Estados pobres podem perder mais de R$ 2 bi do Fundeb com pacote
Regiões que mais dependem da União devem perde parcela do fundo usada para equilibrar investimentos em educação básica, mostra pesquisador do Ipea
A mudança no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) feita pelo pacote de corte de gastos do governo Lula deve provocar perdas superiores a R$ 2 bilhões aos Estados que mais dependem dos recursos da União para financiar a educação básica em 2025, conforme estudo do economista Camillo Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A partir de 2026, as perdas seriam revertidas, mas os governos estaduais e municipais terão de arcar com os gastos em ensino integral que hoje são de responsabilidade do governo federal. O pacote foi proposto pelo governo Lula ao Congresso Nacional para conter o crescimento de despesas e reequilibrar as contas públicas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mexeu no Fundeb foi aprovada pela Câmara e pelo Senado na quinta-feira, 19.
Com a mudança no Fundeb, a equipe econômica anunciou um ajuste de R$ 42,3 bilhões entre 2025 e 2030. O Ministério da Fazenda e o Ministério da Educação foram procurados para comentar o impacto da proposta aprovada, mas não se manifestaram.
O Fundeb reúne a arrecadação de impostos para financiar a educação básica no País, principalmente o salário de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União repassa uma parcela adicional e distribui a verba de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e desempenho das escolas. A parcela da União, que era de 10% até 2020, vai subir para 23% em 2026, pressionando as contas públicas federais.
Inicialmente, o governo tentou destinar 20% da complementação da União no Fundeb para a implantação do ensino em tempo integral. Com isso, a equipe econômica esperava economizar os recursos que hoje são gastos com esse programa e que ficam fora do Fundeb. Conforme o Estadão mostrou, a medida poderia não resultar em corte efetivo de gastos, pois a intenção do governo é usar o dinheiro economizado para gastar em outros programas, como o Pé-de-Meia, que hoje está fora do Orçamento.
Parlamentares e especialistas ligados à educação reagiram, apontando perdas para Estados que dependem dos recursos da União para complementar o Fundeb. O governo recuou e concordou com uma diminuição de 10% no porcentual, restringindo a mudança a 2025.
A partir de 2026, a complementação voltará a ser paga com as regras atuais. Os Estados e municípios serão responsáveis por destinar 4% dos recursos que eles próprios colocam no Fundeb para o ensino em tempo integral. Em vez de o governo mandar esse dinheiro, as prefeituras e governos estaduais terão de arcar com o custo.
O Fundeb total deve somar R$ 276,1 bilhões em 2025, de acordo com cálculos do especialista, sendo que a parcela da União deve atingir R$ 57,98 bilhões. O repasse da União serve para equilibrar as regiões do País e tirar Estados e municípios de uma espécie de linha de pobreza em termos de valores aplicados na educação básica.
A complementação do governo federal no Fundeb é dividida em três parâmetros: VAAF – que beneficia Estados mais pobres, que não alcançam parâmetros mínimos de arrecadação em comparação às matrículas no ensino fundamental urbano parcial (R$ 27,61 bilhões); VAAT – que contempla municípios específicos, estando ou não em localidades beneficiadas pelo primeiro parâmetro, alcançando cidades pobres dentro de Estados ricos (R$ 24,84 bilhões); e VAAR – que serve como prêmio para redes que alcançam bons índices na educação básica (R$ 5,52 bilhões).
Dinheiro para a educação básica ‘bagunça’ distribuição do Fundeb
Com 10% dos recursos indo para a educação em tempo integral, o dinheiro distribuído com base nos três critérios atuais diminuirá para R$ 52,18 bilhões. O ensino em tempo integral, que ficará com R$ 5,8 bilhões, se transformará em uma quarta parcela da complementação, repassada com parâmetros diferentes e beneficiando apenas Estados e municípios que cumpram requisitos para a criação de vagas no ensino em tempo integral. Ou seja, não há nenhuma garantia que os mesmos Estados e municípios sejam beneficiados.
“Vai ser aberto um novo flanco na complementação e é impossível acobertar os flancos atuais porque a lógica da distribuição é outra. O repasse para o ensino integral terá uma lógica própria. Os parâmetros atuais têm um perfil nacional que vai ser derrocado por um perfil mais elitista”, diz o especialista. “A proposta foi o maior equívoco contábil do pacote de gastos.”
10 Estados perderiam recursos de parcela destinada a regiões mais pobres; Bahia seria a mais atingida
Atualmente, 10 Estados são beneficiados pelo primeiro critério porque ou são muito pobres ou porque têm muitos estudantes em relação ao que arrecadam. Entre eles estão Maranhão, Bahia e Rio de Janeiro. Os repasses para essas localidades devem cair de R$ 24,6 bilhões para R$ R$ 22,5 bilhões – uma perda de aproximadamente R$ 2 bilhões.
A Bahia deve ser a mais prejudicada, com perda de R$ 368 milhões. Em seguida, o Rio, com R$ 294 milhões a menos. O levantamento leva em conta os dados da arrecadação dos Estados e dos repasses do Fundeb em 2024. Em 2025, quando a regra entra em vigor, o impacto será ainda maior, com o aumento da parcela da União.
Já no segundo critério, que beneficia 2.225 redes municipais e estaduais em 2024, 98 municípios deixariam de ser beneficiados e o restante teria o valor reduzido. O corte total chegaria a R$ 1,7 bilhão.
No terceiro segmento, que repassa recursos de acordo com o bom desempenho das escolas, haveria perdas de R$ 377 milhões, sendo R$ 255,9 milhões em municípios e R$ 121,5 milhões em Estados. Em 2024, 1.923 redes estaduais e municipais foram premiadas com essa parcela.
Em termos de economia de gastos, a proposta tem potencial de abrir um espaço fiscal de R$ 5,8 bilhões em 2025 e de R$ 12 bilhões em 2026 para o governo federal. O impacto, no entanto, só ocorreria de fato se o governo cortasse recursos da educação e ainda cumprisse o piso constitucional do setor, o que exige um ônus político do Executivo federal.
“A abertura de espaço fiscal mediante despesa discricionária (não obrigatória) não é contemplada nessa proposta. Não descarto a possibilidade de abrir espaço fiscal, mas os cancelamentos não podem ser à revelia”, Camillo Bassi, especialista do Ipea
Para Camillo Bassi, a medida mais efetiva para o governo federal cortar gastos sem descumprir o piso da educação e sem prejudicar Estados e municípios que dependem do Fundeb seria aumentar a parcela do fundo que serve para o cálculo do gasto mínimo em educação. Hoje, só 30% da complementação da União no Fundeb é computada no piso, exigindo mais gastos do governo federal para cumprir a Constituição. Aumentar o porcentual para 50% faria o governo economizar R$ 33 bilhões em três anos, conforme o Estadão mostrou. A equipe econômica levou a proposta a Lula, mas ela foi descartada.