A reação do mundo político às críticas de Lula à independência do Banco Central
Uma das propostas prioritárias do governo Lula e que foi editada nos primeiros dias do ano como parte do plano de Fernando Haddad para diminuir o déficit previsto para 2023 tem gerado muita controvérsia em Brasília.
Trata-se de uma Medida Provisória que mudou uma regra aprovada pelo Congresso Nacional na legislatura passada e que favorecia os contribuintes em casos controversos analisados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Diante das críticas de integrantes do governo à política de juros do Banco Central, capitaneada pelo presidente Lula, o ministro da Fazenda Fernando Haddad até justificou que, entre outras ações, a MP 1.160/23 mostrava comprometimento com a responsabilidade fiscal por parte do governo, criticando o duro tom da Ata do Copom.
Contudo, além das complexas normas tributárias e todo o custo para segui-las, o pagador de impostos perde também um dispositivo que o beneficia ao recorrer quando não concorda com alguma autuação do Fisco, além de gerar insegurança jurídica ao se contrapor a uma norma que foi alterada recentemente pelo Congresso Nacional.
Quando uma pessoa física ou jurídica recebe um auto de infração fiscal, pode recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Dessa forma, os casos são analisados por uma equipe técnica de oito representantes, sendo quatro de representantes do Fisco e outros quatro dos contribuintes.
Ocorre que nos casos mais complexos, em que há dificuldades na interpretação das complexas normas tributárias, é possível que ocorra empate nas decisões. Nesse sentido, desde 2020, há uma regra que, em casos de empate, o pagador de impostos é favorecido, com o chamado Voto de Qualidade. Ou seja, em casos complexos em que não há consenso, a decisão favorece quem entrou com o recurso.
Contudo, uma das primeiras medidas do governo Lula foi editar a MP 1.160/23 para que, em caso de empate, o beneficiado volte a ser o Fisco. A justificativa é que a regra traz prejuízos arrecadatórios.
Todavia, a avaliação de tributaristas em geral tem sido de que a medida é danosa ao ambiente de negócios porque geram instabilidade e atrapalham o planejamento tributário das empresas
Além disso, tratar o Carf como fonte arrecadatória é um desvio de finalidade porque a função dele deveria ser prezar pela segurança jurídica.
Vale ressaltar ainda que a alegação do governo de que desde 2020 há um prejuízo arrecadatório de R$ 59 bilhões/ano é controversa, pois não houve transparência na divulgação desse indicador, de forma que o número divulgado não é confiável.
A grande discussão deveria ser porque há tantos pedidos de recursos no Carf. É a avaliação de advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, famosa pelo perfil satírico Duquesa de Tax. “O que ninguém está dizendo é que são muito raros os casos de empate. São casos extremamente complexos, interpretativos. E com o voto de qualidade você dá a vantagem do desempate justamente para quem deveria zelar pela clareza das normas tributárias. A relação contribuinte e fiscal não deve ser pautada em nós contra eles e sim de uma busca pela segurança jurídica e objetividade das normas. Todo mundo sai ganhando, principalmente a economia do país”, explica.
“A questão do CARF já foi decidida no Congresso quando tinha alguns excessos. Do jeito que está não está bom. E do jeito que estava era pior. Precisamos de um caminho alternativo”, declarou o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) a respeito da análise da MP. Segundo Lira, o assunto será tratado junto a associações de grandes empresas, o governo e advogados.
Entre os pontos mais controversos da MP para os parlamentares está a restrição de quem pode interpor recursos no Carf. Atualmente, o CARF somente pode julgar ações em que estão envolvidos valores maiores do que 60 salários mínimos (R$ 78 mil), mas a MP alterou o limite para mil salários mínimos (R$ 1,3 milhão).
Nesse sentido, excluiu-se as micro, pequenas e boa parte das médias empresas que ficariam impossibilitadas de ingressar com ação junto ao Conselho, isto é, 98% das empresas do país. Na prática, isso deve sobrecarregar o Judiciário, em processos que podem demorar mais de uma década para recorrer. Outro problema é que para tanto é preciso fazer depósito a título de caução no valor da discussão tributária, prejudicando o fluxo de caixa das companhias.
Dessa forma, o governo Lula está pressionado a ceder em alguns pontos da MP, sob pena dela ser rejeitada ou caducar no parlamento. Uma estratégia a ser adotada é a liberação de emendas para os parlamentares recém empossados.
Enquanto isso, a questão foi judicializada pelo Progressistas e Republicanos, que ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da MP.
Na ação, os partidos argumentam que ela não atende os pressupostos formais da relevância e urgência e fere os princípios da separação dos poderes e da presunção de inocência. Além disso, os partidos ainda argumentam que a alteração da regra, já definida pelo Congresso, gera um cenário de insegurança jurídica.
“O voto de qualidade deve impactar o resultado de diversas teses a serem julgadas no âmbito de CARF, o que faz com que a jurisprudência do órgão seja completamente instável”, diz a ação.
O fato da ação ter sido movida por dois importantes partidos do Centrão é um termômetro de como o governo Lula terá que se articular para aprovar a matéria. Afinal, as legendas somam 89 deputados, e deve haver resistência em outras agremiações como o PL e o União Brasil.
A MP precisa ser votada até 1 de junho para não caducar.
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