Metade dos domicílios urbanos no Brasil não possui escritura

Alex Pandini

Foto: Gabriel Fernandes (divulgação).

A falta de clareza do marco regulatório tem feito incorporadoras perderem negócios nos grandes centros. Isso porque há escassez de terrenos com documentação rigorosamente em dia. Para se ter uma ideia, dos 60 milhões de domicílios urbanos do Brasil, 30 milhões não possuem escritura, de acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Os demais são disputadíssimos, e quem não tem capacidade para fazer com agilidade uma boa “due diligence” acaba ficando para trás.

 

A solução tem sido a adoção de ferramentas baseadas em Inteligência Artificial (IA), para acelerar o processo e possibilitar a tomada de decisões antes da concorrência. O advogado Marcelo Terra, especializado no assunto, explica um dos pontos de dificuldade. “Para efeito de incorporação imobiliária, eu preciso ter certidão referente aos últimos dez anos. Mas hoje, por um desvio de interpretação, o mercado exige que sejam estudados os últimos 20 anos, porque pode ter uma ação judicial envolvendo a área há 11, 15 ou 20 anos, o que aumenta a complexidade”. Marcelo é sócio fundador do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Advogados.

 

Ele diz que, em tese, bastaria tirar a certidão da matrícula, embora reconheça que a circunstância de insegurança leva à prática. “Eu aconselho a tirar todas as certidões possíveis, porque não se sabe qual será a interpretação, lá na frente, por exemplo, de um agente financiador. Será que ele fará a mesma avaliação que fizemos?” Adicionalmente, Marcelo Terra avalia que a expansão do escopo geográfico do estudo da documentação pode acrescentar mais camadas de complexidade à transação.

 

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AVALIAÇÃO DE RISCO

Marcia Bonilha, diretora do departamento Jurídico e de Compliance da Setin Incorporadora, reforça que apesar da concentração dos atos na matrícula do imóvel nada se sobrepõe ao princípio da boa-fé. Segundo Bonilha, uma vez avaliados os riscos existentes, assumir ou não depende do perfil de cada empresário. É aí que a tecnologia se mostra decisiva. “Com um clique a gente visualiza a matrícula, em dez segundos dá para saber quem é o proprietário do imóvel. Se tem algum ônus gravado, uma hipoteca, uma penhora, uma alienação fiduciária. Então, dá para fazer essa seleção rapidamente, descartar ou não descartar o caso logo no começo da due diligence”, analisa.

 

A necessidade de agilidade e precisão no processo de due diligence se explica não apenas porque a concorrência é acirrada, o que exige rapidez, mas também porque os terrenos representam, em média, de 20% a 30% do valor total do empreendimento, sendo sua real matéria prima: algum apontamento jurídico não identificado antes da aquisição pode atrasar, encarecer ou até mesmo inviabilizar o projeto de incorporação vislumbrado.

 

As plataformas com automação e inteligência artificial ajudam também na avaliação de potenciais negócios com custo menor e maior eficiência. Renata Soares, sócia fundadora e CSO da Port Louis, afirma que os advogados deveriam investir seu tempo onde existe maior valor cognitivo no processo, ou seja, a análise dos dados já compilados. “Ao buscar a documentação tradicional nos emissores, além de outros dados relevantes técnica e juridicamente sobre o imóvel, nossa solução acelera o trabalho e ainda deixa explícitos os fatores preocupantes que merecem a atenção prioritária dos advogados envolvidos nas análises e decisões”, diz.

 

Marcelo Terra afirma que a IA tem suma importância na busca e tratamento da informação, que chega mastigada para que o ser humano avalie e tome a decisão mais adequada. “A tecnologia é a melhor maneira de sermos ágeis e precisos, apesar da burocracia e da legislação falha”, vaticina.

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Alex Pandini

Alex Pandini é jornalista, tem 53 anos e mais de 3 décadas de experiência profissional em rádio, jornal, TV, assessoria de imprensa, publicidade e propaganda e marketing político. Além de repórter e apresentador na TV Vitória, é responsável pelo conteúdo da plataforma ConstróiES.