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Faz a Conta

por Tamires Endringer

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A “DEMISSÃO BIG BROTHER”

Em maio último uma decisão proferida pela Justiça do Trabalho de Fortaleza[1] causou alvoroço e espanto no meio corporativo, jurídico e, especialmente, naquele que trabalha justamente com a atuação das organizações pautada na conformidade, o compliance.

 

Diversos meios de comunicação veicularam notícia sobre conduta no mínimo curiosa adotada por empresa de turismo sediada em Fortaleza/CE: a dispensa de seus empregados por meio de “paredão”. Trata-se de verdadeira inovação, totalmente inspirada no reality show “Big Brother Brasil”, mas sem qualquer precedente ou respaldo jurídico, muito menos coerência, ética, empatia, razão e sensibilidade.

[1] No processo n. 0000308-70.2020.5.07.0016.

Razão, sensibilidade, Direito e compliance

Aliás, a novidade nos remete ao romance escrito por Jane Austen em 1811, “Razão e Sensibilidade”, que retrata o antagonismo entre os sentimentos das irmãs Dashwood e que faz saltar aos olhos como a demissão por paredão amplamente divulgada foi uma conduta completamente desprovida de ambos os sentimentos que dão nome à obra. Enquanto Elinor sempre coloca seus sentimentos em segundo plano e age de acordo com a razão e a lógica, Marianne é pura emoção e sensibilidade e se entrega de corpo e alma aos seus sentimentos. A dispensa, como feita, apresentou um misto de comportamento e sentimentos inadmissíveis dentro das organizações: despreparo, falta de sensibilidade e de razoabilidade, desrespeito, desconhecimento da legislação trabalhista em vigor, e por aí vai. Em poucas palavras: uma bela “trapalhada”. Evidentemente, a novidade rendeu problemas judiciais trabalhistas para a empresa, já que os empregados dispensados se sentiram humilhados e expostos ao ridículo, valendo dizer que alguns deles inclusive apresentaram sintomas de depressão, de modo a permanecerem em tratamento mesmo após meses do lamentável episódio. Em uma das ações ajuizadas contra tal empregador, na qual se buscou (e se obteve!) reparação por danos morais, além de diversos outros pedidos (os quais também foram obtidos), detalhou-se como o “evento” era realizado: todos os empregados eram convocados pelo gestor a uma reunião na qual, em estando todos presentes, dava-se início a uma verdadeira carnificina demissional corporativa: os próprios empregados eram obrigados pelo superior hierárquico a  (a) indicar um colega para ser dispensado; e (b) explicar o motivo da indicação ao “paredão”. Ao fim, o colaborador mais votado era simplesmente desligado da empresa. Detalhe: se porventura o empregado se recusasse a votar, também era dispensado. Tal prática é de arrepiar os cabelos, e poderia servir como um belo enredo para mais um livro de Jane Austen. Todavia, atitude como esta tem sido mais comum do que se imagina e não é a única a chamar atenção nos últimos tempos. Dispensas por intermédio de mensagem em grupo de WhatsApp da organização; por e-mail e no dia que finda a estabilidade da gestante (cinco meses após o parto); ou mesmo aquela nem informada ao trabalhador, o qual somente descobre que foi dispensado ao tentar, e não conseguir, ingressar em seu local de trabalho passando seu crachá na catraca. Situações como essas são extremamente constrangedoras, vexatórias e humilhantes aos empregados. Denunciam como os empregadores estão despreparados para lidar com pessoas; como as organizações empresariais deixam escorrer pelos dedos a oportunidade de preparar seus prepostos, superiores hierárquicos, colaboradores e, agindo em “desconformidade”, acabam atraindo problemas internos relativos à gestão de pessoas, ao excesso de rotatividade (turnover), assim atrapalhando a cultura organizacional e tornando as empresas rés em demandas judiciais (para não falar no dano à sua imagem pública). O Brasil é recordista no número de reclamações trabalhistas: segundo informações constantes no relatório “Justiça em números” produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[1], somente em 2019 os Tribunais Trabalhistas receberam nada mais nada menos que 2.898.238 (dois milhões, oitocentos e noventa e oito mil, duzentos e trinta e oito) ações ajuizadas por empregados em desfavor de seus empregadores. Os números acima denunciam que a grande maioria das organizações empregadoras ainda concentra esforços no propósito de reduzir custos e alavancar seus resultados financeiros. Esquecem-se de olhar a empresa como um todo e deixam à margem do planejamento estratégico tanto a governança corporativa, quanto a gestão de riscos e o compliance. Como consequência, experimentam o sabor amargo do despreparo de seus gestores, da falta de políticas internas, do passivo trabalhista e da mancha na reputação/imagem do empreendimento no mercado. Esse é o contexto no qual a relevância do compliance emerge inquestionável: sua implementação busca justa e precisamente evitar problemas como os encimados (além de diversos outros), na medida em que oferece ao empregador vasto número de ferramentas capazes, por intermédio do treinamento dos colaboradores, da capacitação de seus gestores, da aplicação de medidas disciplinares quando cabível e necessário, da criação de um ambiente de trabalho atento às normas de segurança e saúde do trabalhador e também da gestão de riscos ocupacionais, de proporcionar a criação de cultura ética, respeitosa e transparente dentro da organização. Além de investir em ações de engajamento, melhora do clima organizacional, redução de turnover, elaboração de Código de Conduta e Regulamento Interno, treinamentos e monitoramento, é primordial o investimento na qualificação emocional dos gestores e dos prepostos da organização. Não se pode esquecer que eles também são pais, mães, ou seja, pessoas comuns, as quais também têm problemas pessoais e que, destarte, precisam receber o treinamento adequado à ocupação de posição de liderança e aprender a desempenhar essa função ponderando sempre a tomada de decisões pautada na ética, na razão e na sensibilidade. Nesse sentido, para a Presidente da Comissão Permanente de Estudos de Compliance do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e Presidente da Comissão de Estudos de Gestão de Terceiros do Instituto Compliance Brasil, Rogéria Gieremek[2] "O cenário empresarial e o ambiente regulatório trabalhista estão cada vez mais complexos, afetando diretamente as relações profissionais. O fato requer atualizações constantes nas políticas internas das empresas." Aplicado na criação e na manutenção de um código de condutas comportamentais da companhia, o compliance trabalhista entra em cena para imunizar a atmosfera corporativa contra práticas antiéticas e ilegais, atendendo à necessidade das corporações de se manterem pautadas na ética e na legislação vigente. Vê-se, pois, que uma maior atenção aos processos de gestão de pessoas dentro das corporações é sempre bem-vinda, já que muitos atritos originadores de demandas trabalhistas nascem de pequenos (e corriqueiros) problemas de relacionamento entre colegas de trabalho, principalmente entre gestores e subordinados que, sem receber treinamento pela organização, confundem razão com humilhação, e sensibilidade com amizade. Especialmente hoje, em que se vive em mundo cada vez mais globalizado e se participa de um mercado cuja atuação por vezes equivale a de um verdadeiro agente fiscalizador. Assim, empreender com vista apenas ao lucro se mostra antiquado, obsoleto. Limitar a atuação da organização a idéias ultrapassadas é abreviar sua permanência no mercado, especialmente quando se verifica a existência de expedientes tais qual a “cultura do cancelamento”, a qual consiste na exclusão, por determinados grupos, de pessoas, empresas e marcas das redes sociais como sanção a comportamentos reprováveis por elas eventualmente adotado[3]. À guisa de exemplo, vale citar o recente caso relativo a “Karol Conká”, a qual se viu “demitida” no verdadeiro paredão do BBB com recorde de rejeição (99,17% de votos), o que gerou prejuízo à sua imagem pública e, pois, a perda de milhões de seguidores nas redes sociais, de patrocínios, de contratos publicitários e de um programa de televisão apresentado no canal GNT. Em outras palavras, o cancelamento é um dos piores danos de que se pode sofrer no mercado atualmente, pois equivale à morte simbólica. A adoção das ferramentas do compliance pelas organizações, sejam elas pequenas, médias ou grandes, levam à sua profissionalização, tornando-a consistente, sadia, ética, saudável, além de servir como instrumento de comunicação efetiva com o trabalhador, redução de custos e da judicialização, oferecendo à empresa a reputação e a imagem esperadas pelo mercado, além de capacitar os líderes na gestão de pessoas. A implementação do programa de conformidade certamente será um diferencial da organização no mercado, permitindo a tomada de decisões saudáveis e equilibradas, pautadas na legislação, razoabilidade e com um toque de sensibilidade. Vê-se, portanto, que por meio de ferramentas criadas para cada empreendimento e considerando suas particularidades e maiores necessidades, o compliance consegue condensar o que cada uma das irmãs Dashwood apresentam como característica marcante e pessoal: a racionalidade de Elinor, aliada à legislação e às normas para sustentação das decisões da organização, e a  sensibilidade e delicadeza de Marianne Dashwood ao trato com as pessoas, levando equilíbrio às relações interpessoais e deixando o ambiente de trabalho mais ético, respeitoso e, consequentemente, mais produtivo. Este artigo foi escrito por Paula Dalla Bernardina Folador Seixas Pinto, Advogada sócia em Dalla Bernardina & Seixas Pinto Advogados, e Flávia de Sousa Marchezini, Advogada e Consultora – OAB/ES nº 8.751, Professora Me. de Direito Ambiental,  Direito Urbanístico e Compliance nos cursos de Graduação e Pós-graduação- FDV [1]Disponível em: <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT >. Acesso aos 23/04/2020. [2] Em artigo intitulado “Compliance trabalhista”, disponível em <https://compliancebrasil.org/compliance-trabalhista/. Acesso aos 02/06/2021. [3] Via de regra afins a demonstrações de racismo, homofobia, à sujeição de trabalhadores a condições de trabalho análogas à de escravo, a testes de produtos e cosméticos em animais, dentre outras.