimidação e repressão, guarda identidade com as práticas totalitárias descritas por Orwell em “1984”. Para evitar esse caminho, é crucial a preservação da autonomia individual e a diversidade de vozes na arena pública, garantindo que a busca pela verdade permaneça um esforço coletivo e não uma narrativa imposta verticalmente de forma coercitiva.

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