Sucesso do marco fiscal dependerá fundamentalmente de mais receitas, dizem consultorias
As consultorias legislativa e orçamentária, vinculadas à Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmara, divulgaram uma nota técnica nesta quarta-feira, 10, em que reforçam que o sucesso do novo marco fiscal apresentado pelo Executivo dependerá "fundamentalmente" de um aumento significativo de receitas, não contempladas no cenário base de projeção. O documento cita que o governo "é mais otimista em sua projeção para a receita líquida nos próximos exercícios".
O documento diz que as projeções de receitas primárias adotadas pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) para os anos de 2024 a 2026 indicam valores mais modestos do que aqueles que foram projetados pelo governo. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024 estima que a receita primária líquida do governo central alcançará R$ 2,1 bilhões em 2024, R$ 2,2 bilhões em 2025 e R$ 2,4 bilhões em 2026.
"Mais especificamente, estima-se que, ausentes modificações no sistema de referência da receita que possam acarretar aumentos na arrecadação federal, a probabilidade de realização de valores na magnitude esperada pelo Poder Executivo, no próximo triênio, é próxima de 35%", diz a nota.
O consultor Ricardo Volpe, um dos nomes que assinam o documento divulgado nesta quarta, tem colaborado na elaboração do relatório do marco fiscal a ser apresentado pelo relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
"A constatação de que existe uma baixa probabilidade estatística de realização da receita prevista no novo marco fiscal, mantida a legislação vigente e as premissas deste estudo, apenas reforça o ponto já mencionado anteriormente nesta nota técnica, no sentido de que o sucesso do novo marco fiscal, conforme planejado inicialmente, dependerá fundamentalmente de aumento significativo de receitas, não contempladas no cenário base de projeção", continua a nota.
Como conclusão, os técnicos dizem que, caso não sejam implementadas medidas suficientes ao aumento de receitas exigido, "elevando-as ao nível incorporado no PLDO 2024, a obtenção dos resultados primários compromissados representa grande desafio". Caso não ocorra um aumento substancial de receitas primárias, requisito para alcançar os resultados primários, haverá um prejuízo ao cenário de evolução da dívida pública, dado que o resultado primário influencia decisivamente na trajetória da dívida, diz a nota.
Os técnicos estimam que, para zerar o déficit em 2024, deverá haver aumento real da receita de cerca de R$ 100 bilhões. Nos anos seguintes, a receita primária precisa se manter em torno de 18,6 % do PIB.
Em relação às despesas primárias, deve haver uma "atenção especial" sobre os gastos obrigatórios que, normalmente, evoluem à revelia de mecanismos de controle fiscal. "Percebe-se, de logo, que uma dinâmica favorável das despesas obrigatórias constitui peça central para o sucesso do arcabouço, e a projeção acurada daquelas contribui para a confiabilidade deste", diz o texto.
Descumprimento da meta
As consultorias reforçam que, em caso de descumprimento da meta primária, o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal não aciona "medidas de controle do aumento das despesas obrigatórias", os chamados "gatilhos.
O consultor Ricardo Volpe já disse que tem estudado incluir gatilhos no texto para conter as despesas do governo em situação que houver descumprimento da meta.
O relator não detalhou quais serão os gatilhos, mas interlocutores que participam da elaboração do texto dizem que gatilhos previstos na PEC emergencial, de 2021, estão sendo estudados, como reajuste na remuneração de servidores e realização de concursos públicos.
A nota diz ainda que, "dentro do propósito de alcançar resultados fiscais compatíveis com a sustentabilidade da dívida, é fundamental prover meios ao gestor que tenham potencial de corrigir desvios para o alcance dos resultados planejados".
Fim da obrigatoriedade do contingenciamento fragiliza princípio da LRF
As consultorias legislativa e orçamentária, vinculadas à CMO da Câmara dizem que o fim da obrigatoriedade do contingenciamento das despesas públicas, como previsto pelo texto do novo arcabouço fiscal, fragiliza os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O documento destaca a importância de resgatar o monitoramento bimestral que apura o risco de descumprimento da meta primária.
"O fim da obrigatoriedade do contingenciamento fragiliza o princípio basilar da LRF que exige ação planejada e a correção de desvios. Importante resgatar o monitoramento bimestral que apura o risco de descumprimento da meta primária", diz a nota técnica.
Na terça, 9, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que o período de dois meses é "muito apertado" e avaliou que um prazo de quatro meses para revisar as receitas e despesas seria ideal.
O texto diz que, ao tornar o contingenciamento facultativo, o projeto do novo marco fiscal flexibiliza, no âmbito da União, a principal medida de correção de desvios durante a execução. A LRF, cita o documento, define como seu princípio basilar que a gestão fiscal responsável requer "ação planejada, transparente e responsável voltada ao cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas".
"Os relatórios de acompanhamento, demonstrando os eventuais bloqueios, são importantes porque alertam a sociedade quanto à necessidade de aumentar receitas e/ou conter despesas para garantir o cumprimento da meta", afirma a nota.
A nota técnica avalia que, do ponto de vista fiscal, "mais importante que a previsão de sanções, é a garantia de que as medidas de correção dos desvios ao alcance do gestor sejam adotadas, de preferência automaticamente". A lei complementar apresentada pelo governo federal deixa de exigir a realização do contingenciamento e, ainda, afasta a punição nos casos de não alcance da meta primária - que poderia se dar, justamente, com o contingenciamento.
Pelo texto da LRF, classifica-se como infração administrativa contra as leis de finanças públicas "deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei". Se o gestor não executa o contingenciamento, está sujeito a uma multa de 30% do rendimento anual. O projeto do arcabouço afasta as duas possibilidades.
Fixação de parâmetros
As consultorias dizem que a fixação dos parâmetros que baseiam o ritmo de crescimento de despesas no texto do projeto de lei complementar da matéria garante maior "estabilidade e segurança" à regra.
"A remessa dos parâmetros e critérios para a LDO enfraquece a autoridade da regra fiscal da despesa, em especial pela facilidade e frequência com que as LDOs são alteradas no Legislativo, em média de 3 a 4 vezes por exercício, o que é explicado pela maior proximidade da LDO com as demandas e a dinâmica do processo de elaboração e execução da LOA", diz o texto. "Assim, a regra do limite de crescimento da despesa, devidamente parametrizada, poderia ser adotada de modo permanente", continua.
Na terça, Cláudio Cajado disse que existe a intenção de fixar os parâmetros que baseiam o ritmo de crescimento de despesas no texto do projeto de lei complementar da matéria.
O texto enviado pelo governo prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% ao ano acima da inflação, valendo de 2024 a 2027. Depois deste período, os valores seriam estabelecidos pela LDO.
Ao ser questionado se a equipe econômica apoia essa alteração, Cajado afirmou apenas que "estamos conversando". Na avaliação de membros do governo, manter as alterações por LDO, sem fixar os parâmetros no texto da lei, poderia garantir que um eventual novo governo adote, por exemplo, parâmetros mais rígidos, a depender do perfil do presidente, sem precisar alterar a lei, fortalecendo o "viés democrático" da regra.
Para um PLDO ser alterado, é preciso aval de metade dos presentes na sessão mais um, desde que haja presença de maioria simples nas Casas (257 deputados e 41 senadores). Por outro lado, para um projeto de lei complementar ser alterado, é preciso maioria absoluta, ou seja, 257 deputados e 41 senadores.
Sugestão de volta de modelo
As consultorias sugerem que a regra de correção do limite das despesas deve ser feita pelo modelo original de ajuste, baseada na inflação realizada no período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior.
O texto do novo arcabouço fiscal prevê que o método de correção dos limites da despesa deve manter a mudança feita em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro, que estabeleceu que a correção seria feita a partir da variação acumulada do IPCA em doze meses - em parte, a inflação verificada (de janeiro a junho do ano de elaboração do orçamento) e, para os meses restantes, a inflação estimada (de julho a dezembro). Na época, o ex-presidente estabeleceu a mudança na regra para ampliar os limites de gastos. A equipe econômica manteve essa norma na lei complementar.
Na avaliação dos técnicos da CMO, da forma como proposto, a fixação do limite estará sempre dependente da estimativa da inflação para o restante do ano.
"O que pode levar à aprovação de limites (e respectivas programações) acima ou abaixo da inflação que vier a ser efetivamente apurada até o final do exercício", diz o relatório. "Ademais, cria-se um incentivo às estimativas a maior da inflação, aplicando-se despesas durante o processo de apreciação no Legislativo", continua.
De acordo com o projeto de lei, eventuais ajustes decorrentes de possível divergência entre inflação estimada e apurada seriam efetivados apenas no ano seguinte, com a elaboração do novo orçamento.
Os técnicos também sugerem que o uso de créditos adicionais pode colaborar na "superação da instabilidade" da forma de correção das despesas. "Pode-se considerar, adicionalmente, para as despesas obrigatórias, a possibilidade de que eventual diferença entre a inflação apurada e a estimada, caso positiva, seja incorporada no limite do exercício seguinte mediante a abertura de créditos adicionais. Assim, restariam conciliados, por exemplo, eventuais impactos adicionais dos reajustes dos benefícios previdenciários e assistenciais, cujo método de correção considera a inflação do exercício fechado, e não o período julho-junho", diz.
Por fim, a nota sugere adotar, especificamente para 2024, um valor fixo de correção, e/ou prever o ajuste da diferença por meio de projeto de lei de crédito adicional, caso a inflação apurada seja maior.