Como a formação pode mudar a vida das pessoas e o que é preciso para melhorar a qualidade do ensino das gerações futuras? São perguntas necessárias e que precisam estar na cabeça de todo educador e, mais que isso, todo gestor dedicado a instituições educacionais. 

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica no Espírito Santo é de 6 para anos iniciais e de 4,5 para o Ensino Médio. São os dados mais recentes, de 2021. Parece muito pouco para um Estado que precisa encontrar alternativas de desenvolvimento. E realmente é.

O Espírito Santo vive um chamado apagão de mão de obra. Faltam profissionais para altos cargos, colocações técnicas e até mesmo em posições de entrada no mercado e isso passa diretamente pela qualificação, de como serão formados agora os profissionais do futuro.

O Fábio Portela tem clareza sobre o tema e fala dos rumos do ensino no Estado e como isso está diretamente relacionado à nossa economia. Confira agora a entrevista com o diretor presidente do UP.

 

O que que a gente precisa fazer com os estudantes hoje para que eles sejam os profissionais que o mercado espera no futuro?

É uma pergunta complicada. Sou da época em que ganhávamos visto no caderno e a gente tem hoje  uma geração que, em minha visão muito particular, é uma geração muito solta. E exposta a essa janela que o mundo tem a oferecer, sobretudo por meio da tecnologia, com o “danado” do celular na mão do adolescente de 14 anos. Isso é muito perigoso e tira dessa geração disciplina, cumprimento de horários e  uma série de coisas. Ao mesmo tempo pode ser o remédio e o veneno e a diferença é a dose.

A tecnologia não é uma vilã. Como as pessoas lidam com essa tecnologia é que vai determinar 

 

Quantas vezes o fato de escrever ali no caderno fez a diferença. O fichamento para a gente absorver o conteúdo… eu não quero abolir a tecnologia. Pelo contrário. Ela é uma grande ferramenta de estudo. Ela não pode ser o nosso tudo, ela é a parte do todo e não o todo.  Há pouco tempo eu estive na maior feira de Educação do Brasil que é a Bett Educar em São Paulo, e logo me colocaram numa sala, em uma carteira de estudante cuja mesa já era um computador. Então eu levantava a mesa eu tinha um laptop muito legal.  E aí de repente eu olhava lá no quadro e o professor escrevia lá e tudo que ele escrevia já aparecia para mim aqui. E os expositores me vendendo isso achando que iam vender tudo. 

Entre os vários diretores de escolas eu levantei a mão e perguntei: “Qual é o papel do aluno?”. No início da nossa conversa você disse o que a gente precisa fazer para trazer boa mão de obra, para trazer formação, mas é dessa forma que eu vou formar figuras competentes?  Qual o trabalho braçal desse aluno? Qual o trabalho intelectual desse aluno? O que eu fiz para que ele fizesse ali as devidas sinapses cerebrais para obter conhecimento? Porque o conhecimento é muito mais transpiração do que inspiração. Quando eu vou fazer um exercício e resolver essas questões? Porque há que existir trabalho braçal. 

Qual o papel dos gestores de Educação no desenvolvimento dessas diretrizes para o aluno? O que o aluno tem que ter na sala de aula? O  papel do gestor no âmbito privado ou público é proporcionar à sua equipe docente a formação necessária para lidar com esses alunos e que possamos dar a eles condições de darem conta de tudo não só na parte tecnológica, como também da parte analógica, na obtenção real de conhecimento sem o “decoreba”. A prova do Enem já traz esse esse mote, deixou de ser aquele vestibular que nós fizemos há muito tempo e é uma prova muito bem elaborada.

Você acha que o Enem é positivo?

O Enem hoje é absurdamente  muito melhor do que o vestibular. É uma prova muito conteudista, ao contrário do que muitas pessoas pensam e classificam como uma prova Rasa. É muito bem elaborado com a teoria de resposta ao item. Se você erra a questão fácil, se você erra a questão difícil, o peso das questões varia dependendo de para qual curso eu estou aplicando. É uma prova mais democrática. Mas tenho um senão que é para o estudante capixaba, pelo fato de só termos uma Universidade Federal e não termos uma universidade estadual, que é um projeto.

O nosso estudante perde muita vaga porque um aluno, por exemplo, que em São Paulo não consegue ser aprovado de repente encontra Vitória, Espírito Santo, vai lá na Ufes e descobre que o ponto de corte é um pouquinho mais baixo e que a nota dá conta do recado. Aí dá um Google e fala assim: “Morar em Vitória é bom!”. E descobre que nós estamos falando de uma das melhores qualidades de vida do Brasil, ao lado da praia… e ele vem morar aqui. Aí ele tirou a vaga de um capixaba.

 

Você falou da possibilidade de uma universidade pública estadual. Qual a diferença da educação pública para a privada, não só em nível superior, mas também a de nível médio e básica?

A gente sabe que o Brasil é marcado por uma desigualdade muito grande e a gente vive isso aqui no Espírito Santo também, entre público e privado infelizmente. O ideal é que tenhamos a equiparação para aí sim falarmos de uma temática que é tão polêmica para tanta gente, mas que para mim é muito clara, que é a política de meritocracia por exemplo.  Ah, eu vou colocar o Joãozinho que estudou a vida toda na escolinha pública do bairro dele, que a gente sabe que tem deficiência de determinados investimentos, sobretudo na formação pedagógica da equipe que trabalha com esses alunos, com a Mariazinha, que estudou a vida toda numa grande escola particular?

Eu não enxergo como possibilidade falar neste caso aqui em meritocracia. Para mim, isso só vai ocorrer quando a gente disputar uma corrida e largar do mesmo ponto e com as mesmas condições.

 

Ainda há um abismo muito grande entre a qualidade do que é oferecido no ensino público para o ensino privado.

 

Penso que esta diferença ainda está muito no investimento, sobretudo na formação de professores e de equipe pedagógica. 

 

Como a educação privada evolui ou evoluiu no Estado nesses últimos 20 anos?

Na verdade eu penso que, sobretudo no Ensino Médio, há uns 5 anos desde que veio o novo Ensino Médio, a coisa mudou. Eu vou dar um exemplo.

Ensinaram a gente a achar o valor de X em matemática o tempo todo e nunca nos disseram para quê achar o valor de X.

 

Hoje o professor não ensina a achar o valor de X, ele vai lá no mercado financeiro mostrar para o menino a aplicação disso. Então, ele tem matemática financeira. Hoje a gente  consegue pegar as disciplinas do Ensino Médio e aplicar de verdade ao cotidiano daquele aluno. Acho que isso faz diferença, muito  porque desperta o interesse do aluno, o que é complicado, dentro da sala de aula. Tem o tal do celularzinho na mão para tirar a atenção dele ali. Mas, com uma aula que coloca o aluno dentro de uma realidade cotidiana, ele se sente mais interessado.

Tem uma disciplina hoje no Ensino Médio chamada “Projeto de Vida”. Isso na nossa época era inimaginável. Um professor que conversa com os alunos e fala assim: “O que vai ser da nossa vida? O que vamos arrumar da vida?”. Isso é uma necessidade tanto da iniciativa privada quanto da iniciativa pública na Educação.

 

Como é  o ambiente de negócios para a Educação no Espírito Santo hoje?

Há 20, 30 anos basicamente nós tínhamos escolas confessionais no Espírito Santo e duas grandes escolas em Vitória. Depois isso foi mudando e hoje nós temos vários grupos. E mais do que isso. Os grandes grupos vivem de olho querendo adquirir escolas. O Leonardo Da Vinci, uma escola tão famosa e empresa quase que familiar passou por um processo de fusão e essa é uma tendência de mercado. Pelo movimento, é o que tem de acontecer porque os grandes grupos estão muito de olho no Espírito Santo

 

Você acha que o Estado está preparado para isso?

Totalmente. Mas isso vai depender muito de como esses grandes fundos vão querer entrar aqui. Eles precisam fazer um estudo de mercado porque entrar e jogar a administração na mão de um escritório em São Paulo não resolve. O cliente capixaba gosta de sentar para conversar com o professor. É assim no UP e nos meus concorrentes também. O capixaba quer saber onde o filho dele estuda, quem está responsável por aquilo. Soltou demais, o capixaba torce o nariz.

 

Como é a relação do setor de Educação do Estado com os governos

Muito boa. Eu participo ativamente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Vila Velha, sou nascido e criado na cidade. Hoje já existe um projeto da prefeitura para adquirir vagas ociosas de universidades. Eu penso que essa privatização é a mais inteligente que existe. É você já pegar o que está pronto em vez de levantar do zero… e falar assim: “Você tem quantas vagas ociosas? Você tem 100 vagas? A prefeitura, o governo, podem adquirir e colocar os alunos para ter uma educação de qualidade ali.

Penso nisso como uma privatização mais inteligente possível e não me entendam mal. Pode parecer que eu esteja puxando a sardinha pro meu lado. Não. Porque o custo fica muito baixinho e é quase que uma ação social mesmo. Então, é conversar. E hoje os canais, depois de muito tempo, estão mais abertos tanto na cidade quanto com o governo estadual e federal. A gente tem conseguido diálogos para andar com esses projetos e aí, por meio de licitação, fazer o procedimento como deve ser feito para que essas vagas sejam ocupadas. 

 

Para que lado o Espírito Santo tende a crescer?

Hoje eu acho que na área de importação e exportação. A gente vê muito movimento no porto. Os estudantes precisam estar atentos a isso porque a privatização do porto, a movimentação de expansão, a criação do novo porto que é o da Imetame que o ano que vem estará operando… Tem também um crescimento absurdo que está acontecendo com parte do interior do Estado. Oportunidades existem, vão existir e a molecadinha tem que estar atenta a isso, porque oportunidade não vai faltar. 

 

A reforma tributária assusta o setor de Educação?

Vamos dividir a escola em dois patamares. O patamar de serviço e o patamar de produtos. No que diz respeito ao serviço, a reforma tributária proposta não mexe muito não, mas quando a gente fala por exemplo de uma perna forte de toda a escola, que é material didático, por exemplo, aí tem tem uma emenda um pouco perigosa, porque se você tem uma carga tributária muito alta, você vai repassar para o cliente. E isso não está atrelado só ao privado. O governo vai ter que gastar mais dinheiro para comprar material didático. 

 

Você acha que daqui a 25 anos o professor ainda vai ser necessário?

Sem dúvida. Por alguns motivos. Primeiro porque alguém precisa dar a mão para o estudante e para todas as ferramentas que ele vai utilizar e apresentar.

O professor que já está deixando de existir há um bom tempo é aquele que vai lá pra frente e fica vomitando conteúdo.

 

Há que existir uma troca sem a qual a sala de aula não caminha. O professor que continua dando a mesma aula que ele deu lá em 2003, para mim é obsoleto. A figura do professor vai continuar sendo crucial porque é ele quem apresenta todos os conteúdos, todas as ferramentas tecnológicas e une a mão do aluno com isso. 

 

O que mais de importante a escola traz para o aluno além do ensino tradicional?

A escola não é só aprender o valor de X ou só aprender Revolução Francesa. A escola também traz interação social.

Acredito que a escola é muito mais do que aprender conteúdo.

 

É  empatia, é eu descobrir que na sua casa você também tem os problemas que talvez eu tenha ou que eu tenha problemas e você pode me ajudar. Você deve ter amigos da sua época de escola até hoje. O padrinho da minha filha é meu amigo desde os 3 anos de idade que eu conheci na escola. Então a gente cria laços na escola. Eu tenho ex-alunos que foram da mesma turma, se conheceram na sala e se casaram. Passaram para medicina juntos. A escola é um ambiente pulsante, vivo, formado por pessoas.

Fábio Portela é diretor presidente do UP e foi aluno da escola até 2003 e se formou na Ufes em Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa. Depois se tornou monitor e professor substituto do UP,  professor, diretor até chegar a diretor presidente.

Veja a entrevista na íntegra:

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