Advogado especialista em Direito Público e Civil, Eduardo Sarlo fala sobre “compra emocional”
O marketing agressivo pode ter uma repercussão jurídica significativa nas decisões de compra dos consumidores, especialmente quando esse tipo de abordagem ultrapassa os limites da ética e da legalidade. A legislação brasileira, principalmente por meio do Código de Defesa do Consumidor (CDC), protege os consumidores contra práticas comerciais abusivas, incluindo campanhas de marketing que possam induzir ao erro, criar pressões psicológicas indevidas ou omitir informações relevantes sobre o produto ou serviço. A partir desta quinta-feira (17/10), o blog Constrói ES publica uma análise detalhada do advogado especialista em Direito Imobiliário Eduardo Sarlo, uma verdadeira aula, dividida em três capítulos, sobre o tema. Começamos com um pingue-pongue no qual o profissional elenca as principais situações que envolvem o risco de arrependimento. Começamos falando de multipropriedade, também conhecida como time-sharing, que em resumo é uma modalidade de imóvel que permite a utilização de uma mesma propriedade (bem imóvel) por diferentes pessoas.
O que caracteriza uma “compra emocional” em situações como essa de multipropriedade?
Uma “compra emocional” em situações de multipropriedade (também conhecida como “time-sharing” ou “propriedade compartilhada”) é caracterizada por uma decisão de compra baseada mais em sentimentos e impulsos do que em uma análise racional e objetiva dos benefícios e custos envolvidos. Esse tipo de compra é comum em contextos onde a experiência de venda é projetada para estimular reações emocionais, que incluem:
1.Apelo ao estilo de vida: A venda de multipropriedade muitas vezes foca nos sonhos de férias perfeitas, liberdade de viajar, relaxamento e conforto. O comprador é levado a imaginar momentos felizes com a família e amigos, o que pode obscurecer a análise racional dos custos e responsabilidades.
2.Pressão do momento: Em muitas situações de vendas de multipropriedade, os vendedores criam um senso de urgência, como promoções exclusivas ou condições especiais que estão “disponíveis apenas naquele momento”. Essa pressão incentiva o comprador a tomar uma decisão rápida, baseada na emoção de não querer perder a oportunidade.
3.Ambiente envolvente: Apresentações de vendas de multipropriedade costumam ocorrer em ambientes atrativos, como resorts ou locais de luxo, onde os compradores são imersos em uma experiência agradável. O ambiente emocionalmente carregado pode influenciar a decisão de compra.
4.Valorização do status: O apelo emocional pode incluir o sentimento de pertencimento ou de status que vem com a posse de uma propriedade de férias compartilhada. A ideia de “ser dono” de um pedaço de um local desejado pode gerar uma emoção positiva.
5.Menos foco nos detalhes práticos: Em uma compra emocional, o comprador pode não considerar de maneira cuidadosa os detalhes financeiros, como as taxas de manutenção, as limitações de uso, a falta de flexibilidade ou o valor de revenda. A emoção do momento ofusca a análise objetiva dos termos do contrato.
Esses fatores juntos podem levar a uma compra feita mais por impulso emocional do que por uma análise prática e racional das condições envolvidas.
Os consumidores podem reclamar seus direitos e conseguir reembolso dos valores?
Sim, em alguns casos, é possível solicitar o reembolso de uma “compra emocional” de imóvel causada por propaganda excessiva ou enganosa, mas isso depende de vários fatores, incluindo as circunstâncias específicas da venda, a legislação aplicável e o comportamento do vendedor. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) oferece proteção para o consumidor em diversas situações, e aqui estão algumas considerações sobre quando o reembolso pode ser solicitado:
1. Propaganda enganosa ou abusiva
Se a propaganda utilizada para vender o imóvel foi enganosa ou abusiva, o comprador pode ter o direito de rescindir o contrato e ser reembolsado. O CDC considera propaganda enganosa aquela que induz o consumidor a erro, seja em relação à natureza, características, preço, ou qualquer outro aspecto essencial do produto ou serviço. A propaganda abusiva é aquela que explora o medo, superstição, ou induz o consumidor a um comportamento prejudicial.
•Exemplo: Se a propaganda promove o imóvel ou a multipropriedade com características que não correspondem à realidade (por exemplo, prometendo instalações ou benefícios que não existem), isso pode ser considerado propaganda enganosa.
2. Direito de arrependimento
O CDC garante ao consumidor o direito de arrependimento para compras realizadas fora do estabelecimento comercial, como pela internet, telefone ou em eventos promocionais, dentro do prazo de 7 dias após a assinatura do contrato ou o recebimento do produto. Esse direito se aplica também à compra de imóveis, se a transação for feita nessas circunstâncias.
•Exemplo: Se o consumidor adquiriu um imóvel ou uma fração de multipropriedade durante uma apresentação de vendas fora da sede da empresa, ele pode solicitar o cancelamento da compra e o reembolso integral dentro do prazo de 7 dias.
3. Vícios ou defeitos no contrato ou no imóvel
Se o contrato de compra e venda do imóvel tiver cláusulas abusivas ou se o imóvel apresentar problemas que não foram informados, o consumidor pode solicitar a rescisão do contrato e, em certos casos, ser reembolsado.
•Exemplo: Se as condições de uso da multipropriedade não forem claras ou se houver cobranças indevidas de taxas, o comprador pode argumentar que foi induzido ao erro e solicitar a devolução.
4. Venda com pressão emocional ou coação
Se o consumidor foi levado a tomar uma decisão de compra sob forte pressão emocional, seja por táticas de venda agressivas, urgência artificial ou promessas irreais, ele pode alegar que houve má-fé no processo de venda. Em algumas situações, isso pode ser motivo para questionar a validade do contrato.
O que fazer para solicitar o reembolso?
•Documente todas as comunicações e propagandas: Mantenha registros das promessas feitas, materiais publicitários, e-mails e qualquer outro tipo de comunicação que demonstre a indução ao erro.
•Notifique a empresa: Solicite formalmente o cancelamento do contrato e o reembolso, mencionando as razões (propaganda enganosa, venda sob pressão, etc.).
•Busque auxílio jurídico: Se a empresa se recusar a devolver o valor, pode ser necessário entrar com uma ação judicial, alegando violação ao Código de Defesa do Consumidor.
Em muitos casos, dependendo da situação, o Judiciário tende a proteger o consumidor, especialmente quando se demonstra que ele foi induzido a uma compra emocional através de propaganda excessiva ou técnicas de venda abusivas.
Em casos de disputa sobre a devolução de valores pagos na compra de imóveis, especialmente em situações de arrependimento ou cancelamento do contrato, a defesa (normalmente representada pela incorporadora ou vendedora do imóvel) pode apresentar uma série de argumentos para justificar a retenção parcial ou total dos valores pagos. Aqui estão alguns dos principais argumentos usados pela defesa:
1. Compensação de despesas administrativas e operacionais
Um dos principais argumentos usados pela defesa é que, ao firmar o contrato de compra e venda, a empresa incorreu em custos administrativos e operacionais, como a preparação de documentos, avaliação do imóvel, marketing e publicidade, bem como comissões de venda pagas a intermediários. Assim, eles alegam que é justo reter uma porcentagem dos valores pagos para cobrir essas despesas.
2. Multa contratual
A defesa pode argumentar que, conforme estipulado no contrato assinado, há uma cláusula de multa compensatória ou penal por rescisão unilateral do contrato. Essa multa costuma ser usada para justificar a retenção de parte do valor pago, já que foi previamente acordada entre as partes e tem o objetivo de compensar a empresa por possíveis prejuízos com o cancelamento da venda.
•Exemplo: É comum que os contratos de compra e venda prevejam multas de até 25% a 30% do valor pago em caso de desistência, especialmente para cobrir custos de revenda do imóvel e outros encargos relacionados à operação.
3. Perda de oportunidade de venda
Outro argumento comum é que a desistência do comprador causou uma “perda de oportunidade” para a empresa, já que, durante o período de vigência do contrato, a incorporadora ou vendedora deixou de oferecer o imóvel para outros potenciais compradores. A retenção seria, então, uma forma de compensação pela perda temporária da oportunidade de vender o imóvel para outra pessoa durante o tempo em que o contrato esteve ativo.
4. Uso ou gozo do imóvel ou da multipropriedade
Se o comprador teve a posse do imóvel ou utilizou as instalações, no caso de multipropriedade ou imóveis prontos, a defesa pode argumentar que parte dos valores pagos deve ser retida como compensação pelo uso ou usufruto. Isso incluiria o valor proporcional ao tempo em que o imóvel ficou à disposição do comprador, mesmo que ele tenha sido utilizado apenas parcialmente.
5. Cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade
A defesa pode argumentar que o contrato assinado possui cláusulas de “irrevogabilidade” e “irretratabilidade”, o que significa que, uma vez assinado, o contrato não pode ser desfeito por arrependimento ou por decisão unilateral do comprador. Nesse caso, a retenção dos valores pagos é justificada como consequência do descumprimento contratual.
•Exemplo: Essas cláusulas são comuns em contratos de compra de imóveis na planta ou em multipropriedade, e podem ser usadas para justificar a retenção, argumentando que o comprador, ao assinar o contrato, assumiu o compromisso irreversível de adquirir o imóvel.
6. Risco do negócio
A defesa também pode argumentar que o risco faz parte de qualquer negociação comercial, e que a empresa, ao reservar e preparar o imóvel para o comprador, assumiu certos riscos que precisam ser compensados caso o contrato seja cancelado. A retenção dos valores seria uma forma de equilibrar os prejuízos causados pelo cancelamento, considerando o risco de não concluir a venda.
7. Jurisprudência sobre retenção parcial
Em sua defesa, a empresa pode citar jurisprudências de tribunais que, em alguns casos, permitem a retenção parcial dos valores pagos. A defesa pode tentar demonstrar que a retenção de parte dos valores está em conformidade com o entendimento consolidado da Justiça, que reconhece o direito da incorporadora de reter uma fração do montante para cobrir os custos incorridos.
8. Dificuldade de revenda ou desvalorização do imóvel
A defesa pode alegar que, em virtude do cancelamento, o imóvel pode enfrentar dificuldades de revenda ou até sofrer uma desvalorização, principalmente se o mercado imobiliário estiver em queda ou se a rescisão ocorrer em um momento de crise econômica. A retenção de parte do valor pago seria uma forma de compensar o impacto financeiro causado pela desistência do comprador.
(continua na próxima sexta-feira 18/10)
Eduardo Sarlo é advogado, especializado em Direito Público e Civil.