O que os estudantes aprenderam na pandemia?
Com a crise, a renda do trabalhador brasileiro caiu 4,1% em 2020, de acordo com o IBGE. Contudo, a conta paga pelo setor privado ficou ainda maior, se considerarmos que houve aumento de diversos penduricalhos para servidores públicos.
Entre eles, recentemente o Ministério da Economia criou o chamado “teto duplex”, que permite a servidores públicos aposentados receberem acima do teto constitucional de R$ 39,2 mil quando ocuparem cargos comissionados ou eletivos. Muito além do impacto nos cofres públicos, que em 2021 custará R$ 181,32 milhões, a medida gera revolta por ser adotada enquanto a maior parte da população sente no próprio bolso os efeitos da crise.
Aposentadoria integral, assistência médica, auxílio-paletó e auxílio moradia. Esses são apenas alguns dos privilégios recebidos pelo alto escalão do funcionalismo público brasileiro. Mas o que justifica os penduricalhos aumentarem em plena crise econômica?
“A explicação para essa medida é a mesma de todo privilégio criado, mesmo em períodos de normalidade. Em primeiro lugar, numa dimensão psicológica, políticos e servidores consideram-se superiores à sociedade que lhes paga compulsoriamente os privilégios”, afirma o cientista político Bruno Garschagen, autor de best-seller Direitos Máximos, Deveres Mínimos – O festival de privilégios que assola o Brasil, onde explorou a temática.
“Além disso, em uma dimensão política, eles têm o poder de decisão e o poder de pressão organizada e influente por meio de servidores”, complementa.
Apesar de não parecer um valor expressivo frente aos gastos da União, medidas como a flexibilização do teto remuneratório podem ter um impacto considerável ao longo do tempo, uma vez que esses valores devem integrar o cálculo para benefícios previdenciários desses servidores. Outro ponto importante é a falta de percepção da realidade. Em plena pandemia, com brasileiros perdendo a vida, emprego e renda, boa parte do poder público está preocupado em aumentar seus rendimentos.
“Há incentivos para que políticos e servidores busquem e estabeleçam seus privilégios, pois sabem que podem fazê-lo e que não serão punidos nem pela sociedade e nem pela crise. Integrantes temporários ou permanentes de todas instituições estatais se beneficiam e se protegem mutuamente”, acrescenta Garschagen.
Na verdade, mesmo antes da pandemia esses valores seriam discrepantes, visto que de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda média do brasileiro foi de R$ 1439,00 em 2019. Nesse mesmo ano, 44% dos servidores federais recebiam mais de R$ 10.000,00 por mês, 22% tinham uma remuneração de mais de R$ 15.000,00 e 11% recebiam mais de R$ 20.000,00 por mês. Essas são algumas anomalias naturais do país.
Mas como superar esse problema? Garschagen explica que, dadas as especificidades e gigantismo do problema no Brasil, há grande dificuldade de reverter esse quadro de excesso de privilégios. “O mais adequado é coletar exemplos diversos de países distintos e adaptá-los à nossa realidade. Há experiências interessantes em países como Portugal, Espanha, Chile, Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia, Irlanda, Suécia e Noruega, descritas em estudos como o da OCDE e que conseguiram mudar uma realidade parecida”, explica.
“O grande obstáculo para alterar os incentivos negativos e fazer reformas é o político, que não quer contrariar o servidor. O que fazer? Bons estudos, bons projetos de reforma, pressão da sociedade e atuação política”, conclui.
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