Os desafios do modelo político atual
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, na última quarta-feira (19), manter a taxa Selic em 10,50% ao ano. A unanimidade em torno da manutenção dos juros mostra uma clara opção do grupo de indicados pelo presidente Lula (PT) em reduzir os ruídos em torno da política monetária e demonstrar comprometimento em tentar reancorar as expectativas inflacionárias.
A fala do chefe do Planalto, na véspera, sobre Roberto Campos Neto, a atuação do BC e a necessidade de que seu sucessor não se submeta aos nervosismos do mercado, torna a decisão unânime também um gesto de autonomia política por parte de Gabriel Galípolo, Ailton Aquino, Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira. Os dois primeiros são cotados para assumir a presidência da instituição em 2025. O que esperar agora?
Em suas projeções, o Banco Central vê o IPCA em torno de 4% neste ano, com pouca influência das decisões de juros, e em 3,4% em 2025, no cenário em que os juros seguem o previsto na pesquisa Focus, e 3,1% mantida a Selic constante até o fim do ano que vem. Essas projeções justificam tecnicamente a decisão de manter a taxa básica de juros, ainda que isso signifique uma taxa real elevada para padrões internacionais.
Com o apoio dos quatro indicados de Lula, a posição de Campos Neto como autoridade monetária, após os ataques do presidente da República, acaba saindo fortalecida. Politicamente, a crítica às jogadas do chefe do BC faz sentido, mas o colegiado do Copom dá um recado de que a postura mais conservadora na política monetária não estaria sendo usada como uma espécie de “orquestração da direita”, como insinuou Lula após a honraria recebida por Campos Neto em solenidade promovida pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). A maior cautela deriva apenas de uma reação à deterioração dos preços de ativos, especialmente a taxa de câmbio, que tem impactos na inflação.
Ainda é cedo para saber quais serão os efeitos para o diretor de política monetária, Gabriel Galípolo. Até agora tido como favorito para suceder Campos Neto, essa posição começou a ser corroída nas últimas semanas, com o receio de que o mercado possa forçar um nome mais ortodoxo. A fala de Lula ao mencionar que quer alguém “calejado”, indicando uma prioridade por mais experiência e peso político, reforçou a leitura de que o favoritismo de Galípolo diminuiu, ainda que ele seja até o momento o principal nome para a função.
O diretor, porém, tem perfil para transitar no complexo equilíbrio entre lidar com o mercado e com a política, e nessa reunião mostrou disposição de ir contra o desejo de Lula, o que o desgasta politicamente no curtíssimo prazo, ao mesmo tempo que o ajuda a recuperar credibilidade após a decisão de maio. Entretanto, há buscas por outros nomes, seja um de perfil mais ortodoxo, seja alguém percebido como aliado pelo Palácio do Planalto.
A escolha do presidente do Banco Central em um governo de esquerda é mais complicada politicamente. Lula quer dar maior peso ao crescimento econômico dentro do modelo decisório da autoridade monetária, assim como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). E o mercado financeiro teme que isso signifique um risco de “tombinização”, na qual o BC negligenciaria o cumprimento das metas de inflação.
De qualquer forma, se hoje os quatro indicados de Lula fizeram um papel de tentar frear as tensões no front financeiro ao se alinhar na decisão e no discurso, essa tarefa ainda precisará ser completada no governo. A despeito da fala presidencial contra Campos Neto, a mensagem fiscal começou a ser redirecionada, ou ao menos questionada. O governo tem sido pressionado na discussão do gasto público e tentando mostrar maior comprometimento com as metas de resultado primário e com o arcabouço fiscal. Ainda há caminho a ser percorrido, mas um novo passo para esfriar a crise foi dado pelo Banco Central.
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