Poesia da Quebrada: das vielas de Vila Garrido para a tela da TV Vitória
Pioneiro do Slam no ES, poeta Jhon Conceito mostra sua arte em forma de resistência e empatia. Neste sábado (25), artista estreou novo espaço no programa Balanço Geral-ES
Das vielas da Vila Garrido, geograficamente da São José e Curubixá, em Vila Velha, para as praças, becos, ruas e palcos do Brasil. Quando escolheu o codinome pelo qual ficaria conhecido na cena da poesia marginal do Espírito Santo, o garoto Jhonatan decidiu-se por Jhon Conceito.
Apelido nascido da boca dos amigos de infância e que parecia perfeito para alguém que descobriu o talento com as palavras usando a lábia - o bom papo - para conseguir o que queria. "Às vezes rolava de entrar numa festa que era proibida a entrada de menores", ri.
No início, Jhon escrevia letras de funk e raps "que jorravam sangue", como ele mesmo define. O tempo passou e as frases carregadas de raiva deram lugar ao desabafo em forma de versos e gestos potentes sobre ser preto, pobre e da periferia.
Foi a insurgência que transformou Jhon Conceito no poeta marginal que hoje é referência em poetry slams - batalhas de poesia cantadas - , no Estado.
Poesia de Slam no Balanço Geral
Jhon Conceito foi o primeiro a mostrar o seu trabalho em um novo espaço que estreou neste sábado (25), no programa Balanço Geral-ES, da TV Vitória/RecordTV. Todos os sábados, uma poesia de Slam vai fechar o programa.
Mas, afinal, o que é Slam? Sob aplausos e gritos emocionados, o poeta se prepara para receber notas dos jurados populares, tirados entre o público. Na sequência, dá lugar a outro poeta, em uma nova rodada de palavras e rimas.
É assim que acontece o slam, uma competição de poesias faladas que surgiu em Chicago, nos Estados Unidos, em meados dos anos 80, na mesma época do hip-hop e criado por um operário da construção civil.
Hoje, Jhon Conceito carrega o título de slam master, a pessoa que desenvolve os campeonatos de Slam. "Fui o primeiro no Estado a desenvolver o Slam, a trazer os campeonatos. Hoje há competições nacionais, na América Latina. É tipo a Libertadores", diz, comemorando.
Jhon Conceito fala sobre como a poesia marginal tem sido seu instrumento de confronto e expressão com o mundo.
"Eu sempre fui poeta, mas nem sabia muito bem disso. Não me enxergava desta forma...achava que para ser poeta tinha que usar a literatura clássica. Mas não. Como diz a Conceição Evaristo, a gente não tem muito a escrita em si, não desenvolve muito. Mas, oralidade sempre esteve presente. As histórias de família contadas na reuniões...isso é literatura também", explica.
Poesia marginal: empoderamento e dramas cotidianos
A característica interessante do movimento, no entanto, está no fato de que as experiências de recitais, batalhas e Slams nascem e se estabelecem nas comunidades para depois ultrapassar fronteiras. Vão para locais em que o público, por meio da poesia, da rima e da performance, tem contato com a política, a crítica social e econômica. Acesso a temas como o racismo, o machismo, o preconceito de classe e a discriminação de expressões culturais e religiosas.
"A gente cresce achando que a periferia é ruim, que é um espaço de criminalidade, de falta, de carência. Mas vai além disso. A periferia tem muita potência, tem muita vida. O conhecimento empodera, se enxergar fora desses contextos te faz crescer. E a poesia marginal te dá um legado, uma visão, a me reconhecer geograficamente. Passo a querer algo mais".
Boa parte dos slammers, como são conhecidos os praticantes do Slam, está sedenta para se posicionar sobre dramas cotidianos, como a homofobia, o racismo, o machismo, o preconceito, a violência do Estado, privilégios de classe, entre outras situações. Não que falte o "eu lírico" sofrendo por amor, claro. Há embates específicos sobre a dor e a paixão.
Autor de quatro livros
Jhon Conceito já lançou quatro livros. O primeiro deles, "Meus Versos", foi lançado em 2014. Depois veio o "Palavras Mortas", em 2016 e, na sequência, "Depois do Nada". Ano passado, em meio à pandemia, ele escreveu "Poesia dá Cadeia", que conseguiu vender pela internet.
"Já rodei o país levando a minha poesia. Quando comecei, fazia uns raps...uns funks. Que é o que chega nas comunidades. Não entendia que isso também é poesia. Eu tinha muita revolta dentro de mim. Com o tempo, amadureci e entendi que não adiantava eu me ferir, que aquilo só fazia mal a mim mesmo e tem uma molecada por aí que é assim, como eu era. Me vejo muito por aí", conta.
Além dos livros, dos campeonatos de Slam e da função de conselheiro tutelar, que acumula junto com a de artista, Jhon Conceito também passa a participar de um projeto de inclusão e representatividade da Rede Vitória, com artistas e projetos ligados às comunidades do Estado.
* Reportagem de Mayra Bandeira