O mercado automotivo sempre foi apontado como termômetro da economia. Aqui, no Espírito Santo, já ouvimos muito falar que para ter uma economia completa a gente deveria ter uma montadora de veículos e houve até um ensaio lá atrás.

Quando procurava instalar  uma nova fábrica no Brasil, no final dos anos 1990, a Ford cogitou se instalar aqui no Espírito Santo. Teve até uma apresentação de maquete da fábrica, em um dos episódios mais icônicos da história recente capixaba.

A fábrica da Ford acabou indo para a Bahia e essa virou uma grande frustração dos capixabas. O tempo passou e, 20 anos depois, a montadora americana simplesmente deixou o país, em um reposicionamento global da marca. Afinal, o cenário era nebuloso lá atrás em 2021, logo depois da pandemia.

Mas parece que o jogo virou. Em 2024, o investimento de montadoras deve ultrapassar os R$100 bilhões no país segundo estimativas de mercado, principalmente por causa da onda de eletrificação da frota. Como isso impacta o Espírito Santo?

E falamos, hoje, de um estado muito diferente daquele dos anos 2000, candidato a sediar a planta automotiva da Ford, afogado em dívidas,  sem geração de receita e que precisava movimentar a economia? E que janela de oportunidades é essa que o novo Espírito Santo tem tudo para aproveitar? 

Apolo Rizk é da segunda geração de uma empresa que tem o nome ligado diretamente à Ford, a Contauto. Grupo que teve que se reinventar em função da saída da montadora do país e que não só superou a separação como projeta faturamento acima dos R$75 milhões este ano e de R$100 milhões no ano que vem.

O grupo foi fundado em 1971 e também está nos segmentos de motocicletas, auto center, caminhões, consórcios e, principalmente, uma distribuidora que atua no segmentos de peças automotivas, lubrificantes, baterias e pneus. Conheça a história de como foi esse movimento de reinvenção e de como Apolo Rizk vê o momento do Estado.

Confira nesta Entrevista de Domingo

Como a saída da Ford do Brasil impactou o negócio de vocês?

Tivemos muito sucesso por muito tempo, mas infelizmente a fábrica resolveu parar com a fabricação de automóveis aqui no Brasil. Nós ficamos sabendo algumas horas antes do anúncio oficial, de a coisa estourar na mídia.

Foi um momento de muita dúvida e incerteza e depois disso, foi um ano de muito trabalho até a gente realmente se separar.

Foi um um ano bem complicado e trabalhoso, mas agora a gente olha para trás e vê como foi importante para tocar o grupo. A gente teve que se reinventar.

Como o mercado automotivo capixaba recebeu a saída da marca e como foi ganhar esse mercado online?

Com a saída da marca, passamos a investir também na distribuidora de peças, no e-commerce.

Foi um projeto que nós desenvolvemos nesses últimos 2 anos e meio, até porque o Espírito Santo está muito bem posicionado nacionalmente em termos geográficos e de benefícios para o e-commerce. Muitas empresas têm sede e seus centros de distribuição aqui no Estado.

É claro que a marca Ford faz falta.

 

Ao longo de um ano, a gente foi fechando as lojas devagarzinho e, de repente, a gente se viu com metade da empresa. Nós não sabíamos para onde iríamos direcionar os negócios. Meu pai veio a falecer também, no mesmo ano, então foi uma tempestade perfeita.

O pós-pandemia, sucessão, falecimento do fundador do grupo e metade da empresa de repente some. Então, foi um momento extremamente difícil.

Hoje, eu te falo que não sinto mais tanta falta porque, graças a Deus, nós conseguimos nos desenvolver em outros segmentos aqui dentro do Estado.

Como o investimento recorde de montadoras no Brasil impacta no mercado aqui no Espírito Santo?

Acho que tem um impacto, sim, até porque o Estado está muito bem posicionado no e-commerce. E também tem um posicionamento muito interessante na importação de veículos.

Pelo nosso porto, a gente recebe a BYD, tem a GWM. São novos players no mercado. E você tem outras marcas tradicionais que já importam seus veículos por aqui.

Isso mostra que a gente já tem esse DNA e tendo esse aporte financeiro, na tecnologia, na importação vindo pelo nosso Estado, isso movimenta toda uma cadeia econômica que se beneficia.

Hoje, a gente tem uma montadora de ônibus no Norte do Estado, que inclusive prevê investimentos em veículos elétricos. Você acha que falta uma montadora de veículos de passeio no ES?

Eu acho que nós temos tudo para ser um grande player dentro desse mercado e ter uma montadora aqui dentro do Espírito Santo seria extremamente interessante para a gente.

De veículos elétricos?

Com certeza é um belo momento. E posso citar o porquê com um exemplo. A gente, do Grupo Contauto, representa uma marca de caminhões chamada Foton. Eles são a segunda maior montadora do mundo e a maior montadora de veículos comerciais da China.

Inclusive, eles também têm produtos elétricos, mas estão começando com um portfólio mais limitado aqui no Brasil. Estão vindo com carros menores, a combustão, e têm sim uma pegada muito forte com carros elétricos.  Mas isso requer um pouquinho mais de estudo para entender melhor como o nosso mercado funciona.

Você acha que a gente poderia abrigar uma fábrica dessa marca aqui no Estado?

Com certeza. Nosso Estado é muito interessante e representamos essa marca há 2 anos e meio. Eles estão num momento muito bacana, tem alguns lançamentos ainda este ano.

Já falei algumas vezes para alguns executivos deles, da Foton, que o Espírito Santo seria um excelente candidato a fazer tanto a importação dos veículos quanto das peças.

 

E também sobre a possibilidade de uma fábrica aqui. Hoje, eles fazem a importação prioritariamente por Itajaí, mas já tive a notícia nos bastidores de que vão começar a trazer veículos e vão começar a fazer importação de peças também pelo Porto de Vitória.  

Como você acha que o empresário deve avaliar o momento de mudar?

Isso depende muito de marca e de mercado. Por exemplo, aqui no Espírito Santo nós tínhamos uma característica como grupo que não era normal, não era como outros grupos automotivos.

Nós trabalhávamos somente com a Ford e com moto a gente trabalha exclusivamente com a Honda. O mercado de Vitória é extremamente competitivo e grupos com diversas marcas em seus portfólios.

Antes da pandemia já tínhamos previsão de procurar novas marcas exatamente para não “guardar tudo na mesma cesta”. 

Às vezes você tem um produto que está indo bem, de uma certa marca, e o outro não tão bem assim. Eu acho que para um grupo automotivo, numa capital que é extremamente competitiva como Vitória, esse modelo de uma marca só  já não consegue prosperar.  

O que falta para o empresário capixaba, na sua opinião?

O mercado capixaba está repleto de talentos maravilhosos, de empresários que querem fazer a coisa acontecer, que acreditam no Estado e acreditam no nosso potencial.

Às vezes, a gente acaba perdendo alguns talentos para empresas maiores, multinacionais. Acho que não falta muita coisa. Falta às vezes um pouquinho de oportunidade.

As oportunidades no Espírito Santo acabam sendo um pouco limitadas, mas quem acredita no Estado, trabalha sério, faz a coisa acontecer é bem valorizado aqui.

Como você avalia o momento econômico do Estado hoje?

O Estado vive um bom momento, mas sempre dá para melhorar. Não pode chegar e falar “assim tá bom”.  Acho que essa mentalidade de “não vamos fazer grande demais, faz desse tamanhozinho aqui que está bom” já acabou.  Aqui não tá bom não!

Se é para ser competitivo, a gente tem que  produzir à altura.

 

E competir, sim, com os maiores, com São Paulo, Rio de Janeiro, com grandes estados. Temos que mostrar a nossa força. O Espírito Santo, em termos de momento econômico, vive uma retomada.

A gente teve alguns problemas até antes da pandemia, o Brasil inteiro levou alguns tropeços nesse meio tempo e  estamos muito bem posicionados nessa retomada.

Como as empresas automotivas se comportam no mercado e como é a concorrência?

Eu acho que quando você tem foco no cliente, atender bem faz a diferença. Nesse mercado, você não está lá para vender mais um carro.

Você está lá para realizar um sonho. Você nunca sabe quem tá do outro lado. Pode vender 300 carros, 1.000 carros por mês e para você pode parecer normal, só que não é para a pessoa que está lá do outro lado.

Para ela é um momento bem pontual e a gente não pode tirar esse momento do nosso cliente.

Quando a gente tem foco no cliente, no produto, eu acho que ali é que está o diferencial. Essa é a melhor forma de lidar com a concorrência.

Como é a relação do setor automotivo com os governos?

Tem seus altos e baixos. O setor é um dos que mais contribuem para a economia do país, enquanto setor produtivo. Tem uma abrangência maior do que as pessoas percebem às vezes.

A relação com os governos, municipal, estadual e federal, é um eterno estica e puxa. Nunca tem quem ganha e quem perde.

Eu acho que existem momentos em que essas negociações acontecem e que e que às vezes complicam. No final das contas, o saldo é positivo.

O que é mais importante? Tradição ou inovação?

Eu acho que uma coisa não consegue funcionar sem a outra. A questão da tradição te dá continuidade para inovar, para fazer algo diferente daqui para a frente.

Você não consegue ter tradição sem superar esses momentos difíceis, sem passar por uma crise,  sem ter a oportunidade de mostrar a que veio.

É difícil mudar rumos e pensamentos num grupo familiar

 

Trabalhei com com meu pai durante 20 anos, ele fundou a empresa, trabalhou sozinho por muito tempo. Esses momentos de tensão familiar sempre vão acontecer e não se pode perder o respeito.

Tem que entender que aquele ali é seu pai, é seu irmão, mas no final das contas ele é o sócio fundador, ele é o presidente do grupo, é o meu sócio.

Eu não posso tratar uma empresa familiar da forma como não trataria um sócio numa questão normal de uma empresa não familiar.

Quando essas coisas são alinhadas,  tem tudo para dar certo. Eu tive muito tempo para aprender com meu pai e agora eu estou tendo a oportunidade de fazer um pouco diferente.

Ao mesmo tempo, faço muitas coisas que ele conseguiu me ensinar. Agora, junto com meu irmão, tenho a oportunidade de traçar um caminho um pouco diferente.

Os grupos familiares capixabas têm lições a ensinar? Quais?

Sou muito fã de grupos familiares aqui do Estado, até porque você vê grupos com tamanhos diferentes, com governança corporativa exemplar, que são cases de Harvard.

Algumas dessas empresas têm essa governança muito bem estruturada e servem de exemplo. E tem o outro lado da moeda também, de outros grupos que por diversos motivos não conseguiram prosperar.

Aprendemos com quem faz certo e depois também com os erros dos outros. A gente tenta escapar de algumas dessas armadilhas que a gente encontra ao longo do tempo, que vão acontecer.

Agora, tem um dado que me assusta até hoje e que eu não vou cair nessa de jeito nenhum. Dizem que a proporção de empresas que fecham na primeira sucessão é altíssima, na segunda então nem se fala e o que fica acaba fechando por algum motivo que tem a ver com a falta de interesse do sucessor.

Quando meu pai faleceu, eu e meu irmão resolvemos dar continuidade. Eu falei com ele que nós não vamos ser a geração que vai fechar essa empresa e graças a Deus a gente está conseguindo fazer isso.

Como as lideranças podem fazer a diferença no Estado?

Eu acho que nós temos algumas associações muito interessantes, pessoas muito boas, líderes que são pessoas que eu conheço e que são extremamente capazes e inteligentes no Estado. Profissionais com bastante conhecimento para fazer e para unir as pessoas dentro dos segmentos e fazer algo melhor.

Eu acho que essa união, dessas lideranças, é extremamente importante apesar da concorrência. Temos grandes líderes que estão fazendo um trabalho muito bom para o Espírito Santo.

Apolo Rizk é diretor do Grupo Contauto

Veja abaixo, em vídeo, a entrevista completa:

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