Construção industrializada precisa vencer etapas para se consolidar

Alex Pandini

Foto: reprodução decorlit.com

 

Embora com alguns avanços nos últimos anos, a industrialização da construção civil ainda evolui abaixo da capacidade no Brasil. A proporção de construções industrializadas em relação às convencionais ainda é considera muito pequena pela maioria dos especialistas do setor. Para saber por que esse importante tema não evoluiu satisfatoriamente e a adoção de sistemas industrializados permanece pouco considerada na construção de edifícios e pelo mercado imobiliário em geral, o blog ouviu o engenheiro civil, professor na Escola Politécnica da USP e fundador da Construtora Urbic, Luiz Henrique Ceotto. Ceotto vai mapear os motivos e indicar soluções para superá-los.

 

Vamos à analise do especialista:

“Apesar de todo o esforço empreendido nos últimos 20 anos, a construção industrializada ainda ocupa um espaço irrisório no mercado. Isso ocorre basicamente por quatro motivos: custo das soluções industrializadas, falta de estímulos para empresas potencialmente usuárias do método, percepção dos riscos dos novos sistemas e, claro, a cultura do setor. Em relação a esse último ponto, um conjunto de mudanças que podem fomentar inúmeras oportunidades já está acontecendo em nossa economia. Um sinal disso é a realização de eventos que se propõem a debater o tema — como o Modern Construction Show, que acontece em outubro próximo, em São Paulo.

 

“Culturalmente, a construção civil brasileira voltada para imóveis residenciais baseia-se no uso intensivo de mão de obra barata e artesanal. A ideia de que a construção civil tem o papel de absorção intensa de mão de obra pouco qualificada tem sido a lógica norteadora do setor há um século. E foi a razão da adoção das políticas públicas, tributárias e de financiamento hoje vigentes.
Por conta disso, as escolas técnicas e de engenharia são mais voltadas para a construção convencional, e não formam pessoal para encarar e gerenciar novos processos.

 

“Como o mercado brasileiro de construção é muito pulverizado, isso dificulta muito sua organização para o enfrentamento desse desafio. Seria de se supor, então, que a modernização da construção fosse liderada pela indústria, já que nossa manufatura de componentes é constituída de poucos players bem mais capitalizados. Mesmo assim, isso só ocorre lentamente. A indústria ainda não consegue sentir os efeitos vantajosos dos investimentos nessa enorme oportunidade, o que adia o desenvolvimento de “produtos engenheirados” e, consequentemente, os benefícios de ter suas entregas como sistemas pré-engenheirados — e não como simples materiais.

 

O engenheiro civil e professor da USP, Luiz Henrique Ceotto. Foto divulgação.

 

Custos e interesse

“Com relação à composição dos custos, a participação dos impostos é relevante, pois os sistemas industrializados pagam ICMS e IPI, enquanto os convencionais pagam ISS. Essa assimetria faz com que a construção industrializada recolha de 20% a 30% mais impostos do que a convencional. A reforma tributária, quando completamente implementada, deve equilibrar essa situação, mas, hoje, uma saída para reduzir a diferença é o faturamento como serviço e materiais faturados diretamente entre fornecedor e o cliente final — embora isso seja questionável e possa não funcionar quando há deslocamento de produtos entre Estados.

 

“Os custos também são negativamente impactados pela produção em pequena escala, uma vez que o nível de padronização na construção é muito baixo, com pequenas quantidades de repetições em cada produto. Assim, os custos fixos e de desenvolvimento das fábricas incidem sobre poucos produtos, onerando muito seus custos unitários finais.
Sem falar que algumas construtoras só avaliam os custos diretos, e tudo se resume ao “custo por metro quadrado”. Custos indiretos com redução de prazos, manutenção e redução de riscos quase nunca são avaliados.

 

“Não menos importante é a instabilidade dos preços dos insumos dos produtos industrializados. O preço de materiais como aço, alumínio, plástico, madeira, entre outros, flutua muito em função da demanda de outras indústrias — como automobilística e de eletrodomésticos, por exemplo. Os produtores desses insumos básicos ainda não priorizam a estabilidade da indústria a jusante da cadeia, em função da maior lucratividade de outras aplicações.

 

“A maior agilidade, atualmente, também é “inimiga” do setor imobiliário, já que o financiamento bancário cobre no máximo 70% a 80% do valor do imóvel. Os 20% a 30% restantes devem ser pagos pelo comprador até o final da obra. Não há hoje — mas havia na década de 1980 — produtos financeiros que estimulem a poupança prévia e eduquem o cliente para a compra futura do imóvel. E como a capacidade de pagamento da população é muito baixa, as incorporadoras não têm outra opção senão aumentar o prazo das obras para que o comprador possa pagar. Com a industrialização da construção, essa lógica precisa mudar, já que tem como pilares justamente a alta produtividade e a rapidez.

 

O dilema do lucro

“O mercado imobiliário é avesso ao risco. As margens são muito baixas e as empresas, na sua grande maioria, são pouco capitalizadas e dependem diretamente do fluxo de entrada das vendas. Isso faz com que evitem o que possa afetar a percepção de solidez do empreendimento, exceto as inovações arquitetônicas.

 

“A atenção maior dos desenvolvedores de produtos imobiliários tem se voltado para as tendências arquitetônicas. Isso já é uma porta para o futuro. Resta agora perceber as mudanças também do mercado produtivo, e as novas técnicas de construção serem discutidas no planejamento estratégico das empresas.

 

“Esses avanços tendem a corrigir, também, inúmeras patologias comuns ao processo construtivo convencional — estruturas em concreto, alvenaria de tijolos, revestimentos argamassados etc. —, que, há que se reconhecer, raramente provoca grandes desastres. O mercado está acostumado com essas patologias e as considera “normais”, mesmo nas ocorrências mais sérias. Com a construção industrializada, até mesmo esses problemas tendem a ser superados.

 

“Já temos as condições e informações para mudarmos esse cenário. O setor precisa avançar, se modernizar e ter a produtividade, a eficiência e a agilidade como amigas.”

*Luiz Henrique Ceotto, engenheiro civil, professor na Escola Politécnica da USP e fundador da Construtora Urbic.

Foto de Alex Pandini

Alex Pandini

Alex Pandini é jornalista, tem 53 anos e mais de 3 décadas de experiência profissional em rádio, jornal, TV, assessoria de imprensa, publicidade e propaganda e marketing político. Além de repórter e apresentador na TV Vitória, é responsável pelo conteúdo da plataforma ConstróiES.