Consultor Especialista em Sustentabilidade no CTE – Centro de Tecnologias de Edificações
Nos últimos anos, muito tem sido falado sobre a Economia Circular como uma resposta à necessidade de maximizar o aproveitamento dos recursos, gerando um desenvolvimento mais equilibrado.
Esse conceito vai muito além de retornar os resíduos para a sua origem ou da reciclagem propriamente dita. A Economia Circular pode ser traduzida como uma estrutura de soluções que visa eliminar a trágica lógica da nossa economia linear, baseada em extração, uso e descarte de produtos.
O objetivo é atender três princípios fundamentais: eliminar a poluição e resíduos, potencializar o uso dos produtos e regenerar os sistemas naturais.
A Economia Circular parte do entendimento de que os recursos são distintos em sua natureza e potencialidades. Portanto, eles têm aptidões distintas para serem aproveitadas ao máximo em um processo cíclico.
Quando falamos em recursos finitos, esse modelo considera, por exemplo, a partilha, manutenção, reuso, restauro ou remanufatura e, só depois, a reciclagem. Já os recursos renováveis possuem alto potencial para serem reaproveitados ou terem seus nutrientes disponibilizados novamente para a regeneração de ecossistemas ou produção de energia.
O STATUS DA CONSTRUÇÃO CIVIL BRASILEIRA
A aplicação dos princípios da Economia Circular e do Pensamento de Ciclo de Vida na construção civil está adquirindo forma, impulsionada por organizações e institutos de pesquisa localizados principalmente na Europa, Estados Unidos, China, Coreia do Sul e Japão. No Brasil, ainda estamos engatinhando. Mas já é possível observar um aumento em volume de pesquisa e de debates sobre o tema.
As oportunidades para reaproveitar os materiais de construção são diversas. É possível tanto adotar estratégias focadas nos materiais utilizados nas obras, quanto no produto imobiliário: a edificação.
Sobre reuso de materiais, podemos pensar, por exemplo, no reaproveitamento da massa em obra (chapisco, reboco), que pode passar por peneiramento para reintrodução no processo de preparação de outras massas.
Algumas construtoras já conseguem estabelecer contratos de logística reversa com grandes fornecedores de materiais, de forma que as embalagens possam retornar ao fabricante. Gradualmente alguns escritórios de arquitetura estão especificando materiais de reuso, oriundos de processos de demolição, dando vida nova ao que seria descartado. Além disso, há exemplos de canteiros que utilizam sobras de alimento dos refeitórios em compostagem, gerando adubo aproveitado no paisagismo ou em hortas instaladas na própria obra.
Por definição um canteiro de obras é um tipo de construção com vida útil baixa, pois ele deverá sair do terreno ao término de uma construção. Portanto, práticas que privilegiam a sua desmontagem ou o aproveitamento dos seus materiais em outras obras, é uma prática mais econômica (a longo prazo) e com menor impacto e emissões associadas.
Quando nos voltamos para as edificações, nos deparamos com incorporadores e investidores refletindo sobre a possibilidade de desmontagem de elementos estruturais (metálicos ou em madeira engenheirada). A ideia é permitir que, se necessário, no fim de vida útil, vigas, lajes e demais elementos estruturais e de fachada possam ser reaproveitados em outra edificação.
RESPONSABILIDADES E QUESTÕES NORMATIVAS
Por ser um tema novo, não há no Brasil leis e regulamentações que abordem de forma específica a Economia Circular. Situação diferente ocorre com a logística reversa.
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.º 12.305/2010), a logística reversa é um instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações que visam a coleta e restituição de resíduos sólidos ao setor produtivo para reaproveitamento ou para destinação final ambientalmente adequada.
A presença do “ou” nessa definição enfraquece a busca por destinações que agreguem maior valor ao material. Afinal, por “destinação ambientalmente adequada” pode se entender o envio de resíduos para aterros sanitários regularizados.
A lei estabelece obrigatoriedade de implementação de sistemas de logística reversa aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos seguintes setores: agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes, fármacos e eletrônicos. Infelizmente, ao setor da construção civil não há tal compulsoriedade.
Apesar da desobrigação legal, algumas empresas já estão desenvolvendo Programas de Responsabilidade Estendida visando tornar as sobras de seus produtos ou embalagens em material passível de aproveitamento.
A CONTRIBUIÇÃO DA ARQUITETURA PARA A ECONOMIA CIRCULAR
Os arquitetos têm um papel crucial no desenvolvimento e aprimoramento da construção civil em direção ao aproveitamento máximo das qualidades técnicas e ambientais dos materiais. Tanto eles, quanto engenheiros, são os principais motores do ponto de vista da demanda.
Além de especificar materiais que tenham sido fabricados com os princípios da Economia Circular, é importante que os profissionais avaliem o potencial para o reuso futuro dos componentes de seus projetos. Estamos falando sobre desmontabilidade, que consiste na característica de desmontar o elemento estrutural ou não-estrutural da edificação para ser reaproveitado em outro projeto ou situação. Exemplos desta prática são sistemas construtivos parafusados ou encaixados que podem ser desinstalados sem prejuízo à sua aparência e função.
O memorial de especificações também pode impulsionar a Economia Circular. Nesse ponto, o primeiro passo a ser dado pelos profissionais deve ser conhecer o desempenho ambiental e a constituição de cada produto especificado.
Para saber, por exemplo, se um produto possui conteúdo reciclado, basta solicitar esta informação aos fabricantes. É dever deles repassar esses dados de forma correta. Inclusive, há uma norma técnica específica para isto, a NBR ISO 14.021: rótulos e declarações ambientais. Durante o desenvolvimento dos projetos, é recomendável, também, avaliar se alguns elementos de acabamento ou arquitetônicos têm potencial para serem aproveitados.
Com relação aos fabricantes, há empresas realmente interessadas em se diferenciar das demais, em provar que possuem um desempenho ambiental melhor que outros. Vale lembrar que quanto mais tivermos produtos com sistemas de responsabilidade estendida implantados, mais bem posicionados essas empresas estarão em um mercado cada vez mais competitivo e rigoroso com questões relacionadas às metas ambientais, ESG (Environmental, Social and Governance) e compromissos de longo prazo.
Do ponto de vista financeiro, incorporar princípios da Economia Circular pode ser bastante vantajoso. Primeiramente, porque é um aspecto valorizado pelos consumidores. Depois, por agregar o máximo valor ao produto e às matérias-primas que o constituem, dentro de uma perspectiva de ciclo de vida.
As expectativas são positivas em relação a uma adesão cada vez mais ampla à circularidade, puxada pelas grandes empresas do setor, mas também pelos milhares de arquitetos e engenheiros com escritórios pequenos, responsáveis por movimentar o mercado brasileiro. Atualmente, os profissionais não têm mais justificativa para se isentarem de suas responsabilidades ambientais. A informação está disponível e a forma de aplicá-la requer engajamento e proatividade.