Qualificação e necessidade de mão de obra. São indicadores que têm sido muito comentados e muito necessários ao nosso ecossistema de negócios aqui no Espírito Santo. Comércio, indústria, setor de serviços, todo mundo reclama de um apagão de mão de obra no Estado.

Parece que o mercado de mão de obra bateu no teto, porque as empresas penam para contratar pessoas de qualidade.

Setores já projetam crescimentos menores por falta de trabalhadores. E quando a gente fala de Espírito Santo, como ficam as novas possibilidades nas áreas de logística, serviços, indústria, agro e turismo, por exemplo?

Teremos gente suficiente para surfar na onda positiva que o Estado vive? E gente suficiente no mercado de trabalho? O que movimenta o mercado de trabalho do Estado? Qual a característica da mão de obra capixaba? 

São todas perguntas que os profissionais de recursos humanos tentam responder todos os dias. Roberta Kato é uma dessas profissionais e ela aponta para um norte em que as habilidades sócio emocionais estão em evidência, a despeito das habilidades técnicas.

Claro que toda habilidade é necessária para ser bem-sucedido, mas os cenários mudam a cada dia. E olha que a Roberta estuda e lida com isso há muito tempo.

Ela é CEO do Grupo Kato, administradora, psicopedagoga e tem formação em aconselhamento e coach e um vasto currículo repleto de  certificações internacionais relacionadas à formação pessoal e mentorias empresariais.

Confira nesta Entrevista de Domingo

O empresário do Espírito Santo é bem formado? O que falta para o líder empresarial capixaba?

O modelo capixaba de gestão e liderança tem dois níveis muito claros. Quando você fala do primeiro nível, que são os empresários que se conversam, a gente ainda tem um costume de fazer um processo de negociação baseado em relacionamento e não em entregas.

É muito engraçado, mas é uma particularidade do capixaba. Quando você está em outros estados, e eu falo porque a gente tem uma atuação em nível nacional, você chega pela competência e pela entrega.

Aqui ainda tem um peso maior o relacionamento, você vê alguns profissionais que são destaque em suas áreas de atuação, mas que não conseguem romper a barreira, não rompem a bolha, porque infelizmente não conseguem acessar esse grupo muito fechado.

Existe claramente uma bolha, as pessoas têm uma dificuldade de romper e essas negociações se dão muito nesse grupo. Então, o momento do networking, o momento em que você acessa, isso passa a ser um diferencial competitivo, às vezes até maior do que entrega e resultado.

Mas você tem um ponto positivo. É possível construir bons relacionamentos, bons resultados, mas é um ponto negativo em alguns momentos, porque quem tem resultado nem sempre consegue espaço por não ter relacionamento, a gente fica nessa gangorra. 

Dá para furar essa bolha? 

Eu acho que dá, porque eu, por exemplo, vim de um histórico que não era de dentro, não tinha uma rede de relacionamento, mas com entregas consistentes, eu consegui me fazer perceber.

Mas o que eu vejo é que o esforço para romper é muito maior do que em outros estados. Hoje atuo fora, em alguns grandes estados, onde eu nem fiz esforço para chegar, cheguei por conta do resultado. 

A gente tem falado de apagão de mão de obra no Estado. Mas o meio empresarial também passa por um apagão? 

No meio empresarial, eu diria que até temos um excesso, talvez não tão qualificado, de oferta, de qualificação e de busca.

A gente percebe que até um tempo atrás não existia formação, principalmente aqui no Espírito Santo. Quando eles precisavam se formar, acabavam indo muito para São Paulo porque não tínhamos aqui.

Hoje, nós percebemos inúmeras escolas de negócios, formações, consultorias, cursos e formações para a liderança.

A gente já percebe essa qualidade de qualificações aqui no Espírito Santo e eu vejo, sim, que eles estão buscando se qualificar.

É uma necessidade, até porque o mercado está em um momento de desespero. Essa mão de obra é uma dificuldade em todas as organizações.

Um dos fatores que tem impactado mais não é só salário, é muito sobre liderança.

 

Então, isso fez com que as empresas começassem a perceber a necessidade de se investir profundamente em formação e desenvolvimento de líderes. 

É possível? Como? 

Quando você faz uma análise de comportamento, é possível identificar os traços de liderança que precisam ser desenvolvidos e investir num desenvolvimento. Só não é rápido.

Porque quando você fala de alguém que tem a liderança como traço nato, tem pessoas que nascem com essa característica, esse talento de liderança. E outras não.

Formar um líder é possível? Sim! Formar um líder em dois dias? Não é possível.

Essa é a mágica que eu sempre brinco. Dá para formar? Dá. Mas você faz isso em um mês? Na hora que eu descobrir como fazer isso em um mês, eu fico muito rica. Porque não é possível fazer isso.

É um processo de transformação de comportamento. E a gente não forma o nosso padrão comportamental em dois dias. Então, desconstruir e construir de novo não é em dois dias. 

Como é que se faz para ter trabalhadores qualificados à disposição do mercado? 

Nesse caso, eu traria o governo como um… Parceiro? Aliado? Aliado, parceiro que precisa investir nessas características.

Sabe por quê? Quando você olha para o mercado, existem vagas. Eu, como agência de emprego, tenho vagas que a gente já cantou parabéns. Já fizeram aniversário e a gente não encontra profissionais.

Recentemente nós abrimos 20 vagas para profissionais de apoio mesmo. As vagas ficaram 45 dias e não conseguíamos fechar todas as contratações. Pessoas marcam a agenda ou não comparecem.

Por que isso acontece? As pessoas têm tantos auxílios que elas avaliam e falam assim, não vale a pena, eu prefiro ficar em casa.

Quando a pessoa faz uma avaliação simples e percebe que para ganhar um salário mínimo ela precisa trabalhar  realmente, prefere ficar em casa.

Esse trabalhador tem a falsa percepção de que “eu já tô ganhando muito bem, eu não preciso ir trabalhar porque o que eu ganho já basta”. Só que ele esquece de que quando ele ganha um auxílio, ele só vai ganhar um auxílio.

Quando ele entra numa empresa, ele tem a oportunidade de crescer e alçar novos espaços. Só que ele não consegue ter essa visão de construção, de carreira. E isso faz com que ele fique naquela inércia.

Por que as pessoas não aumentam o salário para atrair essas pessoas? Seria muito simples: aumenta o salário e aí a distância entre o salário e o pacote de benefício seria tão grande que fica interessante, certo?

É… só que aí a gente esquece que o custo operacional é altíssimo e que 70% do custo da maioria das empresas é folha de pagamento.

É, logicamente, uma distorção altíssima, mas existe. Então se você aumenta muito, você extrapola, você transforma essa organização, que não fica mais sustentável. 

O governo seria um grande parceiro ao tentar construir políticas que oferecessem auxílio a quem precisa de auxílio e durante o tempo que ele realmente precisa de auxílio, e não que se torne uma muleta.

 

Esse é um ponto. O segundo seria: é necessário investir em políticas dentro das organizações, que pensassem em como auxiliar a empresa nesse sentido de diminuir impostos, de facilitar acessos que fizessem com que as empresas pudessem contratar com valores diferenciados. E a gente não tem, a gente fica no meio do caminho.

É por isso talvez que a gente perceba um investimento muito maior em como construir organizações que são bons lugares para você trabalhar.

Porque aí a gente começa a investir em lugares que não são diretamente aqueles que oferecem o salário maior, mas que atraem as pessoas com um ambiente melhor, com melhores lideranças, com um espaço de flexibilidade.

Ou seja, a gente cria um espaço onde a pessoa faça as contas e escolha trabalhar porque se sente bem trabalhando. As organizações precisam oferecer espaços melhores para se trabalhar.

Quais são as habilidades que o empresário capixaba precisa ter para aproveitar as oportunidades?

Quando a gente pega principalmente a área de turismo, a gente já tem um grande desafio, né? Porque o Espírito Santo é reconhecido em nível nacional com o mal atendimento. É o nosso padrão capixaba.

Quando você fala que nesse momento em que a experiência do cliente ganha um espaço, isso em todas as organizações, e a gente olha para o Espírito Santo, a gente sabe que a gente não é muito bom nisso, né?

O capixaba tem uma reserva, esse modelo mais desconfiado de lidar que impacta, principalmente, quem vem de outros estados onde isso não existe, onde as pessoas se sentem mais à vontade para conversar e são mais acolhidas. Quando a gente fala de turismo, as pessoas querem acolhimento.

Então essa é uma área que a gente precisa investir urgentemente, principalmente quem lida diretamente com negócios ligados ao turismo ou atendimento ao cliente, que nem necessariamente é o turismo, mas que a gente pensa em como melhorar a experiência do cliente. 

Você acha que é possível desenvolver ações em curto prazo para resolver a carência de mão de obra no Estado? 

Eu vou ser nesse momento bem cética, tá? Eu vejo inúmeras ações, inclusive de alguns movimentos em que são oferecidos cursos e a gente não consegue fechar turma, cursos profissionalizantes, né?

Não acho que falte a capacitação. A gente tem percebido que falta muito o interesse desse jovem de ingressar nas organizações. E aí envolve sim um plano de carreira.

Os jovens têm um olhar mais curto de carreira.

 

Ele quer entrar e daqui a dois anos estar com um salário diferenciado. Ele não quer esperar essa curva de crescimento. Então é um olhar das organizações de mais do que oferecer capacitação.

Tem que deixar claro quanto que ele pode construir de carreira e o tempo de carreira ser mais curto. E a flexibilidade é um ponto que eu percebo mais um traço muito capixaba. Nós somos inflexíveis ainda.

A gente vai na maioria das organizações e estão com os espaços cheios e as pessoas ainda têm uma exigência de se trabalhar de maneira presencial.

E quando você olha para o jovem, ele não quer mais essa construção do presencial. Ele quer a flexibilidade. Ele quer poder trabalhar um dia em casa, um dia num ambiente de trabalho. Ele quer poder chegar um pouco mais tarde. E a gente ainda está muito apegado!

Entendo que isso é característica, até porque a nossa legislação também é muito engessada, então, dependendo do sindicato, a gente não consegue flexibilizar isso. Mas, se isso for superado, eu acho que a gente já consegue atrair um grupo maior de jovens. 

Precisamos de qualificação técnica, comportamental ou emocional? Qual deve ser o foco?

As três, mas de maneira assim, em hierarquia, eu colocaria emocional, comportamental. Emocional, com certeza a primeira. A técnica por último. Hoje, a maioria das áreas de atuação, elas já atuam praticamente sozinhas.

Na maioria das empresas, os sistemas são mais simplificados, são muito autônomos mesmo, são… como é que a gente fala? Intuitivos.

É lógico, existem áreas específicas em que a pessoa precisa realmente de uma formação técnica profunda, mas na maioria das áreas, você com algumas semanas de treinamento consegue preparar aquele profissional para atuação.

O mesmo a gente não pode falar de comportamental e emocional, né? As pessoas não estão comprometidas, elas não têm um nível de engajamento, elas têm pouca resistência à frustração. Você chama a atenção, ela vai para casa, no outro dia ela não quer voltar.

Todo comportamento pode ser moldado, desde que eu precise mudar o comportamento.

 

Então, é uma decisão que a pessoa precisa tomar, ela precisa sentir que é um momento de virada dela e a partir desse momento ela consegue desenvolver essas habilidades. Quando a gente fala mais da inteligência emocional, a gente está falando mais de um autocontrole, da capacidade de verbalizar as emoções de maneira assertiva. Isso pode ser desenvolvido. 

Como é a preparação do profissional de liderança e gestão hoje para o que era há 20, 30 anos? 

Antes, o que nós tínhamos era uma estrutura de cadeia de comando e controle, aquela velha história do manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Então, dentro de uma cadeia de comando e controle, as habilidades socioemocionais são menores. Eu preciso de habilidades técnicas.

Antes o técnico era mais importante. Então quando eu falava, “olha eu sei o que eu estou fazendo, então eu mando, você obedece”. Aí o outro obedecia e estava tudo bem.

Existia uma cadeia de comando e controle muito clara, uma hierarquia muito clara nas organizações.

Quando você começa a trazer para um processo mais horizontal, que a gente chama de modelo mais horizontal, que são organizações mais fluidas, isso exige do líder uma capacidade muito maior de influência, de comunicação, de escuta empática, porque ele já não está mais numa posição de manda quem pode.

Ele não manda mais, ele influencia. Ele não manda mais, ele direciona, ele não manda mais, ele desenvolve.

Ele tem capacidade de desenvolver, de direcionar e de influenciar pessoas. Eu falo que para o líder ficou muito mais complexo ser líder, porque exige dele, além do conhecimento técnico, um conhecimento muito grande socioemocional, para lidar com as próprias emoções e a emoção de um time inteiro.

E uma coisa que eu sempre ressalto é que a gente exige muita empatia. O líder tem que ser empático, mas o líder não recebe a simpatia do time. Então ele tem que lidar inclusive com essa questão de acolher as próprias emoções. 

O Estado tem grandes grupos familiares com culturas empresariais bem particulares. Mudou muita coisa? 

Mudou totalmente. Hoje, um dos trabalhos que eu mais tenho feito nas organizações é o trabalho de transformação cultural.

E aí, para você ver, em 2006 eu fiz a formação como especialista em transformação cultural, e agora que eu vejo que a agenda, praticamente, antes era assim, um ou outro projeto. Hoje, a cada dez projetos, oito são de transformação cultural. 

O que significa transformação cultural? 

Essas organizações, como elas começam a passar por esse processo de mudança, de envelhecer, elas precisam dar uma repaginada. É o “lift”, né? Aquela coisa assim.

Eu preciso repaginar porque o mundo é outro, os colaboradores são outros, os líderes são outros e a gente não pode manter a cultura dentro do padrão existente anteriormente.

Como era antes? Eram padrões rígidos! Eu conheço algumas organizações que quando a gente foi revisar o código de conduta estava lá assim, “proibida a barba”.  E era assim, código de conduta. A mulher não podia usar batom de uma cor que não fosse um rosa claro. Estava escrito no código de conduta. Chega a ser engraçado.

Existiam organizações que há 20 anos proibiram o relacionamento entre colaboradores, se fosse descoberto mandavam embora um dos dois. Era aceitável naquele momento, era aquela cultura, era outro tempo. Já não é mais.

É um processo social que impacta dentro do organizacional. Hoje, a gente vê isso dentro de diversidade. Existe um movimento de diversidade muito grande, de inclusão, e as empresas tiveram que conversar sobre isso. 

Como você vê a capacidade de gestores públicos hoje no Estado em todos os níveis?

Um líder quando funda uma organização tem como propósito trazer desenvolvimento socioeconômico. O principal propósito de um governante, de um político deve ser buscar o desenvolvimento social e não o próprio desenvolvimento.

O que eu percebo é que infelizmente alguns colocam isso numa linha diferente, eles estão buscando interesses próprios então você acaba mantendo uma estrutura que já existe há muito tempo no status quo.  

É uma preservação de status em vez de buscar aquilo que realmente a sociedade precisa nesse momento. Parar para ouvir o que é necessário para a organização e trazer isso para a mesa de maneira corajosa eu ainda não percebi. A hora que eu perceber tem meu voto. 

Roberta Kato é CEO do Grupo Kato, administradora, psicopedagoga e tem formação em aconselhamento e coach além de certificações internacionais relacionadas à formação pessoal e mentorias empresariais.

Veja a entrevista completa abaixo:

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