Impactos da nova lei de licitações na paralisação de obras
Os dados oficiais mais recentes do TCU apontam um percentual de quase 40% de paralisação nas obras públicas. Mas, a expectativa do setor da construção é de que a nova Lei de Licitações pode contribuir para uma diminuição desse percentual.
Confira no artigo de Angélica Petian como a nova lei impacta positivamente nesse aspecto. Angélica é pós-doutora em Direito pela USP e sócia do Vernalha Pereira Advogados
Contribuições da nova Lei de Licitações
para o enfrentamento da paralisação de obras
*Por Angélica Petian
De acordo com estudo publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2022, uma das principais instituições responsáveis pela fiscalização dos cofres públicos no país, 37% das obras públicas federais, cujo andamento era esperado à época da realização do estudo, estavam paralisadas (“Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal: 2022”).
O TCU indica como causas desse cenário: deficiência de projeto, insuficiência de recursos financeiros, baixa capacidade institucional de ente subnacional para conduzir empreendimentos e baixa confiabilidade nos sistemas de informação e gerenciamento. Desequilíbrios econômico-financeiros nos contratos e a homologação de preços inexequíveis também figuram entre as principais razões das paralisações.
Tendo em vista esse importante diagnóstico, já é hora de enfrentar as causas apontadas. Nesse sentido, a entrada em vigor da Lei 14.133/21, nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que substituirá a Lei 8.666/93, trouxe mecanismos que podem auxiliar no enfrentamento da questão – embora houvesse caminho para avançar mais, criando um ambiente de maior segurança aos contratados.
Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
O Projeto que deu origem à nova Lei chegou a prever como condição para a expedição da ordem de serviço, para execução de cada etapa do objeto, o depósito em conta vinculada dos recursos para custear a respectiva etapa, a fim de garantir crédito para o pagamento.
Essa medida certamente contribuiria para reduzir o número de contratos paralisados por falta de planejamento financeiro adequado. Embora esse ponto não tenha sido mantido, porque foi objeto de veto, a nova Lei criou outros mecanismos para mitigar alguns dos problemas decorrentes da falha de planejamento.
A nova Lei incorporou as figuras da contratação integrada e semi-integrada. No caso da contratação integrada, a Administração contrata não apenas a execução da obra, mas a elaboração dos projetos básico e executivo e eventuais serviços de montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias para a entrega final do objeto. No caso da contratação semi-integrada, originária da Lei das Estatais – Lei 13.303/16, embora a Administração se responsabilize pela elaboração do projeto básico, compete ao contratado desenvolver o projeto executivo e executar obras e serviços de engenharia e tudo mais que seja necessário para a conclusão do objeto.
Diminuição de Problemas
Com a adoção destes novos regimes de execução, que permitem ao particular contribuir com o desenvolvimento do projeto, deve haver uma diminuição de problemas de execução contratual relacionados a falhas nos projetos de engenharia.
A nova Lei também intensificou a aposta no bom planejamento das obras, por meio da indicação de critérios rígidos a serem seguidos no anteprojeto, projeto básico e projeto executivo. Maior controle do projeto pode ser uma boa fórmula para evitar eventuais desequilíbrios econômico-financeiros do Contrato, que acabam se refletindo em aditamentos, prorrogações e paralisia na execução das obras.
No anteprojeto elaborado pela Administração, devem constar os referenciais mínimos para confecção do projeto básico. Entre outras coisas, o anteprojeto deve se preocupar com as justificativas para a obra face a experiências anteriores, assim como com os parâmetros mínimos a serem obedecidos para atender ao interesse público.
Projeto Básico
No projeto básico, por sua vez, a Lei se preocupou ainda mais com as condições de execução, prevendo, por exemplo, que sejam apresentadas as soluções técnicas globais e localizadas, em detalhes, de modo a evitar reformulações ou variações de qualidade, preço e prazos definidos. No projeto executivo, devem constar todos os elementos para execução completa da obra, de modo ainda mais detalhado do que no projeto básico.
A adoção das contratações integrada e semi-integrada não é, no entanto, tábua de salvação. Dados de auditoria feita pela Controladoria Geral da União, compreendendo os processos de contratação no Regime Diferenciado realizados pelo DNIT entre 2012 e 2014, revelam que 42% das contratações foram mal sucedidas.
Para além de o particular assumir mais riscos na contratação, o que pode inibir a participação, a orçamentação feita pela Administração a partir de anteprojetos tende a ser mais imprecisa, podendo gerar preços de referência destorcidos em relação à realidade e culminar em processos fracassados ou em contratos que não atinjam o termo final.
Outra estratégia para conter problemas durante a execução contratual pode ser identificada na fixação de critérios restritos para comprovação da exequibilidade da proposta. A nova Lei tem como uma de suas premissas evitar que propostas não sustentáveis economicamente sejam contratadas pela Administração. Tratando-se de obras e serviços de engenharia, são tidas como inexequíveis as propostas inferiores a 75% do valor orçado pela Administração. A princípio, tais propostas deveriam ser desclassificadas sumariamente.
Ponto de atenção
A questão, porém, continua sensível, pois as instituições encarregadas da fiscalização dos cofres públicos costumam entender que os patamares de exequibilidade não são absolutos. Para o TCU, sendo a presunção de inexequibilidade relativa, a Administração deve dar oportunidade para que o particular demonstre que sua proposta é realizável (Súmula 262/2010).
Esse entendimento vem sendo reiterado desde então pela instituição e por outros atores públicos ao redor do país. Na prática, ele acaba favorecendo o triunfo de propostas subdimensionadas, que acabam por aumentar o estoque de obras paralisadas.
Esse é um ponto que merece atenção. A letra do § 4º do art. 59 da Lei 14.133/2021 prescreve que, no caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
Evitando o sobrepreço
Trata-se de uma presunção absoluta de inexequibilidade. Nesse caso, que ampara o agente público a desclassificar a proposta e a deixar de perseguir o mito do menor preço. Aliás, o art. 11 da nova Lei coloca entre os objetivos do processo licitatório a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública (e não o de menor preço) e, ainda, evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis.
Não obstante a clareza da prescrição legal, é provável que os órgãos de controle mantenham o entendimento quanto à relatividade da presunção. Assim, aniquilando o ganho da nova lei e perpetuando a busca pelo menor preço a qualquer custo. Consequência desse entendimento é a ineficácia da licitação e contratação por não se entregar o bem objeto do ajuste à população.
A regulamentação infralegal poderia adentrar no tema, reiterando a natureza absoluta da presunção. E, com isso, dar mais um passo no enfrentamento do problema sobre a paralisação de obras. Problema que já foi devidamente diagnosticado, mas que parece ainda longe de ser solucionado.
Confira o relatório na íntegra em https://cbic.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Relatorio_RDC.pdf.
Da Redação, com informações da CBIC