Como o mercado está analisando a economia?
Até o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entrou no mercado de capitais. Recentemente a instituição captou R$ 17,5 milhões a partir da emissão de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), que financiará a agricultura familiar e a produção de alimentos biológicos de 13 mil agricultores.
Mas por que os “inimigos” do mercado financeiro agora se juntam à turma dos “rentistas”, como eles próprios chamam? Apesar disso, o fato só mostra como o mercado é democrático.
No mercado de capitais, os agentes poupadores emprestam seus recursos diretamente aos agentes que necessitam de recursos a fim de realizar suas operações e atividades. Esses movimentos ocorrem por meio da intermediação de instituições financeiras, como bancos de investimento. Assim, essas entidades, por exemplo, estruturam operações, oferecem liquidez, captam clientes e distribuem valores mobiliários.
Nesse sentido, o produto do MST foi estruturado, mas o CRA em questão possui algumas peculiaridades que chamam a atenção. Ele renderá, por exemplo, apenas 5,5% ao ano, com um duration (vencimento) de cinco anos. O valor é menor do que a taxa Selic, em um momento em que não é muito difícil achar outros títulos pré-fixados no mercado que estão pagando aproximadamente 12%, ou títulos de IPCA+5%, isto é, que garantem uma rentabilidade real.
Além disso, o CRA é uma classe de ativos que não possui cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), um seguro contra calote de até R$ 250 mil. Não é difícil encontrar produtos como Letras de crédito imobiliário do agronegócio (LCI) e (LCA) e CDBs (Certificado de Depósito Bancário)
E, como o montante da emissão do CRA do MST é relativamente baixa, não houve análise de risco desse investimento, comum em grandes emissões. Assim, quem investiu no CRA do MST terá de confiar no único lastro possível: a produção futura das cooperativas. Fica a torcida para que dê certo, ou muitos investidores incorrerão em prejuízos financeiros!
Contudo, se o risco não está bem dimensionado e a rentabilidade não reflete esse cenário, por que acreditar no papel?
Foi o que fizeram 1.518 pessoas físicas, que confiaram no ativo, o que significa um ticket médio aportado de R$ 9,5 mil. Além disso, houve um único investidor que aportou R$ 3 milhões — muito provavelmente, um admirador do MST.
Segundo matéria da Exame Invest, quando questionado sobre a baixa rentabilidade do CRA, o responsável pela estruturação afirmou que trata-se de “um novo paradigma” e que “a Faria Lima e os bancões não entenderam ainda”. Para ele, as pessoas não podem apenas olhar o risco retorno dos investimentos, pois isso seria “egoísta”.
A assertiva pode ser considerada controversa, mas ela permite uma sinalização relevante acerca do mercado de capitais: independente de concordar ou não com a opinião do MST, o fato é que a ascensão do dinheiro é democrática; nunca foi tão fácil conectar ideias de projetos de todo tipo com quem tem dinheiro para financiá-las. Isso vale até mesmo para um movimento cuja narrativa política afirma que a Bolsa de Valores “financia nossa miséria”, como fizeram em invasão na B3 em setembro.
O mercado de capitais é belo!!!
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