Um recente programa do Ministério da Justiça[1] que permite o monitoramento de alvos sem justificativa clara levanta sérias preocupações sobre os impactos desse tipo de medida na privacidade e nas liberdades individuais dos cidadãos brasileiros. A possibilidade de autoridades realizarem vigilância sem critérios transparentes ou supervisão adequada representa um risco significativo para os princípios democráticos e os direitos humanos fundamentais.
A privacidade é um direito constitucionalmente garantido, essencial para a proteção da capacidade de autodeterminação individual. Quando o Estado adota medidas que permitem a vigilância indiscriminada, abre-se um precedente perigoso para abusos de poder e violações de liberdades civis. Sem justificativas sólidas, o monitoramento pode se tornar uma ferramenta de controle social.
Além disso, a falta de transparência nos critérios de monitoramento gera insegurança jurídica. Se qualquer pessoa pode se tornar alvo sem saber o motivo, cria-se um ambiente de medo e autocensura. Isso pode inibir a liberdade de expressão e o debate aberto, pilares fundamentais de uma sociedade democrática. As pessoas podem evitar discutir assuntos sensíveis ou criticar políticas governamentais por receio de represálias, o que enfraquece a participação cidadã e a fiscalização das ações do Estado.
Outro aspecto preocupante é o potencial para discriminação e perseguição de grupos minoritários ou opositores políticos. Sem mecanismos claros de controle e responsabilização, o monitoramento pode ser direcionado de forma seletiva, intensificando desigualdades sociais e violando o princípio da igualdade perante a lei. Historicamente, ferramentas de vigilância têm sido usadas para suprimir vozes dissidentes e restringir movimentos sociais, o que destaca a importância de salvaguardas robustas contra abusos.
A necessidade de segurança pública e combate ao crime não deve servir como justificativa para a implementação de medidas que comprometam a privacidade e as liberdades individuais. O equilíbrio entre segurança e liberdade é delicado e requer transparência, legalidade e proporcionalidade nas ações estatais.
A autorização judicial para interceptações e monitoramentos é um mecanismo essencial para garantir esse equilíbrio. Ela exige que haja uma justificativa legal baseada em evidências concretas antes que a privacidade de um indivíduo seja invadida. Ignorar ou contornar esse processo não apenas desrespeita o Estado de Direito, mas também ameaça os fundamentos da democracia.
O mencionado programa, que permite o monitoramento sem justificativa clara, representa uma séria ameaça à privacidade e às liberdades individuais no Brasil. A trincheira da liberdade costuma ser tomada dessa forma, sob a justificativa de um suposto aumento da segurança e de um apelo aos medos dos cidadãos. Uma vez tomada, dificilmente a liberdade é reconquistada.
[1] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-publica/2024/10/09/programa-do-mj-permite-monitorar-alvos-sem-justificativa.htm