Tem um termo que virou moda no Espírito Santo e que deixa todo empresário de cabelo em pé. É o apagão de mão de obra. Na prática, significa que é difícil encontrar profissionais qualificados para determinadas áreas. Muitas vezes até sem qualificação é difícil encontrar trabalhadores.  E isso fica ainda mais evidente no Estado que cresce acima da média ao mesmo tempo que gera muitos empregos. 

Para se ter ideia, em  janeiro, fevereiro e março deste ano,  a taxa de desocupação no Estado ficou em 5,9%. O índice é abaixo da média registrada no país, que foi de 7,9%. A taxa de desocupação do Espírito Santo foi a menor da Região Sudeste e a 7ª menor entre os estados brasileiros no primeiro trimestre de 2024. Esses são dados do IBGE.

O que movimenta o mercado de trabalho do Estado? Qual a característica da mão de obra capixaba? Por que as empresas, em todos os níveis, têm dificuldade de contratar? O que precisa ser feito para mudar esse quadro? São as perguntas que a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Neidy Christo, responde nesta entrevista.

Por que falta mão de obra no Espírito Santo? 

Isso não é uma resposta simples. A gente entende que existem hoje áreas que demandam qualificação muito mais alta do que a gente tem sendo oferecida no mercado, e a gente tem alguns empregos que nem todo mundo quer. Então a gente fica com essa lacuna a ser preenchida. 

Que empregos são esses que as pessoas não querem?

Por exemplo, a gente tem muitas vagas hoje no mercado para trabalhar inclusive nos finais de semana. E são essas vagas que as pessoas estão rejeitando. Simplesmente porque vão trabalhar sábado e domingo ou até mais tarde todos os dias. A gente tem hoje, na área de serviços, mais de 8 mil vagas abertas. E que a gente não tem mão de obra para trabalhar nessas vagas.

Os extremos, de vagas com demanda de alta qualificação e por outro lago de vagas com quase nenhuma qualificação são o problema do mercado de trabalho hoje no Estado?

Vejo que a gente tem sim o problema localizado nesses extremos. Quando a gente tem um profissional que demanda, para a função que ele vai atuar, grande qualificação, a gente também tem muitas empresas disputando esse profissional.

Se a empresa não tem um salário atrativo, não tem benefícios que possam fazê-lo querer ficar, com certeza vai ser um profissional que ela pode perder.

 

Então, muitas vezes a gente perde esse profissional não só para empresas daqui do ES, mas para empresas de outros estados ou até para fora do país. E estou falando de profissionais principalmente da área de tecnologia, que é uma das mais críticas. A gente tem algumas áreas que são mais críticas para a contratação de profissionais qualificados. A área de saúde é outra em que temos problemas aqui no Estado. A área de finanças é bastante procurada e que demanda bastante qualificação. Então esses dois extremos são os mais preocupantes. 

Qual o papel do empresário pra mudar esse quadro?

A gente precisa de empresários preocupados com a valorização desses empregados. Empresários que tenham planos de desenvolvimento de carreira, que tenham planos de cargos e salários, que tenham uma carga horária adequada de trabalho.

Hoje, os profissionais também medem a qualidade de vida como um fator determinante nessa escolha

 

É só dinheiro?

Não é só dinheiro. Tem várias pesquisas que comprovam que o dinheiro é sim importante, todo mundo gosta e precisa, mas ele não está em primeiro lugar em nenhum dos rankings. A gente tem a qualidade de vida, o bom relacionamento com a liderança, um ambiente propício ao trabalho, às ideias, à inovação. Claro que o dinheiro é importante, mas todo esse contexto que envolve o empregado precisa ser repensado em algumas empresas.

 E qual o papel do poder público?

A gente tem alguns projetos de qualificação que são bastante interessantes, cursos que são disponibilizados, mas mesmo assim a gente entende que a disponibilização de um curso online para um profissional que sequer tem uma internet disponível no bairro, na casa dele ou no aparelho de celular, não tem sentido, não vai atingi-lo. Então, existem sim programas que são oferecidos pelo governo, mas ainda não são acessíveis a todos os profissionais que poderiam estar sendo capacitados no mercado. 

Ainda sim, tudo passa pela qualificação?

Com certeza. Qualificação que deve ser oferecida pelo governo, mas também que pode e deve ser oferecida pelo próprio empregador. Porque existem algumas questões também da empresa que são muito importantes, que o próprio empregador ensine a esse candidato. Existem algumas competências, algumas questões que podem ser ensinadas pela empresa e que vão facilitar depois a captação desta mão de obra. 

Como a ABRH identifica desafios e oportunidades no ES?

A ABRH é uma associação que cuida da gestão de pessoas, que transita dentro de muitas empresas e conversa com muitos profissionais e um dos grandes desafios que a gente enxerga hoje é  conseguir levar esse conhecimento a todas as pessoas que precisam. Se a nossa missão é disseminar conhecimento sobre o mercado de trabalho, a gente claro precisa levar isso para os nossos associados, mas a gente também precisa levar para pessoas que ainda não conhecem muito bem esse mercado de trabalho.

Como é a ação da ABRH para alinhar medidas que favoreçam o desenvolvimento de mão de obra no Estado?

A gente conversa muito com as empresas que são nossas associadas. Temos a honra de dizer que temos as maiores empresas do Estado associadas. E quando digo maiores não estou desvalorizando as médias e pequenas, mas até por conta da quantidade de trabalhadores que essas empresas têm. E a gente conversa sempre com essas empresas para entender quais são as demandas, para entender o que a gente enquanto ABRH podemos fazer para desenvolver melhor essas pessoas. Assim como os profissionais que estão na ABRH e que atuam dentro de outras empresas, porque afinal, todos que atuam a associação são voluntários e têm empregos, trabalham dentro dessas empresas 

A gente fala de carência de mão de obra do trabalhador. E o empresário? Como é a formação do empresário no Estado?

A gente tem empresários que estudam muito, que viajam para fora e fazem grandes cursos. E a gente tem na outra ponta empresários que desde muito jovens investiram ali numa pequena empresa e foram crescendo, crescendo, e são muito instintivos. Vejo que todos eles têm uma vontade muito grande de ajudar a nossa sociedade, de oferecer mais empregos. Mas, a gente tem essa dificuldade muitas vezes de fazer aquele que foi a vida toda pela intuição entender que nem todos os demais funcionários vão funcionar como ele. Que precisam muito de qualificação.

Em tempos de tanta tecnologia e mudanças muito rápidas, a era dos empresários intuitivos está acabando?

Desde que a gente, enquanto profissional, esteja disposto a jogar fora alguns conhecimento que a gente adquiriu mas que naquele momento não são mais tão valiosos para nós, para adquirir conhecimentos novos, eu acho que a gente ainda tem jeito.

O que eu digo pra você que realmente pode ficar para trás é aquele profissional que acha que já sabe tudo, que do jeito que ele chegou até onde ele chegou acha que pode avançar muito mais.

 

As coisas vieram mudando ao longo do caminho e quem não entende que em algum momento vai precisar reaprender, mesmo que no passado muitas estratégias tenham dado certo, acredito que esse sim possa ficar para trás. Enquanto a gente tiver esperança de que mesmo esse que é mais teimoso, que pode fazer tudo do jeito dele, ele ainda se abra ao aprendizado, eu diria pra você que ainda tem solução, há esperança.

Como é a relação da ABRH com os governos hoje (federal, estadual e municipais)?

A gente tem uma liberdade grande de conversar, quando a gente precisa. Somos convidados a eventos que o governo faz, mas a associação em si é apolítica. Então a gente não tem apoio a um determinado partido ou outro. Mas, a gente entende que a aproximação com o governo é de extrema relevância para que a gente possa pensar juntos nessas ações, principalmente de capacitação que a gente tanto falou que é importante. A gente não participa das decisões do governo mas, por exemplo, no ano passado fomos chamados para o Conecta, que é um programa do Tribunal do Trabalho e que oferece portas abertas para profissionais com deficiência. Então a ABRH foi convidada a pensar o evento, a participar.

Este ano, no dia 19 de junho, vamos comemorar e organizar o maior e melhor congresso de gestão de pessoas do Estado. E a gente já recebeu pessoas para ter algumas ações dentro do governo, para falar de ações que o governo vem pensando e trocar ideias com esses profissionais. Não é uma cadeira efetiva que a ABRH tem hoje e que eu acho que poderíamos e deveríamos ter porque somos uma associação representada por mais de 300 profissionais de gestão de pessoas. Com certeza teríamos muito para contribuir. 

Quais são as áreas com maior potencial de empregabilidade hoje no ES?

Hoje as áreas que mais demandam profissionais são a de serviços, a gente sabe que supermercados são porta de entrada para muitos jovens e ainda acolhem muitos profissionais 50 +, valorizando esse profissional que se aposentou ou está perto de se aposentar. A gente tem muita vaga ainda na área de tecnologia que não conseguiu ser fechada porque demanda profissionais com capacitações que não necessariamente essa mão de obra que hoje busca qualificação tem.

A área de saúde também é muito promissora e aí a gente fala de quem vai tratar o paciente, aquela pessoa que já está doente, mas também saúde em todos os sentidos. Saúde mental, prevenção é uma área que está crescendo muito. E a área do turismo, que a gente sabe que tende a ter um crescimento à medida que o ES tem se revelado um lugar maravilhoso para se morar e visitar. A gente sabe, como capixaba, que fica até com um pouco de ciúme, com medo de ter um boom de turismo.

Mas é claro que a gente quer ver nosso Estado crescendo, mas com isso a gente precisa de mão de obra capacitada e disposta a um atendimento de excelência para que a gente consiga ganhar o turista.

 

Eu fico muito orgulhosa quando eu vou para fora do Estado e as pessoas falam que lideramos o ranking. Que estamos no “top 5” em qualidade de vida, inovação. A gente com certeza quer continuar crescendo e para isso a gente precisa que nossos profissionais estejam dispostos a crescer também, a se qualificar para oferecer também tudo que vem junto com esse crescimento.

Como as lideranças empresariais podem fazer a diferença no Estado?

A liderança é o grande exemplo. Infelizmente a gente ainda ouve muitas histórias de lideranças que tem muita gente que olha e diz: é isso que eu não quero ser. Mas, por outro lado, a gente tem lideranças que são extremamente inspiradoras. Lideranças que têm claro toda essa cobrança com sua equipe por resultado, mas que também veem o lado humano, da empatia e do relacional.

Pra mim, a liderança precisa entender o grande papel que tem perante seus empregados, perante a empresa e perante a sociedade.

 

Tem muito empregado que pede demissão porque não tem uma liderança que enxerga a importância desse empregado dentro da equipe. Se a liderança não enxergar que precisa ser protagonista nessas mudanças que o mercado nos impõe, e o mercado impõe que a gente saia da zona de conforto, vai ficar muito complicado convencer a equipe que ela precisa mudar sozinha, que cada um precisa mudar sozinho. Ninguém precisa de uma liderança segurando todos ali parados no mesmo lugar. 

Como é ser profissional de RH?

Eu amo estar com as pessoas e tenho certeza que todos os profissionais que escolheram essa área também amam. E digo para qualquer um que estiver nos ouvindo, não só o profissional de RH, mas qualquer profissional:

Quando você for fazer sua escolha pela função, pela área que quer atuar, se você não puder fazer o que ama, busque amar o que você faz. Isso faz a grande diferença.

 

E no meio desse caminho você também vai poder fazer as escolhas de atuar com aquilo que você ama. Para mim, é o maior orgulho trabalhar numa área que lida com gente, porque pra mim, gente é o maior ativo que uma sociedade pode ter. E a gente sabe que as pessoas movem o mundo. Pra mim, o pessoal de RH move as pessoas e com isso a gente pode fazer transformações no mundo.

Neidy Christo é ´presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), é professora e consultora de carreira e empregabilidade na Fundação Getúlio Vargas,  analista comportamental e profissional e self coaching com grande experiência em coaching e mentoring empresarial. Tem certificações internacionais, é mestre em Administração Pública e Privada, especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, Pedagogia Empresarial e Marketing.

Veja abaixo a entrevista completa em vídeo.

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