Por Roberta Valiatti Ferreira
Na verdade, infelizmente, não há resposta para essa pergunta, simplesmente porque o Legislador Brasileiro não tem foco!
Recebo diariamente um “push” do site do Planalto indicando as normas de competência da Presidência da República que tenham sido disponibilizadas em sua página da internet. São especialmente leis, decretos e medidas provisórias.
Semana após semana — ainda — me surpreendo com o que é produzido pelo nosso Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente: uma das produções que me chamou atenção foi a Lei nº 14.198, de 02 de setembro de 2021, que obriga os serviços de saúde a proporcionarem uma videochamada diária aos pacientes internados em enfermarias, apartamentos e unidade de terapia intensiva. Embora imponha tal obrigação, a lei resguarda a necessidade de haver autorização do médico, o qual poderá, justificadamente, contraindicar tal prática.
A lei ainda ressalva a necessidade de observância dos protocolos sanitários e de segurança dos equipamentos utilizados, assim como a observância da “confidencialidade dos dados e das imagens produzidas durante a videochamada” (ora, imagem é um tipo de dado!).
Ora, será que nenhum dos atores envolvidos no processo legislativo percebeu que uma norma como essa só pode atrapalhar a vida do cidadão brasileiro? Se cabe ao médico decidir sobre a viabilidade da videochamada a um determinado paciente, a menor justificativa poderá ser suficiente para afastar o novo “direito” conferido aos pacientes e às suas famílias, tornando inócuo o trabalho de nossos Congressistas, do Presidente da República e dos seus vários — e excessivos — assessores envolvidos em mais uma lei.
Além do desperdício de dinheiro do contribuinte nesse processo, criou-se mais um motivo para promover disputas no Judiciário, nos órgãos de proteção do consumidor e na Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em outras palavras, mais um motivo para desperdício do meu e do seu dinheiro.
Veja, não questiono o efeito reconfortante que uma videochamada possa trazer para os pacientes internados, isolados, e suas famílias. Vivemos em um momento muito delicado de saúde pública, e as práticas que visem facilitar o contato entre as pessoas são sempre muito bem-vindas. Mas realmente é necessário obrigar um hospital a prestar esse serviço e manter uma estrutura para tal, especialmente quando o médico pode negá-lo?
Não seria essa mais uma questão para deixar que as partes envolvidas negociem de modo independente? Ou deixar que o mercado se regule, de modo que os prestadores de serviço ofereçam as videochamadas como um diferencial? E será que, em meio a tantas tragédias diárias, os profissionais de saúde precisam se preocupar com mais esse encargo?
O Brasil precisa urgentemente de reformas que dependem da atuação dos nossos legisladores, especialmente as reformas tributária e administrativa. Contudo, ao invés de se debruçarem sobre elas, gastam seu tempo e nosso dinheiro criando mais encargos para a iniciativa privada, gerando óbices ao desenvolvimento do país.
É preciso, portanto, que o estado e seus atores tenham foco naquilo que realmente lhes cabe. Um primeiro e importante passo para isso seria deixar à iniciativa privada aquilo que lhe é pertinente. Se o estado não atrapalhar, já ajuda bastante!