Claudio Moura e Castro Revista Veja edição 2219. Comentários do Blog. Esta postagem foi sugerida por Ary Chamon da TECNOCLEAN.
Não dá para passar em branco!
Estamos lutando na área da Qualidade Total desde o início dos anos 80. Nossos adversários: A indiferença dos administradores e a falta de capacitação e educação da força de trabalho. Em alguns momentos chegamos a pensar que a luta estava perdida, então vieram alguns estímulos externos via multinacionais, depois novas perdas em batalhas empresariais e neste momento aparecem os esforços do Premio Nacional da Qualidade PNQ e ISO 9000. A luta continuava, e os problemas também. Visitamos a Kawasaki Steel no Japão e voltamos ao ES cheios de ânimo e energia. Neste momento esta obsessão pela Qualidade adentra a CST e se espalha pelo ES e Brasil. Cria-se no nosso estado a UBQ União Brasileira para a Qualidade. Boas notícias. Neste meio tempo acontecem mudanças importantes no cenário brasileiro, e entre elas a privatização. O modo gerencial muda e muda também a questões da produtividade. Esperava-se que as mudanças pudessem atingir profundamente a cultura social, isto devidamente interligado ao modo de pensar e agir das pessoas, agora ligadas ao mundo pela internet. Mas, as mudanças não são assim tão fáceis, é preciso muito mais, é preciso uma mudança radical (que vem das raízes), é preciso que as pessoas mudem, para mudarmos o próprio país, e aí estão todos os escândalos políticos que nos assolavam e ainda nos incomodam. Afinal, o que é ético? O que é legal? Neste artigo de Claudio Moura e Castro sentimo-nos paralisados no tempo, ou quem sabe, 10 ou 20 anos atrás.
Vamos ao artigo, e faça sua reflexão: O PROFISSIONALISMO COMO RELIGIÃO.
Logo que me mudei para a França, tive de levar o meu carro para consertar. Ao buscá-lo, perguntei se havia ficado bom. O mecânico não entendeu. Na cabeça dele, se entregou a chave e a conta, nada mais a esclarecer sobre o conserto. Mais à frente, decidi atapetar um quartinho. O tapeceiro propôs uma solução que me pareceu complicada. Perguntei se não poderia, simplesmente, colar o tapete. O homem se empertigou: O senhor pode colar, mas, como sou profissional, eu não posso fazer isso. Pronunciou a palavra profissional com solenidade e demarcou um fosso entre o que permite a prática consagrada e o que lambões e pobres mortais como eu podem perpetrar.
Acostumamo-nos com a idéia de que, se pagamos mais ou menos, conseguimos algo mais ou menos. Para a excelência, pagamos generosamente. Mas lembremo-nos das milenares corporações de ofício, com suas tradições e rituais. Na Europa, e alhures, aprender um ofício era como uma conversão religiosa. O aprendiz passava a acreditar naquela profissão e nos seus cânones. Padrões de qualidade eram cobrados durante todo o aprendizado. Ao fim do ciclo de sete anos, o aprendiz produzia a sua obra prima (obra primeira), a fim de evidenciar que atingira os níveis de perfeição exigidos. Em Troyes, na França, há um museu com as melhores peças elaboradas para demonstrar maestria na profissão. Carpinteiros alardeavam o seu virtuosismo pela construção meticulosa das suas caixas de ferramentas. Na Alemanha, sobrevivem em algumas corporações de ofício as vestimentas tradicionais. Para carpinteiros, terno de veludo preto, calça boca de sino e chapéu de aba larga. É com orgulho que exibem nas ruas esses trajes.
Essa incursão na história das corporações serve para realçar que nem só de mercado vive o mundo atual. Aqueles países com forte tradição de profissionalismo disso se beneficiam vastamente. Nada de fiscalizar para ver se ficou bem feito. O fiscal severo e intransigente está de prontidão dentro do profissional. É pena que sindicatos, herdeiros das corporações, pouco se ocupem hoje da qualidade e virtuosismo. Se pagarmos com magnanimidade, o verdadeiro profissional executará a obra com perfeição. Se pagarmos miseravelmente, ele a executará com igual perfeição. É assim. ele só sabe fazer bem, pois incorporou a ideologia da perfeição. Não apenas não sabe fazer de qualquer jeito, mas a sua felicidade se constrói na busca da excelência. Sociedades sem tradição de profissionalismo precisam de exércitos de tomadores de conta (que terminam por subtrair do que poderia ser pago a um profissional com sua própria fiscalização interior). Nelas, capricho é uma religião com poucos seguidores. Sai bem feito quando alguém espreita. Sai matado quando ninguém está olhando.
Existe relação entre o que pagamos e a qualidade obtida . Mas não é só isso. O profissionalismo define padrões de conduta e excelência que não estão à venda. Verniz sem rugas traz felicidade a quem o aplicou. Juntas não têm gretas, mesmo em locais que não estão à vista. Ou seja, foram feitas para a paz interior do marceneiro e não para o cliente, incapaz de perceber diferenças. A lâmina do formão pode fazer a barba do seu dono. O lanterneiro fica feliz se ninguém reconhece que o carro foi batido. Onde entra uma chave de estria, não se usa chave aberta na porca. Alicate nela? Nem pensar! Essa tradição de qualidade nas profissões manuais é caudatária das corporações medievais. Mas sobrevive hoje, em maior ou menor grau, em todo o mundo do trabalho. O cirurgião quer fazer uma sutura perfeita. Para o advogado, há uma beleza indescritível em uma petição bem lavrada, que o cliente jamais notará. Quantas dezenas de vezes tive de retrabalhar os parágrafos deste ensaio?
Tudo funciona melhor em uma sociedade em que domina o profissionalismo de sua força de trabalho. Mas, isso só acontecerá como resultado de muito esforço em lapidar os profissionais. Isso leva tempo e custa dinheiro. É preciso uma combinação harmônica entre aprender o gesto profissional, desenvolver a inteligência que o orienta e o processo quase litúrgico de transmissão dos valores do ofício.
Em tempo: amadores não formam profissionais
Claudio de Moura Castro