O varejo é sem dúvida uma das principais molas da economia não só do Estado, mas do mundo. Quando a economia vai mal, automaticamente o consumo de itens diários, de primeira necessidade cai. Assim funciona com todo o setor, mas o de supermercados sente bem mais. É a ponta, onde o cliente de fato consome. E lidar com crises, tempos difíceis, recessão ao longo de décadas, não é nada fácil para quem empreende.
E quem pode falar de mudanças de perspectiva e panoramas é o Luiz Coutinho. Fundador do Grupo Coutinho, que administra a maior rede de supermercados do Espírito Santo. Sob o grupo estão os supermercados Extrabom, Extraplus e também o Atacado Vem.
Essa história começou no final dos anos 70 com uma pequena mercearia em Jardim América, Cariacica. Hoje a rede conta com um centro de distribuição específico, o primeiro para atender o varejo supermercadista no Estado, suficiente para atender as 45 lojas da rede.
E é sobre esse setor que Luiz Coutinho relata experiências, iniciativas e como vê a economia do Estado. Veja abaixo na entrevista:
Do ponto de vista de negócios do varejo, o Estado é um bom local para se investir?
Sim, o Estado é um bom local, o ambiente de negócios é favorável e isso é muito bom. Nos motiva a continuar investindo, não só em Vitória como em outras cidades também. E é um lugar para se morar, para se viver, muito bom, não só para investir.
Qual a diferença entre o ambiente de negócios lá na década de 70, quando começou o mercadinho, para hoje?
É muito diferente. Lá, a gente conviveu com outras dificuldades. Dificuldade de recurso, da concorrência. Nós tínhamos dificuldade de acessar os grandes fornecedores.
Hoje, por exemplo, isso já é ultrapassado, vencemos essa etapa. Convivemos ainda com um emaranhado danado de questões tributárias. Agora, com a reforma, tende-se a minimizar essas dúvidas todas.
A concorrência hoje está muito mais organizada, está mais formalizada. Já vivenciamos, na época, há 20 anos, muita informalidade. E isso dificultava o processo de você implementar uma gestão, uma governança.
Tudo isso também vem com um custo junto. Então, eu diria que o mercado de varejo, na forma geral, vem amadurecendo, vem se profissionalizando não só a empresa média, a grande, mas a pequena também, através de associações, de organizações.
Com essa profissionalização, o cliente é atendido de uma forma melhor, tem mais opção de compra e faz com que nós, o varejista, sempre se aperfeiçoe. Tivemos a entrada de um grupo internacional aqui no Espírito Santo e a gente vê isso com bons olhos. É mais uma opção para o consumidor.
A concorrência nos faz repensar.
Nos faz rever algumas práticas, olhar mais para dentro, no sentido de aperfeiçoar, desaprender para aprender. É um processo constante e aquilo que é bom, vamos fazer ainda melhor.
Dava para pensar dessa forma lá atrás, na mercearia em Jardim América?
Não! Lá era muito no sentido do fazer acontecer. Nós iniciamos o trabalho junto com o meu pai. Ficou 13 anos na mercearia e na venda, depois paralisou um período, e nós começamos em 1978, já com a coisa mais estruturada. Ali era uma atividade mais braçal, inclusive, não era nem autosserviço.
Nós segurávamos a cestinha, percorríamos as gôndolas com o cliente e íamos preenchendo a cestinha para ele. E o que nós não tínhamos na nossa loja, depois a gente comprava e a concorrente entregava para o cliente.
Às vezes faltava um gás na casa do cliente, ele ligava para a gente: “Ó, está faltando gás! Não se preocupe, vamos comprar o gás para você”.
Então, a gente buscava o gás, entregava na casa e depois ele pagava a gente. E foi a base do nosso crescimento, inclusive, colocar o cliente em primeiro lugar.
E isso a gente vem passando isso para os nossos colaboradores, quer dizer, hoje para os diretores, para os gerentes, para os operacionais, principalmente na base.
Como o empresário deve encarar um negócio de varejo com tantas lojas e tantas ramificações?
O que é muito claro para nós é que os consumidores vêm evoluindo e ficando mais seletivos a cada dia que passa. Na nossa empresa trabalhamos de forma sempre segmentada. Então, nós temos as lojas Extraplus, que são menores, em bairros mais nobres, mais posicionadas para o público com maior poder aquisitivo.
Aí você pega o Extrabom, em que atuamos mais na classe média. Todos esses mercados são pessoas especiais. Vamos encantá-los através do sortimento do serviço.
Como existe muita variedade de mercadoria, então você procura fazer o mix de acordo com esses grupos de lojas, considerando o poder aquisitivo da maioria desses bairros.
Demorou muito tempo pra chegar a essa conclusão?
Demora, porque você tem que ir ouvindo, você tem que entender a necessidade do cliente, considerando, ouvindo bastante, perguntando. Eu diria que 70% dos produtos são comuns, mas os outros, 30%, 40%, eles variam de acordo com a sua necessidade.
Não é perigoso crescer tanto assim?
Perigo sempre tem, mas a vontade de vencer, de crescer, tem que ser maior do que o medo de ficar onde está. E quando você abre mais uma loja, eu só olho lá positivo. Geramos mais emprego e renda para aquela comunidade.
Criamos para as pessoas oportunidades de crescimento. E desde que você faça de forma planejada, sempre verificando onde crescer e como crescer, também medindo o tamanho desses investimentos, dá para ir.
Agora, lógico, todo negócio tem risco.
Não tem negócio sem risco.
Mas, nós estamos há 45 anos, é uma vida de aprendizado. Nós vivemos vários erros ao longo do caminho, mas temos muito aprendizado, inclusive com nossos próprios erros. E o importante é que, ao longo da história, a carreira é boa, é crescente.
Hoje, nós somos o segundo maior empregador do Espírito Santo. São 6.500 colaboradores diretos. E muitas das colaboradoras que entraram como encarregadas, por exemplo, hoje são gerentes. Entraram aqui no seu primeiro emprego e foram se desenvolvendo, aprendendo com outro colega.
Porque a gente sempre procura, nas entrevistas, identificar no futuro colaborador, vontade de se desenvolver. E vontade e facilidade de lidar com gente, de servir.
São requisitos para trabalhar conosco. À medida que ele tem ambição, ele ajuda a gente a crescer também. Então, é um processo que vai se somando.
O Grupo Coutinho pode investir no turismo?
Olha, podemos ter pensado nisso, mas só que tem muitos projetos ainda dentro do varejo para serem feitos. Eu diria que nos próximos dois, três anos a gente não entraria. É melhor a gente ir passo a passo e nos fortalecendo.
Hoje, tem uma relação muito boa com os nossos fornecedores, que nos apoiam, que fazem junto conosco também os nossos investimentos. Para abrir um negócio hoje, para diversificar, a gente tem que pensar um pouco mais. Mas, sem dúvida, poderá acontecer no médio prazo.
Como você percebeu o potencial de transformar uma mercearia pequena de bairro num gigante do varejo?
Não foi tudo planejamento. Lógico, sempre procurei planejar, sempre ter uma visão mais de médio e longo prazo e sempre compartilhar isso com as pessoas que estão mais perto de mim. Sempre. E sempre trabalhando com metas também.
Isso foi assim, da primeira para a segunda loja, da segunda para a terceira e foi. Trabalhamos sempre com meta de dois, três anos. E assim que vamos realizando, ampliamos. Isso tem nos ajudado.
Como você acha que o meio empresarial pode orientar o setor do varejo?
A gente precisa contar cm instituições sindicais, como por exemplo a Fecomércio (Federação do Comércio do Espírito Santo).
O Sebrae me ajudou muito na formação, não só minha, como também de meu sócio, meu gerente também.
Mas, de uma forma geral nós, empresariado, é bom a gente procurar sempre mais formação, mais qualificação, trocando as informações e orientando, inclusive, para se desenvolverem. Independente do segmento
Por que essas redes nacionais e internacionais não têm tanto espaço aqui no Espírito Santo?
Geralmente, os grandes players, por atuarem em vários estados, e alguns inclusive em outros países, não têm essa facilidade de mapear, de entender as necessidades dos consumidores, isso pode ser que crie um pouco mais de dificuldade.
De uma forma geral, nós aqui da nossa empresa, com nossas bandeiras, procuramos sempre identificar oportunidades, sempre colocar o cliente em primeiro lugar e ver a sua necessidade. E os colegas também não fazem diferente.
O maior problema do setor hoje é a mão de obra?
Ultimamente sim. Passamos uma fase que em áreas mais técnicas, como na área de tecnologia, a gente teve alguma dificuldade, era uma área muito demandada também para a indústria. Mas hoje está mais, digamos assim, não digo normal, mas está menos difícil.
Não só no nosso setor de supermercados, a gente percebe também que em outros segmentos está assim. Tem até mão de obra, mas às vezes ela não está disposta a trabalhar ou não tem uma formação mínima para se desenvolver. Apesar que no nosso caso, nós admitimos mesmo sem formação.
Luiz Coutinho é fundador do Grupo Coutinho
Veja abaixo a entrevista na íntegra: