Nosso blog Gestão e Resultados recebeu importante contribuição do amigo Machado, antigo conhecido dos tempos da FAAP em São Paulo, onde tivemos o lendário Victor Mirshawka como amigo comum.
Economista Luiz Alberto Machado escreve sobre a falência da Cultura, uma das grandes livrarias brasileiras. Machado é colaborador do Espaço Democrático, https://espacodemocratico.org.br .
“Com enorme tristeza recebi a notícia de que algumas editoras começaram a recolher seus livros nos espaços a elas destinados na loja da avenida Paulista da Livraria Cultura, que decretou falência.
Desde muito cedo apaixonado pela leitura, fui sempre frequentador de livrarias, tanto no Brasil como em viagens pelo exterior. Sendo assim, a falência da Livraria Cultura me levou a relembrar bons momentos de minha vida.
A primeira livraria que me veio à memória foi a Livro Sete, localizada no bairro da Boa Vista, em Recife. Estando na cidade para ministrar a parte econômica de um curso de formação política para estudantes nos primeiros anos da década de 1980, fui convidado por um professor local a conhecer a referida livraria. Fiquei encantado com a experiência, pois jamais havia estado num lugar como aquele. Inaugurada pelo livreiro Tarcísio Pereira, em 1970, num pequeno prédio de 20 m², a livraria mudou-se, em 1974, para um casarão na rua Sete de Setembro, onde atingiu o ápice, transformando-se por cerca de 30 anos num ponto de atração magnética da cultura do Recife. O modelo adotado pela Livro 7 era, já naquela época, o que prevaleceu muitos anos mais tarde nas livrarias: livre trânsito entre as prateleiras, com restaurante e poltronas para leituras.
À medida em que fui me dedicando cada vez mais à atividade acadêmica, frequentar livrarias tornou-se uma imperiosa necessidade, razão pela qual visitei estabelecimentos dessa natureza para tomar conhecimento das novidades nas áreas de meu interesse, participar de lançamentos e, evidentemente, adquirir livros.
Algumas dessas experiências ocupam lugar especial na minha memória. Uma delas ocorreu nos primeiros meses de 1985, quando permaneci por dois meses na Inglaterra a serviço da FAAP. Uma das atividades que me haviam sido solicitadas na ocasião era adquirir livros das diversas áreas da economia lá existentes e ainda não lançados no Brasil. Para cumprir essa missão, habituei-me a ir semanalmente à bookstore da London School of Economics. Lá, fui excepcionalmente bem atendido por um de seus vendedores que, ao tomar conhecimento da minha necessidade, providenciava regularmente a chegada de novos lançamentos e os deixava reservados para que eu pudesse adquiri-los na próxima visita.
Pouco tempo depois, numa viagem a Buenos Aires, fiz questão de ir com minha esposa à Livraria El Ateneo Grand Splendid, eleita pelo jornal britânico The Guardian uma das mais belas livrarias do mundo. Como não poderia deixar de acontecer, ela ficou maravilhada com aquelas lindas dependências.
Nessa mesma linha, vale registrar as visitas feitas à Livraria Lello, situada na rua das Carmelitas, no Centro Histórico da cidade do Porto, que se transformou num ponto de visita obrigatório para todos que passam por aquela bela localidade situada no Norte de Portugal.
Encerrando o ciclo de referências a livrarias estrangeiras, jamais esquecerei um acontecimento ocorrido na filial de Irvine, na Califórnia, da famosa Barnes & Noble, a maior livraria varejista dos Estados Unidos. Na oportunidade, presenciei uma cena hilariante: uma cliente já de idade avançada, repreendendo um funcionário da loja por ter vendido o último exemplar de um romance que ela estava lendo diariamente em suas idas à referida livraria.
Voltando a atenção aos estabelecimentos brasileiros, recordei-me dos inúmeros eventos de que tomei parte ou que pude acompanhar nas grandes livrarias surgidas há alguns anos, entre as quais FNAC, Cultura, Saraiva e Livraria da Vila. Quantas vezes não estive nos cafés existentes nas dependências de algumas delas para um bate-papo com amigos e colegas que, não raras vezes, comungavam dos mesmos interesses?
Por todas essas razões, não tem sido fácil testemunhar, inicialmente, a redução dos espaços destinados às filiais dessas livrarias nas ruas e nos principais shopping centers do País, seguida, tempos depois, pelo fechamento e encerramento das atividades.
Reconheço que os tempos mudaram, que novos hábitos surgiram, que a preferência pela leitura digital cresce a olhos vistos, que os custos fixos para a manutenção de amplas instalações físicas tornaram-se proibitivos e que a concorrência com as gigantes do e-commerce é extremante desigual. Esses, juntamente com as oscilações da economia, são alguns dos motivos que estão por trás das dificuldades enfrentadas pelas icônicas livrarias, cuja presença torna-se mais rara a cada dia.
De uma coisa tenho certeza: o desaparecimento das instalações físicas dessas livrarias – pequenas ou médias como as de antigamente ou grandes como as mais recentes – jamais apagará de minha memória os momentos inesquecíveis nelas vividos.”