Entre os dias 5 e 6 de abril, o Maanaim de Domingos Martins, recebeu mais do que visitantes. Recebeu corações atentos, mãos dispostas e vidas movidas por um só propósito: aprender a acolher os irmãos da igreja que têm alguma necessidade especial.
É que a Igreja Cristã Maranata realizou mais uma edição do Seminário de Acessibilidade, reunindo pastores, professores, intérpretes, profissionais da saúde e membros de diferentes regiões do Brasil para fortalecer um trabalho que vai além das palavras e que se traduz em atitude, entrega e fé.
O encontro, no entanto, foi apenas o reflexo visível de um trabalho invisível, silencioso e diário, feito ao longo de todo o ano. Um trabalho que, como define o coordenador nacional da Acessibilidade na ICM, pastor Lucimar Bizio, “sai dos muros da igreja e vai para a sociedade”.
“Trabalhar com acessibilidade é lidar com sentimentos, com histórias, com a expectativa de uma mãe, de uma família. É ver uma criança que não fala cantar um louvor. É ver o que ela aprendeu na igreja ecoar fora dela. Isso é Evangelho vivo. Isso é o amor de Cristo que não vê diferenças, mas vê acolhimento”, declarou.
O presidente da Igreja Cristã Maranata, pastor Gedelti Gueiros, reforça que o Seminário de Acessibilidade é um estímulo para que os outros grupos religiosos também se organizem em torno do tema.
Nós temos interesse em divulgar aquilo que está sendo feito não por uma questão de vaidade, mas por uma questão de estímulo. Porque nós estamos vivendo um mundo com grandes experiências e até dificuldades. O que se presume, por exemplo, é que mais de 30% da população que vai nascer, vai ter algum tipo de dificuldade. Nós não vamos resolver o problema do mundo, mas nós temos que resolver o problema daquilo que está ao nosso alcance. É o mínimo, mas é o necessário e o possível.
Quando números alertam e corações respondem
O Brasil tem hoje 18,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo a PNAD/IBGE. Estima-se que 2 milhões de brasileiros vivam com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O TDAH afeta de 5% a 8% da população mundial, e mais de 61 mil alunos da educação básica têm surdez registrada em dados oficiais. A invisibilidade dessas pessoas é uma das maiores barreiras — e a igreja, ao reconhecê-la, quebra essa lógica.
Por trás dessas estatísticas, há vidas. Há famílias e jovens que nunca se sentiram parte de um grupo. Crianças que vivem em constante exclusão. Idosos que não foram ouvidos por uma vida inteira. E há, também, uma igreja que escolheu não virar o rosto.
“Essas pessoas estão na sociedade, mas também estão dentro da igreja. E aqui, elas são tratadas como iguais”, afirma a psiquiatra e colaboradora do projeto Ciência e Fé da ICM, Ana Lúcia Balbino Peixoto.
“Estamos instrumentalizando professores e pastores para lidarem com a neurodivergência. A diferença exige um olhar sensível. É isto que estamos ensinando: a enxergar além do sintoma, a reconhecer o valor da alma.”
Palavra revelada, e não apenas falada
A acessibilidade na ICM é mais do que adaptar estruturas físicas ou materiais didáticos. Ela é espiritual e profética e busca garantir que cada pessoa tenha acesso verdadeiro à Palavra revelada, aquela que transforma, que orienta, que salva.
“Não é só sobre leitura. É sobre revelação. O acesso não é à letra — é à Palavra viva do Senhor”, afirma o pastor Rubem Estevam Pereira, que perdeu a visão aos 52 anos e hoje continua o ministério pastoral com total apoio da igreja.
“A igreja se preparou. E eu pude entender que isso não seria impedimento para seguir servindo. Sou assistido e agora também posso assistir outros. É uma bênção dupla.”
O secretário-geral da ICM, pastor Luis Eugênio, resume com clareza o foco dessa missão:
“Nosso trabalho é acessibilidade à Palavra de Deus. Pessoas que muitas vezes se sentem excluídas têm o mesmo direito ao conhecimento bíblico. Jesus veio para todos. É isso que colocamos em prática.”
O louvor que quebra o silêncio
A transformação não se limita ao púlpito. Ela acontece nas salas da Escola Bíblica Dominical, nos bancos das igrejas, nos braços de professores e intérpretes que aprenderam a olhar com mais paciência, escuta e empatia.
“Muitas crianças com autismo falam pela primeira vez durante um louvor. Outras, com nível de suporte 3, por exemplo, que não falam com ninguém, começam a balbuciar o nome do Senhor”, conta a professora infantil e especialista em autismo Juliana Muniz.
“O ambiente da igreja, com rotina, música, afeto, rompe barreiras que nem mesmo as terapias convencionais conseguiam romper.”
“A gente fala de TDAH, de hiperatividade, de desatenção, mas por trás disso há uma necessidade espiritual”, completa Miriam Rezuski, também professora e membro do grupo de Acessibilidade. “Quando temos conhecimento, mudamos nossa forma de tratar. E é aí que o acesso à Palavra se torna real.”
“A comunicação não é só verbal. Existe a comunicação visual, com imagens, expressões, símbolos. Tudo isso é essencial para que as crianças — especialmente aquelas no espectro autista — compreendam o culto e a rotina da igreja”, complementa a professora Juliana Bezerra, de São Paulo.
Um trabalho que fortalece quem acolhe
Os frutos da acessibilidade não são colhidos apenas por quem recebe, mas também por quem doa. Intérpretes, professores e voluntários testemunham sobre o crescimento espiritual, emocional e humano que experimentam ao servir.
“Aprendemos a trabalhar em equipe, a respeitar o tempo do outro. Até nossas crianças, ao ajudarem um colega com deficiência, estão sendo preparadas para a vida”, afirma a secretária-geral do trabalho de Acessibilidade da ICM, Leonice Monteiro Dias Rocha.
“Estivemos no evento com 15 intérpretes, atendemos surdos, surdos-cegos e outros irmãos com diferentes deficiências. E o nosso objetivo é um só: salvação. O Evangelho é para todos. E se for preciso traduzir, apoiar, repetir… a gente faz. Porque cada alma vale muito”, emociona-se a intérprete de Libras Priscila Lopes.
O pastor Aaron Froede Santos, do litoral norte de São Paulo, também destaca que o seminário transcende o cuidado com os membros:
“Falamos sobre assistência a instituições. Muitas pessoas com deficiência estão afastadas da comunhão ou nunca ouviram o Evangelho. A igreja vai até elas, porque cada alma tem um valor inestimável.”
Multiplicadores de amor
O seminário é também uma plataforma de expansão. Participantes vieram de cidades do interior, de outros estados e até de fora do país. E todos voltaram para suas igrejas locais com novos métodos, materiais e, acima de tudo, convicções.
“Voltamos com o compromisso de dar o melhor para esse grupo tão especial. Saímos do seminário preparados para cuidar melhor, acolher mais e servir com excelência”, declarou o pastor Ronieli Vieira Novaes, de Cariacica.
“A experiência aqui é tão forte que alcança até quem nunca entrou em uma igreja. Atendemos casas de repouso, instituições, idosos esquecidos pela sociedade. Levamos oração, Palavra, presença. E isso, por si só, é evangelização”, pontuou o pastor João Ricardo Costa, do Rio de Janeiro.
“O seminário é importante porque unifica a linguagem. Traz acervos, materiais, conhecimento técnico e espiritual. Voltamos prontos para multiplicar esse trabalho”, afirmou o pastor Leandro de Monteiro, de Campos dos Goytacazes.
Encerrando o seminário, o poeta e pastor Carlos Nejar, imortal da Academia Brasileira de Letras, traduziu o que todos ali sentiam:
“Neste tempo difícil da civilização, precisamos mais do que nunca encontrar, pela fé e pela revelação, o acesso às pessoas. A mão da Palavra precisa estar à espera, porque cada alma é uma semente, e a terra está pronta.”
Assista à cobertura do Seminário de Acessibilidade, no Maanaim de Domingos Martins: